Lúcio Lambranho
Para conseguir os R$ 6,6 bilhões pedidos por parlamentares do governo e da oposição, recorde entre todas as emendas apresentadas ao orçamento de 2008, o Ministério do Turismo (MTur) convenceu deputados e senadores a ignorarem as novas regras para a tramitação da proposta orçamentária, aprovadas ainda no final de 2006.
Os “alvos” dos assessores da ministra Marta Suplicy foram os presidentes de comissões temáticas da Câmara e do Senado, que não têm atuação direta na área turística.
A Resolução nº 1 de 2006, de autoria do deputado Ricardo Barros (PP-PR), restringiu os ministérios para os quais as comissões permanentes do Congresso poderiam propor emendas. Mas a regra não resistiu às promessas de empenho (pagamento das emendas) e destino eleitoral do novo programa da pasta, batizado de Turismo Social no Brasil.
O caso mais emblemático é o da Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público da Câmara. Comandado pelo PTB do deputado Nelson Marquezelli (SP), o colegiado pediu uma emenda de R$ 300 milhões para o Turismo Social no Brasil, que tem o slogan “Uma viagem pela inclusão”. Pela resolução, a comissão só poderia emendar para os ministérios do Trabalho, da Previdência Social e do Planejamento.
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Dois técnicos da Comissão Mista de Orçamento (CMO) confirmaram ao Congresso em Foco que a emenda, além de romper com a resolução nº 1, teria como destino redutos eleitorais de parlamentares do PTB.
Evidências e dissimulação
Pelo menos duas evidências mostram que a Comissão de Trabalho tentou dissimular o pedido dessa emenda para que ela não fosse cancelada pelo Comitê de Admissibilidade da CMO, criado justamente para que a resolução fosse cumprida. A manobra contou com apoio de integrantes da Comissão de Orçamento.
A primeira evidência é que essa emenda foi inicialmente proposta pelo Ministério do Ambiente (MME) – e ainda está registrada nos sistemas da CMO como tal. O destino seria um programa de sustentabilidade ambiental no turismo. Mas, por ofício, o que também não é permitido pelas novas regras, e após o prazo final para a entrega das emendas, a comissão da Câmara pediu para reverter a emenda para o MTur.
Além disso, o relatório do Comitê de Admissibilidade sequer citou a emenda entre outras flagradas em “conflito aparente de atribuições”. O site tentou contato com o coordenador do comitê, deputado Zé Gerardo (PMDB-CE), mas não teve retorno até o fechamento desta edição. Segundo a assessoria do peemedebista, Gerardo estava fazendo exames médicos em São Paulo.
Vinculação negada
“Eu desconheço qualquer vinculação política com essa emenda da Comissão de Trabalho. O deputado Marquezelli não falou comigo sobre essa emenda”, disse ao site o deputado Alex Canziani (PTB-PR), também integrante do Comitê de Admissibilidade.
Segundo o paranaense, que também integra a Comissão de Turismo da Câmara, o comitê preferiu admitir as emendas porque elas têm relação com a pasta de Marta Suplicy mesmo não sendo abrigadas pela resolução. “A resolução ainda precisa de ajustes”, defendeu o deputado. “A ministra jamais pediu qualquer coisa ao PTB”, afirma Canziani.
Mais emendas
Aprovado com a presença de apenas quatro parlamentares na sexta-feira (16), um dia depois do feriado da proclamação da República, o relatório assinado por seis deputados e três senadores também liberou outras três emendas do MTur, pedidas pela Comissão de Infra-Estrutura do Senado, e outra pela Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio da Câmara.
De acordo com a Resolução nº 1, a Comissão de Infra-Estrutura, presidida pelo senador Marconi Perillo (PSDB-GO), só poderia propor emendas para os ministérios dos Transportes, da Integração Nacional e de Minas e Energia (leia mais).
Vida curta
Marquezelli e Marconi têm justificativas semelhantes para as emendas propostas fora de suas áreas de atuação e que contrariam a resolução. Ambos falam de uma “zona cinzenta” – áreas, segundo eles, com superposição de atuação das comissões permanentes.
O deputado do PTB argumenta que a emenda é para qualificação de mão-de-obra no Turismo. Já o senador tucano diz que as duas emendas são para infra-estrutura turística. A rigor, no primeiro caso, a emenda deveria remeter mais recursos para o Ministério do Trabalho, responsável pela qualificação profissional no governo e, no segundo, aumentar o caixa para obras do Ministério dos Transportes.
Apesar de negar que a emenda atenderá a interesses eleitorais dos deputados do seu partido, Marquezelli admitiu que vai pedir que o programa do Ministério do Turismo também leve recursos para o seu estado, São Paulo.
Mas, mesmo com essa pretensão política, o presidente da Comissão de Trabalho diz que a emenda pretende ajudar os estados do Nordeste na qualificação dos trabalhadores do setor turístico. “O Nordeste tem excelentes cozinheiras, mas que não sabem falar uma palavra de inglês. A emenda é mais do que justa e essa resolução do Ricardo [Barros] terá vida curta”, prevê o petebista.
Lobby pelas “rachadinhas”
A Resolução nº 1 tem sido contestada com veemência por parlamentares, que querem revogá-la porque ela veda as chamadas emendas “rachadinhas”. No caso das comissões, as regras pretendiam acabar com a barganha política, entre os ministros e os “caciques” das comissões nas duas casas legislativas.
O objetivo da resolução era garantir uma aplicação mais efetiva dos recursos, definindo critérios técnicos para que todas as áreas fossem cobertas por emendas de comissões.
Comum entre as bancadas estaduais, as emendas “rachadinhas”, que deveriam ser utilizadas para obras estruturantes no estados, eram sempre divididas entre parlamentares. Dessa forma, principalmente nas bancadas mais numerosas, funcionavam como um reforço das emendas individuais.
Barganha política
Era comum, até o orçamento anterior, a apresentação de emendas por parte de presidentes de comissões temáticas para áreas fora de sua atuação. Beneficiados com um número maior de emendas, os ministérios retribuíam a gentileza dos parlamentares, destinando recursos para a base eleitoral dos presidentes dos colegiados, autores do pedido orçamentário.
Com isso, os ministérios ampliavam o seu poder de barganha, principalmente no caso do Turismo, cujo valor reservado pelo governo federal sempre foi relegado ao último lugar entre as prioridades de aplicação de recursos. Como um número maior de emendas, individuais, de bancada ou de comissões, o MTur aumentava as suas chances de negociação com a equipe econômica do governo.
Para o autor da resolução, deputado Ricardo Barros, a intenção da norma era justamente coibir a barganha política de emendas – apresentadas, de acordo com ele, com “finalidades muito diversas”.
“Se alguém contestar essas emendas, elas caem. Não o faço porque, se eu ficar defendendo a resolução, podem ser abertas novas arestas. Há um forte lobby para mudar as regras da resolução”, disse o deputado do PP a este site.
Turismo e orçamento
Procurado pelo Congresso em Foco, o MTur alega que as quatro emendas citadas pela reportagem são “pertinentes de cada comissão”. “Assim, o Comitê acatou a argumentação do MTur e levou a questão para discussão pela própria Comissão Mista de Orçamento, que depois de discutir o tema votou e aprovou a admissibilidade das emendas para cada comissão”, diz o comunicado (leia a íntegra da nota).
Esta não é a primeira vez que questões orçamentárias envolvendo o MTur causam controvérsia. Como já revelou com exclusividade o Congresso em Foco (leia mais) em maio deste ano, o ex-ministro do Turismo Walfrido dos Mares Guia (PTB-MG) transferiu, de forma irregular, mais de R$ 24 milhões a entidades privadas sem fins lucrativos, igrejas e sindicatos rurais entre 2003 e 2006.
Após a publicação da reportagem, o Tribunal de Contas da União (TCU) determinou que o ministério, já sob a gestão petista de Marta Suplicy, reformulasse os convênios.
À margem da LDO
Os 52 convênios firmados pelo Ministério do Turismo nesse período serviram, principalmente, para a construção e a ampliação de sedes e obras físicas das entidades, o que é proibido pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).
Ainda na gestão de Walfrido, de 2003 e 2004, o orçamento de Turismo era quase inexpressivo. No primeiro ano, por exemplo, estava prevista a destinação de R$ 377,8 milhões para a pasta. Mas apenas R$ 121 milhões foram realmente aplicados. No ano seguinte, o orçamento subiu para R$ 531,7 milhões. Novamente a execução foi baixa, com apenas R$ 299,6 milhões pagos. Em 2005, contudo, o orçamento do ministério pulou para R$ 1 bilhão, a maior parte capitaneada por emendas dos congressistas.
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