No dia 5 de agosto foi sancionado o Estatuto da Juventude. Uma cerimônia que reuniu, no Palácio do Planalto, centenas de pessoas, entre deputados, senadores, ministros, diplomatas e, principalmente, jovens. Jovens gestores de políticas públicas, de diversos movimentos sociais e membros das centenas de conselhos de juventude espalhados pelo país. Jovens que fizeram das ruas seu espaço privilegiado de vivência. Nelas, nas ruas, essa juventude foi conhecendo as linguagens, os grupos, as possibilidades e perigos de uma sociedade que desprezou um bônus demográfico e luta hoje para controlar o ônus desse desprezo.
Também, as ruas, foram eleitas há décadas pelas várias gerações juvenis como palco principal das disputas por uma sociedade mais livre, mais igual e mais fraterna. A Revolução Francesa, já que recuperei aqui seus lemas, também não se deu na Bastilha ou nos Jardins de Versalhes, mas nas ruas. E elas, os jovens de centenas de cidades do Brasil ocuparam nas semanas recentes. Nas ruas em São Paulo, no Rio de Janeiro, em Vitória, em Fortaleza e em Brasília. Onde enfrentaram mais uma vez a violência característica das forças policiais no Brasil. Que matam individualmente mais que qualquer outra organização e dessas forças, ninguém diz vândalos.
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Pelas ruas, toda uma geração, a maior geração de jovens da nossa história, cresceu em um Brasil novo que se construía com a Constituição Cidadã de 1988, após longos anos da ditadura, que o Velho do Restelo, na versão paulista do jornalismo impresso decadente, chama de ‘branda’. Delas, das ruas, surgiu com força o movimento que resultou na criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que garantiu a uma parte desses jovens, pequena inclusive, um desenvolvimento seguro com proteção estatal. Nelas, nas ruas, se questionou e ainda se questiona a entrega do patrimônio brasileiro aos donos do mundo, essa classe com espírito de vira lata, que se acha elite. Por elas, pelas ruas, trabalhadoras e trabalhadores, jovens, mulheres, negros, homossexuais, indígenas, enfrentaram o medo e colheram a esperança ocupando Brasília naquele início de 2003.
Foi, certamente, um novo começo. Novas políticas, novos espaços, novas lutas em fronts de batalha até então desconhecidos. Alguns parecem não se lembrar disso, tão facilmente se adaptaram à vida na corte. Um dos primeiros frutos desse processo foi a PEC da Juventude já aprovada e o Estatuto da Juventude sancionado nesse início de agosto. Com a sanção do Estatuto, comemoramos que a política de juventude saia do campo da necessidade, tão martelada diuturnamente, para o campo da possibilidade, aberto com a obrigação de transformarmos essa em uma política de estado, positivada nesse texto.
E agora quando as ruas permanecem ocupadas, o que se pede é mais. Mais direitos, mais liberdades, mais democracia. É fundamental que os direitos expressos no Estatuto da Juventude se tornem realidade e uma realidade imediata. Não será possível materializar o direito dos jovens à participação sem condenar a violenta repressão às recentes manifestações juvenis pelo país. Da mesma forma, falar em participação, como reconhece o Estatuto, é reconhecer a falência do nosso sistema político, que precisa ser reformado, acabando com a força do poder econômico nas eleições, que tem nesse financiamento privado, a mãe da corrupção e a barreira central que impede a representação de jovens, mulheres e negros nos espaços institucionais.
Materializar o direito à comunicação, também como prevê o Estatuto da Juventude é, antes de tudo, reconhecer que todas as organizações e movimentos juvenis que lutaram pela sua aprovação e que todos os milhares de jovens que foram e continuam nas ruas nesses dois meses, não possuem a mesma liberdade de expressão que sete famílias brasileiras, que utilizam um patrimônio público, para reproduzir preconceitos, atacar a democracia e restringir direitos.
PublicidadeConsolidar o respeito à diversidade da juventude brasileira é saber que o Estatuto da Juventude é o primeiro marco legal a adotar o direito à livre orientação sexual, mas também reconhecer que a homofobia mata milhares de pessoas todos os anos, jovens em sua grande maioria, com requintes da mais alta crueldade e que a resposta do governo tem sido marcada pelo silêncio.
Também, no que tange ao direito à diversidade, é preciso reafirmar a importância do Estado laico e da pluralidade religiosa, em momentos de recrudescimento do obscurantismo. Obscurantismo que se reflete a partir do púlpito de algumas igrejas e na tribuna do parlamento brasileiro, cujas idéias atrasadas se articulam bem com suas figuras estranhas e mal ajambradas.
São diversos os avanços trazidos pelo Estatuto da Juventude. Sua aprovação, que mobilizou milhares de jovens nas ruas, nos parlamentos e nos espaços institucionais ao longo dos últimos anos traz agora um novo desafio. Que é o desafio também colocado ainda hoje à nossa Constituição Cidadã e outras leis que tentam livrar nossas naus das pragas do Velho do Restelo. Trata-se de tirar do papel as garantias positivadas e levá-las ao cotidiano dos nossos 51 milhões de jovens. Para isso, mais do que nunca, as ruas serão cada vez mais necessárias.
Deixo vocês com um poema do Leminski, que nossos jovens continuam mantendo mais vivo nas ruas das grandes cidades que nos livros das nossas mal conservadas bibliotecas.
“Ainda vão me matar numa rua.
quando descobrirem,
principalmente,
que faço parte dessa gente
que pensa que a rua
é a parte principal da cidade.”
Paulo Leminski
*Artigo baseado no discurso proferido durante a cerimônia de sanção do Estatuto da Juventude no Palácio do Planalto, em 05 de agosto de 2013.