Daniela Lima
Enquanto os Estados Unidos injetam bilhões nas seguradoras americanas para evitar quebra, o governo brasileiro também adota medidas destinadas a proteger o setor da crise econômica mundial. Duas mudanças inseridas na Medida Provisória 449/08 suprimem duas regras que regulam a atuação das seguradoras brasileiras.
Na prática, a modificação faz com que as empresas tenham mais dinheiro em caixa e possibilita maior volume de captação de recursos, como a utilização de financiamentos, por exemplo. Em contrapartida, a proposta da MP aumenta os riscos para os segurados, na análise de especialistas ouvidos pelo Congresso em Foco.
A MP elimina dois trechos de lei elaborada em 2001. Eles estipulavam regras para garantir o pagamento de todas as obrigações das seguradoras, em favor dos direitos dos segurados.
Um dos artigos supridos determinava que essas empresas deveriam ter patrimônio líquido (o dinheiro dos acionistas) maior do que o valor do passivo não operacional, nome técnico dado para definir as obrigações das seguradoras que não têm garantia de cobertura.
Com a revogação desse dispositivo na MP, as seguradoras podem usar o dinheiro, que antes era reservado para garantir o pagamento de suas obrigações, também para captar recursos ou fazer investimentos.
“Quando o patrimônio líquido das seguradoras passava a ser menor do que o passivo não operacional, essas empresas eram multadas e obrigadas a apresentar um plano de recuperação”, esclarece o advogado Marcelo Rechtman, do escritório Veirano, especialista em Direito do Seguro e Resseguro.
Outro caminho aberto pela MP para as seguradoras é a possibilidade de pedir financiamentos sem a obrigação de ter em seu patrimônio líquido valor igual para a garantir o pagamento da dívida.
Dinheiro de fora
Para fazer, por exemplo, um financiamento no valor de R$ 1 milhão, as seguradoras tinham que, em contrapartida, cobrir o patrimônio líquido com o mesmo valor. Logo, para garantir o financiamento, os acionistas da empresa tinham que desembolsar valor equivalente.
“Via de regra, as seguradoras não recorriam ao capital de terceiros porque tinham que manter determinado patamar de patrimônio líquido. A MP abre essa possibilidade”, explica Marcelo Rechtman. Isso acontecia, ele esclarece, porque a captação de recursos de terceiros entrava na cota do passivo operacional das seguradoras.
Na opinião do professor de Direito Econômico da Universidade de Brasília (UnB), Othon de Azevedo Lopes, a MP chega em momento oportuno para solucionar a crise de crédito que ameaça as seguradoras do Brasil. “O governo resolveu diminuir as restrições que as seguradoras têm para manter a liquidez dessas empresas. Na prática, elas vão ter mais dinheiro em caixa, mas o risco para o segurado vai aumentar”, explica.
Protecionismo
A MP 449 foi aprovada pelo plenário da Câmara dos Deputados no último dia 24 e seguiu para apreciação no Senado, ainda sem data marcada. Ela ficou conhecida como MP das Dívidas, por anistiar dívidas tributárias menores que R$ 10 mil e permitir o parcelamento de débitos maiores em até 15 anos, entre outras mudanças.
O relator da matéria na Câmara, deputado Tadeu Filippelli (PMDB-DF), não alterou o trecho que flexibiliza a atividade das seguradoras. Segundo ele, a análise técnica da matéria esclareceu que havia “compensações” para as regras que foram eliminadas.
A posição de Filippelli não foi unânime. “A MP mostra que há um protecionismo das seguradoras por parte do governo e não para beneficiar os segurados. As benfeitoria às seguradoras estão vindo pingadas em MPs”, criticou o deputado Fernando Coruja (SC), líder do PPS na Casa.
Controle
A atividade das seguradoras no Brasil é regulada pela Superintendência de Seguros Privados (Susep), órgão do Ministério da Fazenda que fiscaliza o ramo. Procurada para comentar as modificações propostas pela medida provisória, a assessoria de imprensa da Susep informou que, até o fechamento desta edição, não teria como levantar as informações pedidas pela reportagem.
Para atuar no mercado brasileiro as seguradoras devem cumprir uma série de normas que garantem a solvência dessas empresas. Em bom português, isso quer dizer que o governo estipula normas para que os segurados não corram risco de ficarem no prejuízo caso as seguradoras quebrem. “Uma dessas práticas prudenciais contábeis foi abandonada”, ressalta o professor da UnB.
Ele diz ainda que a MP concede sobrevida a seguradoras que antes estavam com a saúde financeira ameaçada. “Com a mudança, seguradoras que estavam perto de começar a operar no vermelho, por exemplo, poderão captar recursos ou usar o patrimônio líquido para voltar a operar dentro dos padrões de exigência”, detalhou Othon de Azevedo.
É a Susep quem controla a solvência das seguradoras brasileiras, analisando o cumprimento de uma série de critérios. Para justificar a alteração que dá fôlego financeiro para as seguradoras brasileiras, o governo federal sustenta na MP que “a Susep já dispõe de regras prudenciais que suplantam em muito o regramento dos dispositivos indicados.” Portanto, a regulamentação da superintendência seria suficiente para garantir a saúde financeira do setor.
Para o professor do departamento de contabilidade e atuaria da Universidade de São Paulo (USP), Geraldo Franco Lima, não há dúvidas de que a MP flexibiliza a atuação das seguradoras e aumenta o poder de controle da Susep sobre essas empresas. “Há sim um aumento de risco para o segurado, mas a Susep ainda tem mecanismos para controlar a solvência dessas empresas,” opina.
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