Eduardo Militão
O governo manobra para barrar o reajuste dos aposentados atrelado ao salário mínimo, previsto em proposta que tramita no Congresso. Na semana passada, um “cochilo” da base fez a Comissão Especial do PL 1/07, da Câmara, aprovar a vinculação em meio às votações da Contribuição Social para a Saúde (CSS).
No mesmo dia, o vice-líder do governo no Congresso, Gilmar Machado (PT-MG), entrou com uma reclamação – mais conhecida pelos parlamentares como questão de ordem – questionando a aprovação do projeto na comissão especial. O deputado alega que a proposta tem de ser reexaminada pelos integrantes do colegiado porque a votação se deu durante a ordem do dia (período reservado para as votações em plenário), o que é proibido pelo regimento.
O presidente da comissão especial, Júlio Delgado (PSB-MG), acredita que a Mesa da Câmara se pronuncie sobre o assunto ainda hoje (17). Se a reclamação de Machado for rejeitada, o projeto seguirá diretamente para o plenário da Casa. Se for acolhida pelo presidente Arlindo Chinaglia (PT-SP), volta para ser votada no colegiado.
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A emenda aprovada na comissão é polêmica. Vinda do Senado, ela dá aos aposentados que ganham mais de um salário mínimo o mesmo aumento concedido aos que recebem apenas um salário (hoje R$ 415). Nos últimos anos, os aumentos do mínimo têm sido sempre maiores que a inflação. O PL 1/07 fixa esses aumentos no valor da inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) mais a variação do Produto Interno Bruto (PIB)
Com isso, o poder de compra dos mais pobres aumentou. Por outro lado, a remuneração de quem ganha mais que um salário acabou ficando menor em relação aos outros beneficiados. “Tem gente que aposentou com quatro salários mínimos e hoje recebe menos que três”, lembra Delgado.
Dos 25,3 milhões de aposentados, pensionistas e beneficiários da Previdência, 8,5 milhões recebem mais de um salário mínimo e – sem a emenda – estão fora da política de aumentos acima da inflação promovida pelo governo. O senador Paulo Paim (PT-RS) avalia que, com a emenda, essas pessoas serão beneficiadas com um impacto de R$ 3,5 bilhões no orçamento. O Ministério da Previdência não divulga valores sobre o tema.
Horários
Na quarta-feira passada, a comissão especial começou a sessão por volta de 15h, segundo Delgado. Como o relator da proposta, Roberto Santiago (PV-SP), estava ausente, o presidente do colegiado destacou Edgard Moury (PMDB-PE) para substituir o parlamentar paulista. O deputado pernambucano votou favoravelmente ao atrelamento dos reajustes entre os aposentados e o mínimo.
Segundo Delgado, a comissão foi interrompida por conta das sessões extraordinárias no plenário que analisavam a CSS. Depois, o Plenário suspendeu temporariamente a ordem do dia. Com isso, o colegiado retomou os trabalhos às 19h20 e a votação foi feita. A aprovação foi simbólica, ou seja, não nominal. Delgado diz que tudo acabou às 19h35, bem antes da volta da ordem do dia, por volta das 20h.
Depois do “cochilo” governista, Gilmar Machado foi ao plenário reclamar com o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia. “Senhor presidente, quero que Vossa Excelência pudesse […] Que a comissão estava reunida e votou esse relatório. Então eu gostaria que pudesse tornar sem efeito”, falou o vice-líder do governo, segundo as notas taquigráficas da sessão plenária daquela noite.
Chinaglia acolheu, num primeiro momento, a questão de ordem de Machado e prometeu responder “oportunamente” ao colega petista. A assessoria de Chinaglia informou que a resposta sai ainda esta semana.
Medo
Delgado entende que parte da base aliada teme o desgaste de ter que rejeitar, a pedido do Planalto, um reajuste maior para os aposentados. “Na verdade, eles estão com medo de botar essa matéria para votar no plenário.”
A criação de mais um tributo, a CSS, em pleno ano eleitoral também pesa, na visão do deputado. “Depois do desgaste da CSS, o fato de pedir a questão de ordem e anular a sessão… talvez essa questão de ordem seja para inviabilizar que não se faça essa votação em plenário”, avalia.
“Quem não quer votar que bote a cara”, desafia Delgado, que não esconde sua defesa pelo aumento maior para os aposentados que ganham mais que R$ 415. Ele lembra que os cerca de 15 milhões de beneficiários do Bolsa Família terão um aumento de 18%. Logo, defende, seria justo conceder reajustes maiores para todos os aposentados.
O secretário geral da Mesa, Mozart Vianna, disse que o assunto está sendo analisado, mas, por enquanto, não viu nenhuma ilegalidade na decisão da comissão. “Estamos avaliando, aparentemente não”, informou ele ao Congresso em Foco na noite de ontem (16). Ele acredita que hoje ou amanhã a Secretaria Geral dê um parecer sobre o assunto e o presidente Chinaglia possa se manifestar.
O vice-líder do governo foi procurado em seus celulares e gabinetes. Sua assessoria informou que Gilmar Machado teve que tratar de problemas de saúde na família.