Proposição: PLS nº 115/2002 (nº 7.134/2002, na Câmara dos Deputados). Veto Parcial nº 22/2006
Assunto: Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências.
As razões do veto presidencial
"Senhor Presidente do Senado Federal,
Comunico a Vossa Excelência que, nos termos do § 1o do art. 66 da Constituição, decidi vetar parcialmente, por inconstitucionalidade e contrariedade ao interesse público, o Projeto de Lei no 115, de 2002 (no 7.134/02 na Câmara dos Deputados), que “Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências”.
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Ouvidos, os Ministérios da Fazenda e da Justiça manifestaram-se pelos seguintes vetos:
Arts. 6º e 8º a 15
“Art. 6o Integram o Sisnad o conjunto de órgãos e entidades do Poder Executivo da União, do Distrito Federal, dos Estados e Municípios que exercem as atividades de que tratam os incisos I e II do art. 3o desta Lei.”
“Art. 8o Compete ao Conad exercer a atribuição de órgão superior do Sisnad.
§ 1o O Conad é composto por órgãos da Administração Pública Federal, representações da sociedade civil e pela Secretaria Nacional Antidrogas – Senad, na qualidade de sua secretaria executiva, nos termos da legislação vigente.
§ 2o A composição e o funcionamento do Conad são regulamentados pelo Poder Executivo.”
“CAPÍTULO III
DAS ATRIBUIÇÕES ESPECÍFICAS DOS ÓRGÃOS QUE COMPÕEM O SISNAD
Art. 9o No que se refere ao cumprimento desta Lei, são atribuições específicas do Ministério da Saúde e de suas entidades vinculadas, na forma da legislação vigente:
I – publicar listas atualizadas periodicamente das substâncias ou produtos de que trata o parágrafo único do art. 1o desta Lei;
II – baixar instruções de caráter geral ou específico sobre limitação, fiscalização e controle da produção, do comércio e do uso das drogas referidas nesta Lei;
III – adotar as providências estabelecidas no parágrafo único do art. 2o desta Lei;
IV – assegurar a emissão de licença prévia prevista no art. 31 desta Lei pela autoridade sanitária competente;
V – regulamentar a política de atenção aos usuários e dependentes de drogas, bem como aos seus familiares, junto à rede do Sistema Único de Saúde – SUS;
VI – regulamentar as atividades que visem à redução de danos e riscos sociais e à saúde;
VII – regulamentar serviços públicos e privados que desenvolvam ações de atenção às pessoas que façam uso ou sejam dependentes de drogas e seus familiares;
VIII – gerir, em articulação com a Senad, o banco de dados das instituições de atenção à saúde e de assistência social que atendam usuários ou dependentes de drogas de que trata o parágrafo único do art. 15 desta Lei.
Art. 10. No que se refere ao cumprimento desta Lei, são atribuições específicas do Ministério da Educação e de suas entidades vinculadas, na forma da legislação vigente:
I – propor e implementar, em articulação com o Ministério da Saúde, a Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República e a Senad, políticas de formação continuada para os profissionais de educação nos 3 (três) níveis de ensino que abordem a prevenção ao uso indevido de drogas;
II – apoiar os dirigentes das instituições de ensino público e privado na elaboração de projetos pedagógicos alinhados às Diretrizes Curriculares Nacionais e aos princípios de prevenção do uso indevido de drogas, de atenção e reinserção social de usuários e dependentes, bem como seus familiares, contidos nesta Lei.
Art. 11. No que se refere ao cumprimento desta Lei, são atribuições específicas do Ministério da Justiça e de suas entidades vinculadas, na forma da legislação vigente:
I – exercer a coordenação das atividades previstas no inciso II do art. 3o desta Lei;
II – instituir e gerenciar o sistema nacional de dados estatísticos de repressão ao tráfico ilícito de drogas de que trata o art. 17 desta Lei;
III – manter a Senad informada acerca dos dados relativos a bens móveis e imóveis, valores apreendidos e direitos constritos em decorrência dos crimes capitulados nesta Lei, visando à implementação do disposto nos arts. 60 a 64 desta Lei.
Art. 12. No que se refere ao cumprimento desta Lei, são atribuições específicas do Gabinete de Segurança Institucional e de suas entidades vinculadas, na forma da legislação vigente:
I – exercer a coordenação das atividades previstas no inciso I do art. 3o desta Lei;
II – gerir o Fundo Nacional Antidrogas – Funad.
Art. 13. No que se refere ao cumprimento desta Lei, são atribuições dos órgãos formuladores de políticas sociais e de suas entidades vinculadas, na forma da legislação vigente, identificar e regulamentar rede nacional das instituições da sociedade civil, sem fins lucrativos, que atendam usuários ou dependentes de drogas e respectivos familiares.
Art. 14. No âmbito de suas competências, os órgãos e entidades do Poder Executivo que integram o Sisnad, previstos no art. 6o desta Lei, atentarão para:
I – o alinhamento das suas respectivas políticas públicas setoriais ao disposto nos arts. 4o e 5o desta Lei;
II – as orientações e normas emanadas do Conad;
III – a colaboração nas atividades de prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; repressão da produção não autorizada e do tráfico ilícito de drogas, observado o disposto nesta Lei.”
“Art. 15. O Sisnad disporá de Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas – Obid gerido pela secretaria executiva de seu órgão superior, que reunirá e centralizará informações e conhecimentos atualizados sobre drogas, incluindo dados de estudos, pesquisas e levantamentos nacionais, produzindo e divulgando informações, fundamentadas cientificamente, que contribuam para o desenvolvimento de novos conhecimentos aplicados às atividades de prevenção do uso indevido, de atenção e de reinserção social de usuários e dependentes de drogas e para a criação de modelos de intervenção baseados nas necessidades específicas das diferentes populações-alvo, respeitando suas características socioculturais.
Parágrafo único. Respeitado o caráter sigiloso, fará parte do banco de dados central de que trata o caput deste artigo base de dados atualizada das instituições de atenção à saúde ou de assistência social que atendam usuários ou dependentes de drogas, bem como das de ensino e pesquisa.”
Razões dos vetos
“Cumpre, inicialmente, assinalar que o art. 6o do presente projeto de lei, ao pretender criar obrigações aos entes federados viola, frontalmente, o princípio federativo inserto no art. 1o, caput, da Constituição da República, restringindo, assim, a consagrada autonomia dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, assegurada, por sua vez, no art. 18, caput, da Carta Magna.
Não se pode admitir que o projeto de lei determine, por meio de norma jurídica imperativa, a presença de órgãos e entidades do Distrito Federal, dos Estados Federados e dos Municípios na composição do Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas, sob pena de violação à autonomia constitucional dos entes federativos (art. 18 da Constituição da República).
Outrossim, a proposta legislativa, ao dispor sobre a organização e funcionamento da Administração Pública federal, viola, de forma cristalina, o disposto no art. 84, VI, a, da Constituição da República, bem como o princípio da separação entre os Poderes (art. 2o da Constituição), já que compete, privativamente, ao Chefe do Poder Executivo dispor, mediante decreto, sobre a matéria.
Ademais, mesmo que assim não fosse, o Egrégio Supremo Tribunal Federal, juntamente com a mais qualificada doutrina constitucionalista, assevera não ser possível suprir o vício de iniciativa em projeto de lei com a sanção presidencial, desde o julgamento da Representação no 890-GB (Rp no 890/GB, rel. Min. Oswaldo Trigueiro, Órgão Julgador: Tribunal Pleno, julgamento em 27/03/1974, RTJ 69/629), em 1974, pois, como adverte o professor Marcelo Caetano, ‘um projeto resultante de iniciativa inconstitucional sofre de um pecado original, que a sanção não tem a virtude de apagar, até porque, a par das razões jurídicas, militam os fortes motivos políticos que determinassem a exclusividade da iniciativa presidencial, cujo afastamento poderia conduzir a situações de intolerável pressão sobre o Executivo.’ (CAETANO, Marcelo. Direito Constitucional – volume 2. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1987, página 34).
Nada obstante, a previsão no projeto legislativo da criação de órgãos públicos, arts. 8o e 15, que determina ser da iniciativa privativa do Presidente da República as leis que disponham sobre criação de órgãos da administração pública.
Segundo o Egrégio Supremo Tribunal Federal, ‘O desrespeito à cláusula de iniciativa reservada das leis, em qualquer das hipóteses taxativamente previstas no texto da Carta Política, traduz situação configuradora de inconstitucionalidade formal, insuscetível de produzir qualquer conseqüência válida de ordem jurídica. A usurpação da prerrogativa de iniciar o processo legislativo qualifica-se como ato destituído de qualquer eficácia jurídica, contaminando, por efeito de repercussão causal prospectiva, a própria validade constitucional da lei que dele resulte’. (Supremo Tribunal Federal, Medida Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade no 2.364-1/AL, rel. Min. Celso de Mello, Órgão Julgador: Tribunal Pleno, DJ de 14/12/2001).
Colhe-se do mesmo julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal:
‘O princípio constitucional da reserva de administração impede a ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias sujeitas à exclusiva competência administrativa do Poder Executivo. Essa prática legislativa, quando efetivada, subverte a função primária da lei, transgride o princípio da divisão funcional do poder, representa comportamento heterodoxo da instituição parlamentar e importa em atuação ultra vires do Poder Legislativo, que não pode, em sua atuação político-jurídica, exorbitar dos limites que definem o exercício de suas prerrogativas institucionais.’ (Supremo Tribunal Federal, Medida Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade no 2.364-1/AL, rel. Min. Celso de Mello, Órgão Julgador: Tribunal Pleno, DJ de 14/12/2001).
Em decisões recentes, observa-se a mesma conclusão:
‘É indispensável a iniciativa do Chefe do Poder Executivo (mediante projeto de lei ou mesmo, após a EC 32/01, por meio de decreto) na elaboração de normas que de alguma forma remodelem as atribuições de órgão pertencente à estrutura administrativa de determinada unidade da Federação.’ (Supremo Tribunal Federal, Ação Direta de Inconstitucionalidade no 3.254/ES, rel. Min. Ellen Gracie, Órgão Julgador: Tribunal Pleno, DJ de 02/12/2005).”
Os Ministérios da Justiça e da Fazenda e o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República manifestaram-se pelo veto ao seguinte dispositivo:
Art. 71
“Art. 71. Nas comarcas em que haja vara especializada para julgamento de crimes que envolvam drogas, esta acumulará as atribuições de juizado especial criminal sobre drogas, para efeitos desta Lei.”
Razões do veto
“O projeto manteve clara a separação entre o tradicional modelo denominado retributivo adequado à repressão da produção não autorizada, do tráfico ilícito de drogas e aquilo que modernamente se conhece por ‘justiça restaurativa’, adequada à prevenção, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas.
A idéia fundamental do novo tratamento legislativo e judicial exige, para sua efetividade, um tratamento diferenciado entre o usuário/dependente e o traficante, objetos de tutela judicial diversos. Consolida este modelo não só a separação processual, mas é essencial que os destinatários de cada modelo sejam processados em unidades jurisdicionais diferentes, como previsto no sistema geral da nova lei: Juizado Especial para usuários/dependentes e justiça comum para traficantes.
As varas especializadas para o julgamento de crimes que envolvam drogas certamente serão fundamentais para a repressão, no contexto do modelo retributivo, porém representarão sensível retrocesso se passarem a acumular em um mesmo ambiente jurisdicional, atividades preventivas de cunho terapêutico, baseadas no modelo sistêmico restaurativo que é voltado ao acolhimento, à prevenção da reincidência, à atenção e reinserção social dos usuários e dependentes de drogas.
O veto ao dispositivo manterá a essência e a coerência do projeto restaurando a idéia inicial de atribuir tratamento distinto ao traficante e ao usuário.
Cumpre assinalar que o art. 71 do projeto de lei, agride severamente os arts. 96, II, d, e 125, § 1o, ambos da Constituição da República, ao estabelecer normas reguladoras da competência material da jurisdição, interferindo, indevidamente, na organização e divisão judiciárias, tema reservado à iniciativa exclusiva do Poder Judiciário, em atenção ao princípio da separação de poderes (art. 2o da Carta Magna).”
Essas, Senhor Presidente, as razões que me levaram a vetar os dispositivos acima mencionados do projeto em causa, as quais ora submeto à elevada apreciação dos Senhores Membros do Congresso Nacional.
Brasília, 23 de agosto de 2006."
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