Na quarta-feira (11) o Congresso em Foco informou que o ex-sargento do Exército Fernando Alcântara e Laci Marinho, que ainda ocupa igual posto, decidiram deixar o país (confira aqui). O motivo são as constantes ameaças que dizem sofrer desde que assumiram publicamente sua relação homossexual.
Polêmico, o assunto, como seria de se esperar, gerou grande debate no campo de comentários na página da reportagem. Foram mais de 800 manifestações até ontem à noite (quinta, 12). Impressionante foi a agressividade contra o casal, que deu o tom da maioria dos comentários e incluiu, além de agressões verbais, incitações a violência física.
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“Esses comentários nada mais são do que a prova do que estamos tentando dizer. Somos agredidos pela nossa opção sexual”, comenta Fernando, que diz entender a reação e até achá-la normal na internet. “As pessoas são livres para expressarem o que quiserem, mas ao mesmo tempo é preocupante. Os direitos humanos estão sendo desrespeitados no país e nada está sendo feito de fato contra isso”, afirma.
Ser homofóbico virou normal
Para a secretária-geral da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), Irina Bacci, o que está havendo é um processo de legitimação de preconceitos pela sociedade brasileira. “Discursos contra as minorias têm se generalizado cada vez mais. As pessoas não se sentem constrangidas em falar o que pensam contra outras pessoas e ninguém é punido por incitar esses ódios. Tudo isso faz com que seja normal ser homofóbico”, diz.
Apesar dos comentários, Irina acredita que a internet precisa ser mantida como uma zona livre para que cada cidadão expresse suas opiniões. “A rede facilita inclusive que muitos homossexuais que precisam e buscam ajuda consigam encoontrá-la. Mas, por outro lado, o anonimato só facilita que esse cenário de preconceitos seja cristalizado”, diz. Para ela, a rede é um espelho da sociedade que expõe e dispersa os preconceitos reais. “A internet só revela a podridão da sociedade, que está de fato doente”, diz.
Por meio da assessoria de imprensa, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH) afirmou que agressões físicas e verbais contra a comunidade LGBT são entendidas como crimes que devem ser apurados e punidos. No entanto, ainda não existem leis que condenem quem pratica atos de homofobia.
Para a presidenta da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, deputada Manuela D’Ávila (PCdoB-RS), a tipificação da homofobia como crime é o próximo passo que o país tem que dar no sentido de coibir práticas de agressão contra grupos homossexuais. “A mesma intolerância que gera comentários absurdos e impregnados de preconceito contra o casal, gera conflitos religiosos, violência contra a mulher, o negro, o índio, o pobre, o diferente. Muitos comentários são feitos porque as pessoas acreditam na impunidade e no suposto anonimato da internet. Enquanto não tipificarmos a homofobia como crime, isso continuará acontecendo não apenas na internet, mas nas ruas, nas escolas, no ambiente de trabalho”, opina a deputada.
No ano passado, a SDH realizou uma campanha nacional contra a homofobia, denominada “Faça do Brasil um território livre de homofobia”. Firmou-se ainda parceria entre o Ministério da Justiça e secretarias estaduais de segurança pública para enfrentar conjuntamente o problema, incentivando inclusive a criação de unidades de polícia especializadas em crimes de ódio. Irina, porém, acredita que se tais ações pontuais não forem acompanhadas de políticas públicas efetivas, de nada servirão. “Precisamos de um marco legal, pois sem uma lei essas ações ficam como uma voz solitária no deserto”.
Religião e governo
No ano passado, o governo Dilma Rousseff vetou a distribuição de materiais do projeto Escola sem Homofobia, em que kits com cartilhas e vídeos para combater o bullying homofóbico seriam distribuídos em escolas da rede pública. O veto foi atribuído a pressões feitas pela bancada evangélica da Câmara dos Deputados. Na época, o grupo composto por 74 parlamentares ameaçou obstruir a pauta do Congresso, além de pressionar pela convocação do ex-ministro Antonio Palocci (Casa Civil) para prestar esclarecimentos sobre sua evolução patrimonial, motivo que o levou a ser demitido da pasta.
“Esse caso do kit é um dos que exemplificam a aproximação do governo com pautas de cunho religioso. O poder público está fazendo concessões a esses grupos e assim, acaba paralisado e não enfrenta esses casos”, acredita Irina.
Para o ex-sargento Fernando, a aproximação do Estado com grupos conservadores e fundamentalistas leva o poder público a ser condescendente com os casos de homofobia: “Aceitando a pressão desses que se dizem líderes, o governo acaba ficando sem ter como agir efetivamente”. Ele acrescenta que a falta de respostas do governo os fez procurar ajuda internacional. “Não confiamos mais no Estado brasileiro e não podemos contar com os órgãos brasileiros. Precisamos apelar para outros países, para não corrermos riscos aqui”, diz.
Para Irina, a percepção de Fernando está correta. “O fato de não tomar uma atitude, de não haver um pronunciamento da presidenta, por exemplo, legitima o preconceito. Essa pauta conservadora e religiosa acaba parecendo um projeto político de poder.”
Para os defensores das causas LGBT, a grande quantidade de igrejas com canais de televisão e rádios, além de outros meios de comunicação, contribui para a disseminação de discursos contrários às minorias. “Em parte, acredito que essas manifestações são fruto, também, de um discurso de representantes do Congresso que falam abertamente contra os direitos humanos, e principalmente, contra os homossexuais. Essas pessoas que se dizem líderes acabam influenciando a sociedade. Sempre que se fazem declarações preconceituosas, incitam o ódio e a violência contra nós”, argumenta Fernando.
A consequência disso, segundo Irina, é a falta de um debate amplo sobre o assunto. “Uma mentira repetida mil vezes acaba virando uma verdade. Por isso, essas falas generalizadas impedem uma mudança de cultura em prol da diversidade e do respeito aos direitos humanos”, diz.
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