A senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP) fez um depoimento emocionado sobre a sua relação com os remédios à base de cannabidiol no Senado nesta quinta-feira (26) e, com isso, sensibilizou os colegas da Comissão de Direitos Humanos (CDH) a aprovar a sugestão legislativa que propõe a regulamentação do uso medicinal da cannabis e do cânhamo no Brasil. A sugestão, apresentada pela Rede Brasileira de Redução de Danos e Direitos Humanos (Reduc) com o apoio de familiares e pacientes que fazem uso desses medicamentos, agora será transformada em um projeto de lei que vai tramitar no Congresso. Veja o vídeo do depoimento de Mara abaixo.
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A senadora, que ficou tetraplégica ao quebrar o pescoço há 25 anos, usou a palavra por mais de dez minutos para revelar que teve muitos avanços em seu tratamento desde que começou a fazer uso medicinal da maconha. E admitiu: se consegue trabalhar hoje, é por conta dos remédios à base de THC. “Eu mexo muito pouco do pescoço para baixo, mas eu mexo muito mais do que eu já mexi um dia, porque eu era uma pessoa deitada, que respirava numa máquina, que não falava, que não sentava, que não sentia e que não se mexia. […] Sabe por que eu faltei tanto tempo aqui, fiquei de licença? Porque durante todo o período que fiquei sem ter o THC, eu desenvolvi uma epilepsia refratária”, revelou a senadora, dizendo que muitos outros pacientes convivem com crises epilépticas por conta da falta desse medicamento. Veja o depoimento completo:
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Emocionada, a senadora foi aplaudida por parlamentares e também por familiares e pacientes que querem fazer uso desse tipo de remédio e foram ao Senado para tentar sensibilizar os senadores em relação ao assunto. “O THC é tão fundamental para mim que quando ele entra no meu corpo é como tirar a dor com a mão, tirar o desconforto com a mão. Não é possível que a gente vai evitar que os brasileiros tenham mais saúde, tenham mais conforto, mais qualidade de vida. A gente, às vezes, tem que legislar um pouco com o coração”, pediu a senadora, lembrando que 40 países mundo afora já regulamentaram o uso medicinal da maconha, inclusive parceiros tecnológicos do Brasil como Israel. “A dor das pessoas de outros países é mais importante que a dor dos brasileiros?”, questionou.
Mara Gabrilli lembrou que, hoje, para fazer uso desses medicamentos, pacientes como ela precisam pedir autorização judicial e importar os remédios a preços altos. A sugestão legislativa que está em pauta no Senado poderá, portanto, amenizar essas dificuldades. Afinal, autoriza a pesquisa e a produção de remédios à base de cannabidiol no Brasil, barateando e difundindo o uso desses produtos a quem tiver autorização médica para usá-los. É importante ressaltar que a Anvisa vai regular e controlar a venda desses medicamentos, para evitar quaisquer contratempos, caso o projeto discutido pelos senadores de fato vire lei. “Hoje eu estou aqui para defender o direito das outras pessoas, porque eu tenho uma condição financeira que me permite comprar um remédio. O remédio que eu uso é aprovado pela Anvisa, tem 27% de THC e custa R$3 mil. Uma espirradinha do remédio – ele está aqui, eu posso mostrar para vocês – custa R$15. É pesado para eu bancar, que sou uma senadora da República. Agora imagina para o resto da população brasileira”, revelou Mara Gabrilli.
Como alguns senadores ainda se mostraram resistentes ao projeto, receosos de que o uso medicinal da maconha possa surtir efeitos negativos a alguns pacientes e até incentivar o tráfico de drogas, Mara Gabrilli resolveu, então, partir para o impacto econômico dessa questão. “Se a saúde das pessoas não emociona os parlamentares, então vamos falar de economia. Na Colômbia, foram criados 1,7 mil empregos. […] O mercado legal de cannabis é um dos segmentos da economia global que mais cresce. A taxa é de 22% ao ano. No Brasil, a estimativa de crescimento é de R$ 1,1 bilhão. Isso reverteu o desemprego na Flórida. E o desemprego é uma das maiores doenças do Brasil”, declarou a senadora, acrescendo que uma pesquisa encomendada pelo Senado mostra que três de cada quatro brasileiros apoiam o uso medicinal da maconha.
Mara Gabrilli ainda respondeu as críticas dos colegas que eram contra o projeto. Sobre os efeitos colaterais, ela disse que o uso dos remédios vai seguir a prescrição médica porque qualquer medicamento, não só os que são a base de maconha, têm um efeito diferente em cada pessoa. “Todo remédio tem efeito colateral. A morfina, o ópio, os antibióticos que a gente usa. E já é provado cientificamente que vale a pena usar [o cannabidiol]. A ciência já provou, a prova viva é nossa colega Mara. Ela usa e com isso ela vive. Não quer dizer que cura, mas leva uma vida com a qualidade de vida que merece”, reforçou a senadora Zenaida Maia (Pros-RN), que é médica.
Já os senadores Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Fabiano Contarato (Rede-ES), que eram delegados antes de entrar na vida política, rebateram a tese de que a regulamentação dos remédios à base de cannabidiol pode aumentar o tráfico de drogas. “Com a absoluta clareza e experiência de quem passou duas décadas combatendo o crime e prendendo traficante, posso dizer que regulamentar o remédio não tem absolutamente nenhum impacto no crime. É um remédio, que vai ser vendido, produzido, tratado e fiscalizado como um remédio. Não vai mudar a vida do traficante, nem do usuário. Vai mudar a vida de vítimas de doença que precisam do tratamento”, disse Vieira, que é relator da sugestão legislativa sobre o uso medicinal da maconha.
“Nós não seríamos irresponsáveis de autorizar o plantio. O que está sendo debatido aqui é sobre as famílias que precisam dessa medicação, que é cara”, acrescentou Contarato, reforçando que o que estava sendo discutido era uma sugestão legislativa, que só agora vai tramitar como um projeto de lei no Congresso e, por isso, ainda pode ser alterado e até rejeitado pelos parlamentares. Vieira concordou e disse que o Senado não podia continuar postergando essa discussão. Afinal, esta sugestão legislativa já aguarda deliberação há três anos na Casa – tempo em que o uso medicinal da maconha poderia ter melhorado a qualidade de vida de muitos brasileiros. “A gente precisa de mais amor e menos preconceito. A gente não tem o direito de manter a dor do brasileiro. Não estamos falando de droga ou entorpecente para se divertir”, concluiu Mara.
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O depoimento dos senadores fez, então, com que a maior parte da Comissão de Direitos Humanos do Senado se sensibilizasse com a questão. O projeto, que estava prestes a sair de pauta, acabou, então, sendo aprovado com apenas um voto contrário. Só o senador Eduardo Girão (Podemos-CE) votou contra. Defensor do combate às drogas, ele defende um projeto que libere o uso medicinal de apenas um dos compostos da cannabis e não todos eles, como este projeto. “Mas se aprovarmos o seu projeto, aprovando só o cannabidiol, o medicamento que eu tomo vai ser proibido. Vai fazer com que eu perca minha força laboral. E alguém aqui já viu eu alucinando em algum canto do Congresso por conta disso? Alguém aqui já viu eu falando besteira? Alguém tem algum senão quanto a minha dedicação e seriedade no trabalho?”, rebateu Mara Gabrilli, convencendo o restante da comissão em torno da importância do assunto.
Com o parecer aprovado na CDH, a sugestão legislativa que pede a regulamentação do uso medicional da cannabis agora será apresentado à Mesa do Senado para começar a tramitar como um projeto de lei. O assunto será novamente discutido em comissões e possivelmente até no plenário do Senado. Depois disso, ainda será encaminhado à Câmara. Só se for aprovado nas duas casas segue para sanção presidencial.