Fábio Góis
A senadora Marina Silva (PT-AC) anunciou há pouco o envio de carta aberta ao presidente Lula por meio da qual pede o veto de três artigos da Medida Provisória 458/09, aprovada ontem (quarta,3) no plenário do Senado (leia). Em suma, a chamada MP da Amazônia simplifica o processo de regularização fundiária da Amazônia Legal, entre outros pontos permitindo à União a transferência de terras de sua propriedade, de até 1,5 mil hectares, a ocupantes da região, sem necessidade de licitação. A matéria seguiu para sanção presidencial porque os senadores não alteraram o texto que veio da Câmara.
“O maior problema da medida provisória são as brechas criadas para anistiar aqueles que cometeram o crime de apropriação de grandes extensões de terras públicas, e agora se beneficiam de políticas originalmente pensadas para atender apenas aqueles posseiros de boa-fé, cujos direitos são salvaguardados pela Constituição Federal”, diz trecho da carta da petista, já protocolada no Palácio do Planalto.
Ex-ministra do Meio Ambiente, Marina pedirá o veto de Lula a artigos que, em sua opinião, além de representar “um imenso retrocesso” nas legislações ambiental e fundiária, refletem a reafirmação de “privilégios e o execrável viés patrimonialista que não perde ocasião de tomar de assalto o bem público”. A senadora pede o veto aos incisos II e IV do artigo 2º, bem como aos artigos 7º e 13º. “Sinto-me no dever, como amazônida, e por lealdade ao presidente Lula, de enviar esta carta aberta pedindo para que ele possa vetar os artigos.”
O inciso II do artigo 2º define como ocupação indireta aquela que é exercida somente por pessoa interposta, o chamado preposto. Já o inciso IV define como exploração indireta a atividade econômica exercida em imóvel rural, por meio de preposto ou assalariado. “Essas formas de ocupação e exploração não devem ser beneficiadas com a regularização fundiária, pois não consideram os critérios de relevante interesse público e da função social da terra”, justifica Marina.
Já o artigo 7º estabelece a regularização de terras de até quinze módulos e não superior a 1.500 hectares, mediante processo licitatório que assegure ao ocupante legalmente reconhecido o direito de preferência, “com ocupação mansa e pacífica anterior a 1º de dezembro de 2004”. Para Marina, o artigo “amplia extraordinariamente as possibilidades de legalização de terras griladas”.
Por fim, a petista pede veto ao artigo 13º, segundo o qual “os requisitos para a regularização fundiárias dos imóveis de até quatro módulos fiscais serão averiguados por meio de declaração do ocupante, sujeita a responsabilização nas esferas penal, administrativa e civil, dispensada a vistoria prévia”. Na prática, o artigo faz com que as autoridades fundiárias prescindam do controle fundiário por meio da vistoria.
Para Marina, o Estado não pode abrir mão de um instrumento crucial para o controle ambiental e do processo de regularização fundiária. “A vistoria é fundamental para a identificação da ocupação direta, da utilização indevida de prepostos para ampliar os limites permitidos pelo projeto e, principalmente, da existência de situações de conflito na área a ser regularizada”, conclui a senadora.
Bancada ruralista
Ao final da sessão deliberativa da Câmara nesta quarta-feira (3), o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, deputado Valdir Colatto (PMDB-SC), apresentou à Mesa Diretora o projeto de lei que cria o Código Ambiental Brasileiro e revê a Política Nacional do Meio Ambiente.
“Ainda não tive a oportunidade de analisá-la [a proposta de Colatto], mas, em um olhar panorâmico, eles [bancada ruralista] estão fazendo algo que nunca imaginei pudessem ter a coragem”, disse Marina, para quem os parlamentares da frente querem, por meio do PL, a revogação da Lei de Crimes Ambientais, o Sistema Nacional de Unidades de Conservação e “tantas outras leis importantes feitas a duras penas” no Congresso com a Constituição de 1988.
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Protocolada com 45 assinaturas de adesão, a proposta na prática pretende revogar o Código Florestal vigente, e tem como principal objetivo dar poderes aos estados para que estes passem a leis ambientais específicas – o que é visto por parlamentares contrários à proposta, ambientalistas e setores da opinião pública como uma forma de atender a interesses políticos e comerciais em nível regional.
Voltando a criticar a ação “predatória e criminosa” de grileiros e seus cúmplices, Marina fez menção a militantes da causa ecológica que pagaram com a vida sua defesa do meio ambiente. “Temos anos e anos na Amazônia de pessoas que, como Chico Mendes, Padre Josimo [Tavares], Wilson Pinheiro, Irmã Dorothy, regaram o território da Amazônia com o próprio sangue, acreditando que um dia seria feita a separação do joio do trigo”, discursou.
Marina citou ainda informações da Comissão Pastoral da Terra, que produz relatórios sobre a violência na Amazônia movidas por conflitos fundiários. Segundo a pastoral, entre 1999 e 2008, foram registrados 5.384 conflitos envolvendo 2,7 milhões de pessoas; 253 assassinatos; 256 tentativas de homicídio e, atualmente, 1.377 pessoas estão ameaçadas de morte. “São pessoas que têm dedicado a sua vida à causa da Justiça, do direito e da proteção do patrimônio de todo o povo brasileiro”, disse Marina, para quem uma eventual sanção integral da MP fará tais pessoas ouvir “as gargalhadas daqueles que zombam” do esforço na luta contra a devastação ambiental.
Já sobre o embate entre o colega de partido e sucessor na pasta do Meio Ambiente, Carlos Minc, e a bancada ruralista no Congresso (leia aqui, aqui e aqui), Marina evitou dar declarações. Limitou-se a dizer que eles têm “estilos diferentes”, mas destacou que conhece Minc há 20 anos e que o ministro é “um ambientalista histórico”.
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