Fábio Góis
A decisão do ex-candidato do PSC ao governo do Distrito Federal, Joaquim Roriz, de repassar à própria esposa sua candidatura foi apontada por juristas ouvidos pelo Congresso em Foco como manobra eleitoral. Depois de se ver ameaçado de impugnação depois do empate no Supremo Tribunal Federal (STF), quando cinco ministros negaram ontem (23) seu recurso para disputar as eleições, Roriz convocou a imprensa e anunciou sua desistência na manhã desta sexta-feira (24).
Presidente da Associação Brasileira de Magistrados e Procuradores Eleitorais (Abrampe), o juiz eleitoral licenciado Marlon Reis acredita que os advogados de Roriz agiram observando a possibilidade de nova derrota no STF – antes do julgamento no Supremo, Roriz teve a candidatura barrada no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e no Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal (TRE-DF).
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“Pode ser um indicativo de que os advogados do ex-governador estejam considerando que a decisão final do Supremo seja mesmo no sentido do desejado pela sociedade brasileira”, disse Marlon ao Congresso em Foco, depois de entrevista coletiva concedida hoje por membros do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) e da Comissão Brasileira Justiça e Paz (CBJP), organismo da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). O evento foi realizado no prédio da CNBB em Brasília, e serviu como uma primeira resposta das entidades sobre a questão da Ficha Limpa e, no calor dos acontecimentos, sobre o caso Roriz (confira nota abaixo).
Marlon não considera o arquivamento do recurso de Roriz o melhor caminho para o impasse. O juiz diz considerar mais adequado que o Supremo, “reconhecendo a repercussão geral que ele próprio atribuiu àquele julgamento, dê continuidade, um pronunciamento sobre algo que falta. Até para que se possa garantir a devida segurança jurídica”.
“Nós conhecemos os votos, o que falta apenas é decidir a conseqüência desse julgamento. Mas Só falta a proclamação do resultado, a renúncia veio depois”, acrescentou o juiz eleitoral, para quem o STF deve evitar “uma eventual frustração da sociedade pela mora nessa decisão final”.
“Para nós, prevalece a Lei da Ficha Limpa. Só é possível infirmar a validade de uma lei com a maioria do tribunal. Se houve um empate, não se tomou decisão. E, se não se tomou decisão, existe o princípio da presunção de constitucionalidade, que só é derrubado pela maioria dos membros de um tribunal – é o que diz expressamente o artigo 97 da Constituição”, destacou Marlon, acrescentando que as demais candidaturas impugnadas passarão pelo crivo do julgamento dos recursos, ainda que depois das eleições.
“Aqueles que continuam afrontando o texto da Lei e mantendo suas candidaturas já sabiam que correriam o risco de isso acontecer. Os advogados estão devidamente assessorados e estão arriscando, são candidatos por sua conta e risco. Aliás, é nesse sentido o artigo 16 da Lei 9.504: participam por sua conta e risco”, enfatizou juiz.
A barra pesou
Opinião semelhante tem o jurista e ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil Marcelo Lavanère. Apesar de acreditar que o STF deva retomar o julgamento na próxima segunda-feira (27), de maneira a por um fim ao impasse, Marcelo considera a hipótese de que o Supremo arquive o recurso de Roriz.
“Eles [os advogados de defesa] estão convencidos de que não conseguiram êxito junto ao STF. Então, para evitar que oficialmente saísse uma decisão formal daquela corte, resolveram desistir da candidatura de última hora”, disse o jurista à reportagem, acrescentando que a manobra do grupo de Roriz é uma resposta às dificuldades impostas pela Lei da Ficha Limpa à candidatura do ex-governador.
“Como o partido do ex-candidato Joaquim Roriz já tinha problemas, agora eles estão com dificuldades naturais. É uma tentativa de fugir das restrições que encontraram na Justiça, sinalizadas pelo Supremo”, emendou Marcelo, para quem o STF deve julgar, caso a caso, os recursos interpostos na corte pelas demais candidaturas impugnadas.
Segundo o jurista, os candidatos alcançados pela Lei da Ficha Limpa já dão sinais de rendição – ele disse ter recebido notícias de que quatro candidatos a deputado federal em Alagoas, e outros tantos pelo Nordeste, já renunciaram depois do empate no STF, com receio dos efeitos da lei de iniciativa popular ratificada pelo Legislativo e pelo TSE. “Eles estão vendo que a barra vai pesar para eles”, declarou Marcelo, que considera “frustrante para todo mundo” a atuação do STF no caso Roriz.
“Essa falta de publicação do resultado deixou todo mundo insatisfeito. O próprio recorrente [Roriz] não deve ter ficado satisfeito com o julgamento, tanto é que retirou a própria candidatura. Aliás, insatisfeito é pouco. O sentimento de todos é de frustração, de decepção. Lamentável”, concluiu o jurista.
Cinco a cinco
O empate de ontem no STF causou um impasse em relação à aplicação da Lei da Ficha Limpa. A exemplo de Roriz, centenas de candidatos Brasil afora tiveram suas candidaturas impugnadas, e agora esperam um pronunciamento mais enfático da corte sobre a questão.
Votaram a favor do recurso de Roriz os ministros Gilmar Mendes, Celso de Mello, Marco Aurélio Mello, Cezar Peluso (presidente do STF) e José Antônio Dias Toffoli. Decisão contrária (ou seja, pela aplicação da Lei da Ficha Limpa para Roriz) foi proferida por Carlos Ayres Britto (relator da matéria), Ellen Gracie, Carmen Lúcia, Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski.
Confira a nota do MCCE:
“Nota pública
O Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), rede composta por 47 organizações da sociedade civil brasileira, responsável pela campanha que culminou com a aprovação da Lei Complementar nº 135/2010 (Lei da Ficha Limpa), a propósito do julgamento do Recurso Extraordinário interposto por Joaquim Roriz, vem a público esclarecer o seguinte:
1. Por consequência do disposto no artigo 97 da Constituição e na Súmula Vinculante nº 10 do STF, é impossível a inobservância de uma lei, no que se inclui a sua eficácia, sem que a sua inconstitucionalidade seja declarada pela maioria absoluta dos membros do tribunal;
2. A Lei da Ficha Limpa foi editada para ser aplicada imediatamente, tanto que para isso conta com um artigo 3º, no qual se institui mecanismo para permitir sua aplicação já a este pleito, autorizando o aditamento dos recursos, a fim de amoldá-los aos termos da lei de iniciativa popular;
3. O Supremo Tribunal Federal ao apreciar o referido recurso, não atingiu a maioria necessária à declaração de inconstitucionalidade. Sendo assim, pela presunção constitucional da validade das leis, a Lei da Ficha Limpa deve ter aplicação já neste pleito;
4. O movimento deposita a sua confiança no Supremo Tribunal Federal, ciente da sua autoridade de intérprete mais elevado da Constituição, certo de que, na primeira oportunidade, a Corte reconhecerá formalmente a constitucionalidade e a eficácia imediata da Lei da Ficha Limpa.
Brasília, 24 de setembro de 2010.”
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