O presidente Michel Temer recebeu neste domingo (27) um apelo de seis ex-ministros do Meio Ambiente, de cinco governos diferentes, contra o loteamento político do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). O órgão é responsável, entre outras coisas, pela gestão e preservação dos parques nacionais do país.
No texto, os ministros revelam preocupação com a possibilidade de o ICMBio ser administrado, pela primeira vez, por uma pessoa sem qualquer vínculo com a área ambiental. E pedem ao presidente que escolha uma pessoa com trajetória ligada à defesa do meio ambiente sob o risco de “abrir vastas extensões de patrimônio da União ao esbulho”. “Em ano de eleição tais pressões se multiplicam. E a primeira barreira contra elas é um ICMBio íntegro e atuante”, defendem.
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Além de Marina Silva, que foi ministra de Lula e é pré-candidata a presidente da República, assinam o manifesto os ex-ministros Izabella Teixeira (Dilma), Carlos Minc (Lula), José Carlos Carvalho (Fernando Henrique Cardoso), Rubens Ricupero (Itamar Franco) e José Goldemberg (Fernando Collor de Mello).
Como mostrou o Congresso em Foco nesse sábado (27), a indicação de um dirigente partidário de 31 anos, formado em Ciência Política e sócio de uma distribuidora de bebidas para presidir o ICMBio deflagrou uma série de protestos de servidores da área ambiental. Dezenas de funcionários entregaram um manifesto, na última sexta-feira (25), ao secretário-executivo interino do Meio Ambiente, Romeu Mendes, contra a nomeação de Cairo Tavares, indicado pelo Pros.
Em troca de apoio no Congresso, o governo decidiu entregar o ICMBio ao partido, que sugeriu um nome que nunca exerceu qualquer função relacionada ao meio ambiente. Cairo se apresentou na última quinta-feira a diretores do órgão como novo presidente, conforme relato de funcionários. A nomeação, porém, ainda não foi publicada no Diário Oficial da União.
Funcionários do ICMBio têm interrompido o atendimento ao público nos principais parques nacionais do país para alertar a população sobre os riscos da entrega do órgão a um dirigente partidário sem experiência na área. O ICMBio cuida de 333 unidades de conservação que abrangem 9% do território e 24% do mar territorial do país.
A presidência do instituto está vaga desde o último dia 12, quando o oceanógrafo Ricardo Soavinski foi para a Sanepar, companhia de saneamento do Parará. Há menos de duas semanas os funcionários conseguiram derrubar a primeira indicação do Pros, o nome de Moacir Bicalho, vice-presidente da sigla. O instituto entrou na mira de dirigentes partidários apenas nos últimos meses. No início de maio, o Congresso concluiu a votação de uma medida provisória que prevê uma injeção de até R$ 1,4 bilhão aos cofres do instituto.
No documento dirigido a Temer, os ex-ministros alegam que a entrega do ICMBio a quem não tem qualificação para o órgão pode implicar inclusive perdas financeiras para o país. “Uma sucessão mal conduzida no instituto também seria ruim para a imagem internacional do Brasil. Nosso país, o mais biodiverso do mundo, tem tido papel protagonista em fóruns como a Convenção sobre Diversidade Biológica e a Convenção sobre Mudança do Clima. Graças a esse protagonismo, temos captado centenas de milhões de dólares, decorrentes de cooperação com outras nações e com organismos internacionais, para apoiar o governo brasileiro na implementação e na gestão de áreas protegidas.”
Veja a íntegra da carta:
“Brasília, 27 de maio de 2018
Excelentíssimo Senhor Presidente da República Federativa do Brasil Michel Miguel Elias Temer Lulia
cc. Sr. Carlos Marun, ministro-chefe da Secretaria de Governo
Ref.: Carta de ex-ministros do Meio Ambiente sobre a sucessão no Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
Exmo. Sr. Presidente da República,
Vimos manifestar nossa extrema preocupação com a indicação de nomes alheios à gestão socioambiental para ocupar a presidência do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
Em seus 12 anos de história, o ICMBio tem sido o esteio da bem-sucedida política de áreas protegidas do Brasil. A autarquia gere hoje 9% do território continental e 24% do território marinho nacionais, distribuídos em 333 unidades de conservação. O Instituto apoia ainda a implementação do maior programa de conservação de florestas tropicais no mundo, o Áreas Protegidas da Amazônia (ARPA). Essas áreas não apenas conservam o maior ativo de nosso país – a diversidade biológica, paisagística e cultural – como também são barreiras eficazes contra a grilagem de terras públicas e o desmatamento.
O ICMBio cuida desse patrimônio com recursos materiais e humanos escassos, amparado na dedicação e na competência de seus quadros. Jamais, nesses 12 anos, a presidência do Instituto foi ocupada por pessoas estranhas à agenda da conservação. Seria trágico se isso acontecesse agora.
Este é um momento, sr. Presidente, em que as áreas protegidas se encontram sob forte pressão de interesses privados. Tais interesses são em tudo desconectados dos da sociedade brasileira e do setor produtivo responsável. Eles se apresentam na forma de projetos de lei no Congresso Nacional e em Assembleias Legislativas estaduais que visam enfraquecer o Sistema Nacional de Unidades de Conservação, além de invasões patrocinadas pelo crime organizado. O objetivo é um só: abrir vastas extensões de patrimônio da União ao esbulho. Em ano de eleição tais pressões se multiplicam. E a primeira barreira contra elas é um ICMBio íntegro e atuante.
Uma sucessão mal conduzida no Instituto também seria ruim para a imagem internacional do Brasil. Nosso País, o mais biodiverso do mundo, tem tido papel protagonista em fóruns como a Convenção sobre Diversidade Biológica e a Convenção sobre Mudança do Clima. Graças a esse protagonismo, temos captado centenas de milhões de dólares, decorrentes de cooperação com outras nações e com organismos internacionais, para apoiar o governo brasileiro na implementação e na gestão de áreas protegidas. A execução desses recursos pelo ICMBio, com profissionalismo e competência, é condição para a manutenção desse apoio.
No seu governo, houve ações acertadas, como a criação das áreas marinhas protegidas de São Pedro e São Paulo e de Trindade e Martim Vaz, que fez o Brasil cumprir e ultrapassar uma das Metas de Aichi – a proteção de 10% de sua área marinha e costeira. A decorrência natural desse ato é oferecer ao ICMBio a capacidade de gestão, com competência técnica e conceitual. Isso é imprescindível para que a população reconheça e valorize a importância da existência de áreas protegidas como um patrimônio estratégico do País e de seu povo, um ativo fundamental para garantir a existência de um ambiente natural capaz de reproduzir as condições necessárias para a boa qualidade de vida de todos nós.
Sr. Presidente, esta carta é assinada por pessoas de linhas partidárias e posições políticas e ideológicas distintas. O que nos une é o entendimento de que proteção ambiental é uma política de Estado, indissociável das outras dimensões econômicas, sociais e culturais que compõem nossa identidade e nosso potencial de crescimento sustentável. O patrimônio natural do Brasil é maior do que qualquer partido ou governo. O ICMBio, instituição guardiã desse patrimônio, precisa ser apoiado, qualificado, valorizado, resguardado, pelo bem da sociedade. Seu presidente, caso não venha do próprio Instituto, deve ter conhecimento técnico, experiência e formação na área socioambiental.
Qualquer iniciativa orientada em sentido contrário há de ter perverso impacto sobre a gestão do Instituto e sobre o ânimo de seus quadros, com repercussões nacionais e internacionais negativas, dada a enorme expectativa que a comunidade das nações tem sobre o País. O Brasil, com sua enorme e diferenciada riqueza ambiental, é visto como liderança natural nessa área e, como todos sabemos, esse é um componente inseparável do papel que exercemos ou venhamos a exercer em âmbito global.
Respeitosamente,
Carlos Minc
Izabella Teixeira
José Carlos Carvalho
José Goldemberg
Marina Silva
Rubens Ricupero”