Uma ilegal e arriscada manobra ocorrida no apagar das luzes do ano legislativo passado promete provocar fortes dores de cabeça ao governo agora,quando 2012 de fato engrena no Congresso passado o Carnaval. Para garantir as condições políticas para a aprovação do atual orçamento, um acordo envolvendo R$ 150 milhões de acréscimo ao orçamento de 2011 foi travado nas últimas horas do ano legislativo.
A manobra foi ilegal porque, entre outros motivos, destinou recursos para transportes num projeto de agricultura e porque criou despesas novas sem previsão orçamentária. E foi arriscada porque ela não foi previamente combinada com o Poder Executivo. Resultado: a presidenta Dilma Rousseff vetou integralmente o acréscimo, e deixou os parlamentares que seriam beneficiados pelo acordo de mãos abanando. Diante do rolo formado, Gilmar disse ao Congresso em Foco que conversará pessoalmente com cada parlamentar envolvido para esclarecer o problema e não alimentar futuras rebeldias na base.
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Prestes a se esgotar o prazo para votar o orçamento, dez deputados e o presidente da comissão de orçamento, senador Vital do Rêgo (PMDB-PB), multiplicaram por 67 o valor de um projeto de crédito suplementar para agricultura. Colocaram nele 17 emendas para obras rodoviárias e ferroviárias em suas bases eleitorais. Assim, eles elevaram a dotação inicial da proposta de R$ 2,2 milhões para R$ 151,9 milhões. Às vésperas das campanhas para as eleições municipais deste ano, obras patrocinadas por parlamentares são um forte argumento político em favor das candidaturas próprias ou de aliados país afora.
Efeito Paulinho
Para entender como a manobra ilegal foi construída, é preciso voltar ao que acontecia no final da tarde do dia 22 de dezembro de 2011. Naquele momento, o deputado Paulinho da Força (PDT-SP) estava prestes a derrubar a votação do orçamento. Paulinho protestava contra o fato de não estar incluída no orçamento uma proposta de reajuste para os aposentados. Para tentar uma solução para o problema, a sessão foi interrompida para que se buscasse um acordo. Quando a sessão retornou, Paulinho recuou e permitiu a votação do orçamento.
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Ocorre, porém, que Paulinho não era o único descontente. Na mesma sessão em que se votava o orçamento de 2012, discutia-se também a aprovação de créditos suplementares ao orçamento do ano passado. E deputados pressionavam o governo para conseguir incluir dotações de seu interesse entre os créditos extraordinários analisados. Do contrário, ameaçavam pegar carona na ação de Paulinho e engrossar o movimento para derrubar a sessão. No intervalo, os líderes governistas trataram, então, de convencer Paulinho de permitir, pelo menos, que os créditos extraordinários fossem votados antes que ele inviabilizasse a continuação da sessão. Assim, ainda que não ficasse aprovado o orçamento de 2012, eles pelo menos garantiriam as dotações extras que pretendiam para o orçamento do ano passado que, àquela altura, só seriam pagas mesmo este ano. Paulinho concordou.
Assim, quando a sessão recomeçou, foram votados os créditos extraordinários contidos no PLN 12/11, que recebeu naqueles instantes finais um conjunto de emendas que já haviam sido rejeitadas em outro projeto uma semana antes. Foram essas emendas que engrossaram ilegalmente o projeto.
Quando Paulinho recuou da intenção de impedir a votação do orçamento, atendidos os interesses dos outros deputados, abriu-se, então, o caminho para a sua aprovação.
“Dor de cabeça”
Tudo certo para os deputados que ganharam R$ 151 milhões. Tudo certo para Paulinho. Nada certo, porém, para os técnicos e para a presidenta. Uma nota técnica da Comissão de Orçamento da Câmara alertou para a ilegalidade da manobra acertada entre Gilmar Machado e os deputados. Em janeiro, Dilma vetou, então, o acerto na íntegra. Como o ano no Congresso de fato só começa depois do Carnaval, só agora, informados do veto pelo Congresso em Foco, os deputados envolvidos na história vislumbram problemas.
“Dor de cabeça à vista”, resumiu a vice-presidenta do Congresso, Rose de Freitas (PMDB-ES), assim que encerrou telefonema para Gilmar Machado na noite de quarta-feira (29) para esclarecer o assunto. Era Rose quem presidia a sessão de 22 de dezembro e se surpreendeu com as notícias do veto e do questionamento legal. Ela afirmou que nunca deixaria passar uma matéria se soubesse que ela estava à margem da lei.
Ela disse que houve um acordo acertado para votação dos créditos da maneira como são feitos, inclusive, com representantes do governo, o que incluiria a ministra das Relações Institucionais, Ideli Salvatti. “Tudo passa pelo governo”, assevera Rose. “O problema é que eles fizeram esse acordo e descumpriram. Vai dar um problema do tamanho de um bonde”, avaliou.
Para o deputado Jaime Martins (PR-MG), vai dar problema mesmo. Ele perdeu R$ 31 milhões distribuídos em cinco emendas, e considera que o governo não cumpriu o acordo feito. “O Executivo tem um poder exacerbado. Precisamos do orçamento impositivo, né?”, desabafou. Já o líder do DEM no Congresso, deputado Cláudio Cajado (BA) garante que não houve “negociata” entre os colegas, mas reclamou do veto de Dilma às modificações numa ferrovia que propôs, por fazerem parte de um conjunto de obras já tocadas pelo próprio governo.
“Depois a gente resolvia”
Fiador do acordo, Gilmar Machado isenta o Poder Executivo de responsabilidade. Ele disse que Ideli e os Ministérios da Fazenda e do Planejamento não participaram do acerto, costurado por ele com os parlamentares interessados nas emendas a fim de garantir a votação do próprio orçamento. Ele admite, porém, que a medida era ilegal e diz ter avisado a todos os colegas dos riscos que corriam.
Apesar de parlamentares como Cajado e João Paulo Cunha (PT-SP) dizerem que sequer acertaram os termos das emendas com Machado, o vice-líder disse que não vendeu o que não poderia entregar. O prazo das emendas já havia se esgotado e ele alertou a todos. “Mas eles disseram: ‘Nós vamos tentar e depois tentar negociar com o governo uma forma de atender’”, contou ele ao Congresso em Foco, por telefone, na volta de uma missão oficial na Espanha.
“Áquela altura, a única saída foi pegar as emendas que eles tinham apresentado no 48 [projeto anterior] e trazer”, justifica Machado. O vice-líder do governo justifica porque insistiu num acordo em que ele já antevia problemas. “O problema é que nós tínhamos que aprovar o orçamento. A tese era essa. E os créditos depois, se desse, a gente resolvia.”
Paulinho da Força confirma que havia “um monte” de parlamentares que queriam melar a votação do orçamento se não tivessem suas emendas incluídas nos projetos de crédito. “Em orçamento, a negociação é muito alta”, comentou ele.
Houve uma “negociata”? Machado responde: “Todo mundo lá sabe dos problemas e todo mundo que conhece o orçamento e que estava lá nos últimos dias sabe como funciona”. Depois, ele completa: “Por isso, não teve negociata”. Em missão no exterior, Machado disse que, assim que chegar o Brasil, a partir desta quinta-feira (2), vai aparar as arestas com os colegas que propuseram as emendas, mas ficaram sem elas. “Eu vou me acertar com todos eles”, garantiu o vice-líder do governo.
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Matéria atualizada no dia 2 de março, às 15h15