Época
Protógenes Queiroz – “Foi uma vitória das instituições”
Protógenes Queiroz recebeu com satisfação a condenação, em primeira instância, do banqueiro Daniel Dantas. Dantas foi condenado a dez anos de prisão e ao pagamento de uma multa de R$ 13 milhões num processo de corrupção. Para Protógenes, a decisão do juiz Fausto De Sanctis, anunciada na semana passada, é a prova de que seu trabalho foi bem-feito. Depois de ser acusado de grampear ilegalmente o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, Protógenes comemorou outra boa notícia. A sentença apontou para a presença de um aliado de Dantas no comando da segurança do tribunal. Isso lança mais dúvidas sobre a autoria de um grampo cujo áudio nunca apareceu. Um dia após o anúncio da sentença, Protógenes foi entrevistado por ÉPOCA no Rio de Janeiro.
ÉPOCA – O senhor comemorou a condenação de Daniel Dantas?
Protógenes Queiroz – A condenação de Daniel Dantas é uma vitória do povo brasileiro e das instituições do país. Trata-se de um bandido perigoso, e isso está demonstrado no conflito institucional que se instalou no Brasil a partir da Operação Satiagraha. Houve todo um trabalho para desqualificar as pessoas que o investigaram e participaram da ação penal.
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ÉPOCA – Seus críticos o classificam como justiceiro.
Protógenes – Isso aí foi uma expressão construída por quem está comprometido com outros valores. Não fizemos nada de errado. Foi tudo dentro da lei.
ÉPOCA – O senhor grampeou o presidente do Supremo, Gilmar Mendes?
Protógenes – De maneira nenhuma. Isso eu posso lhe afirmar.
ÉPOCA – A que o senhor atribui essa acusação?
Protógenes – O objetivo foi atingir diretamente o doutor Paulo Lacerda, que foi afastado prematuramente de suas funções na Abin, e fabricar mais um escândalo para tentar tirar o foco do investigado Daniel Dantas. O centro dessa investigação era Daniel Dantas. E, depois disso, ele deixou de ser o centro. Quem passou a ser o centro foram o juiz, o procurador, o senador, o presidente do Supremo, o diretor-geral da Abin, o diretor-geral da PF. De Daniel Dantas não se falou mais. Foi uma operação montada para privilegiar o banqueiro.
ÉPOCA – O senhor tem projetos políticos?
Protógenes – Recebi vários convites, de vários órgãos. Não aceitei. Gosto de investigar, e só posso fazer isso como delegado de polícia.
ÉPOCA – E sua relação com o PSOL, que tem promovido atos em sua defesa?
Protógenes – Ninguém desse partido me fez proposta de me filiar ou de me comprometer ideologicamente.
ÉPOCA – Não lhe constrange, como delegado, aparecer ao lado de políticos?
Protógenes – De maneira nenhuma. Até porque não são atos políticos. São convites de instituições. O que eu falo nesses eventos é de natureza técnica.
ÉPOCA – O senhor se considera perseguido?
Protógenes – Não me considero perseguido. Só não entendi ainda, de maneira institucional, o porquê de sucessivas investigações contra mim após a operação. Isso nunca houve na PF. Nenhum delegado sofreu, depois de uma grande operação, dois inquéritos e procedimentos disciplinares.
ÉPOCA – Como o senhor se define?
Protógenes – Eu só temo a Deus. Não tenho medo de nada. Nem da morte.
A dura volta para casa
No dia em que saiu de casa, deixando tudo para trás, a técnica em enfermagem Irene Barcelos, de 36 anos, precisou enfrentar uma enxurrada para sobreviver. Ela escapou praticamente a nado, com a água alcançando sua cintura. Foi uma história parecida com a de 79 mil pessoas, surpreendidas pela maior catástrofe natural da história de Santa Catarina – que, segundo a contagem de sexta-feira, deixou 119 mortos e 31 oficialmente desaparecidos. A maior parte das pessoas expulsas pelas águas começou a voltar para casa. O que encontram, em geral, é um quadro desolador.
Irene mora no bairro Jardim Esperança, em Itajaí. Ela conseguiu se refugiar com o filho, a nora, a irmã, o cunhado e os sobrinhos no apartamento de um amigo. Voltou depois de três dias. A lama ainda estava na altura dos joelhos. Móveis, colchões, roupas, sapatos, eletrodomésticos, comida e o que mais havia por ali foram reduzidos a entulho. Ela tentou recomeçar, mas não pôde fazer quase nada. Em pouco tempo, passou a sentir enjôo, dores de cabeça e nas articulações. Depois, veio a febre. O diagnóstico é comum depois das enchentes: leptospirose, uma doença transmitida pela urina de ratos que se espalha facilmente em alagamentos. O contágio se dá pela pele. Como técnica de enfermagem, Irene já viu muita gente aparecer com a doença depois de uma inundação. Ela sabia dos riscos, mas não teve como se precaver.
Na casa onde mora, Irene não é a única adoentada. O cunhado, Alcebid Mafra, de 49 anos, também está de cama. “Minhas vizinhas estão com a doença do rato”, diz Irene. “Não bastasse a chuva, agora estamos todos doentes.” Até quinta-feira, havia 58 pessoas com suspeita de ter contraído leptospirose somente em Itajaí. A cidade teve quase 90% de seu perímetro urbano inundado, o que torna uma parte enorme da população vulnerável à doença.
De tão combalido, Alcebid mal encontra ânimo para chorar pelos amigos e familiares que perdeu nos deslizamentos no Morro do Baú, em Ilhota. Entre tios e primos, foram seis mortes. Ele próprio tinha um terreno na cidade. Sonhava em formar ali um sítio para viver com a mulher, Vera. Dias antes da tragédia, ele ensaiava as músicas natalinas que apresentaria em serenata aos amigos no Baú. Alcebid tem um grupo de terno-de reis, uma tradição açoriana preservada no litoral catarinense. “Neste Natal, não vai ter nada. Nem música, nem festa”, diz Vera. “Tomara que, pelo menos, a gente tenha saúde.”
Carta Capital
De Sanctis não se curvou
Passava um pouco do meio-dia quando o juiz Fausto Martin De Sanctis chegou ao prédio da 6ª Vara Criminal, nos arredores da avenida Paulista, em São Paulo. De Sanctis passara a noite concluindo a sentença que condenou o banqueiro Daniel Dantas a dez anos de prisão em regime fechado e multa de 12 milhões de reais por corrupção ativa. O magistrado sabia do fardo que carregava: pela primeira vez, Dantas seria sentenciado no Brasil.
De Sanctis entrou em seu gabinete às 12h05 e, 43 minutos depois, determinou a publicação no sistema informatizado da Justiça Federal da íntegra da sentença. Advogados de Dantas ainda tiravam cópias da decisão no tribunal quando Nélio Machado, principal defensor do banqueiro no processo, partiu para o ataque. Sem ler uma linha das 310 páginas escritas pelo juiz, Machado bombardeou: “É absolutamente nulo. As provas são fraudadas”.
É uma estratégia esperada da defesa, que lutará para anular a sentença nas instâncias superiores (por ser réu primário, o dono do Opportunity poderá recorrer em liberdade). Além de Dantas, foram condenados os lobistas Humberto Braz, um de seus assessores mais próximos, e Hugo Chicaroni, escalados, segundo comprovou a investigação, para tentarem corromper o delegado Victor Hugo Alves Ferreira e retirar os nomes do banqueiro e da irmã dele, Verônica, da lista de investigados na Operação Satiagraha. Braz foi sentenciado a sete anos em regime semi-aberto e multa de 2,37 milhões de reais. Chicaroni, aos mesmos sete anos e pagamento de 886 mil reais. Os cerca de 14 milhões de reais das três multas serão depositados em juízo e, se mantidos em instâncias superiores, serão repassados a instituições de caridade (medida recorrente nas decisões de De Sanctis).
O titular da 6ª Vara Criminal, especializado em crimes de colarinho-branco, manteve o padrão de agilidade das sentenças que construíram sua notoriedade. Entre a denúncia fruto da Operação Satiagraha e a decisão final, transcorreram-se quatro meses e meio. Os réus, lembre-se, foram condenados por tentar corromper o delegado Ferreira. O processo que os acusa de formação de quadrilha e variados crimes financeiros ainda prossegue. Segundo estimativa do Ministério Público Federal, serão necessários de seis a sete anos para que tenham fim.
A história de Cirillo
Os funcionários do Supremo Tribunal Federal assistiram a uma manifestação de fúria do presidente da casa, Gilmar Mendes. A tarde da terça-feira 2 mal havia começado e as agências de notícias e os sites na internet começavam a noticiar a decisão do juiz Fausto De Sanctis, que condenou o banqueiro Daniel Dantas a dez anos de prisão. Não foi a condenação em si a provocar a ira de Mendes, mesmo se sabendo que o ministro transformou o caso Dantas em uma diatribe pelos direitos individuais contra o aterrador “Estado policial”. O ponto era a menção, na sentença do magistrado de primeira instância, de uma informação até então desconhecida por ele e pelo distinto público. “Agora pego esse cara”, afirmou, segundo relatos narrados à CartaCapital. O cara é De Sanctis.
À informação. Na página 281 da sentença há o registro de que, entre 4 de junho e 7 de julho, Hugo Chicaroni, condenado a sete anos de prisão por tentar corromper o delegado federal Victor Hugo Ferreira, ligou nove vezes para o telefone do coronel da reserva do Exército Sérgio de Souza Cirillo. A dupla pertencia aos quadros da mesma empresa, o Instituto Sagres, especializada, de acordo com o próprio site, em política e gestão estratégica aplicada. É de Chicaroni a jurisprudência, firmada em conversa gravada pela PF, de que Dantas usufrui de “facilidades” nos tribunais superiores do Brasil. Cirillo havia sido contratado por Mendes, 23 dias depois de deflagrada a Operação Satiagraha, para montar um núcleo de inteligência no STF. A investigação rastreou a troca de telefonemas a pedido da defesa de Chicaroni, que solicitou a quebra do sigilo à Justiça.
Ao tomar conhecimento do fato, Mendes declarou-se “surpreso” e solicitou uma investigação ao Ministério Público para saber se o coronel tem relações com Dantas. Cirillo disse à CartaCapital que nas nove vezes em que falou com Chicaroni tratou da impressão de cartões de visita do colega de trabalho. “Ele foi quem mais distribuiu cartões do Sagres, agora isso nos preocupa”, reflete Cirillo.
A entrada do coronel nesta história torna o episódio da Satiagraha, deflagrada em 8 de julho, e seus desdobramentos ainda mais intricados. Cirillo é um personagem capaz de colocar o presidente STF em uma saia-justa. O militar pode confirmar que foi no gabinete da presidência do tribunal que um repórter da revista Veja teve acesso a um relatório sigiloso do setor de inteligência sobre a possibilidade de ter havido escuta ambiental na Alta Corte. Apesar de inconclusivo, o tal relatório motivou uma reportagem de capa da revista, virou tema de debate nacional e serviu como elemento da tese do “Estado policial”, mais tarde reforçada pelo vazamento de um diálogo entre Mendes e o senador Demóstenes Torres (DEM-GO).
Sabe-se, até o momento, que a Polícia Federal não encontrou nenhum vestígio da existência do tal grampo, mas o episódio provocou uma leve crise institucional. Mendes atribuiu o grampo até hoje não comprovado à Agência Brasileira de Inteligência e chamou o presidente Lula “às falas”. O Planalto, sob pressão, afastou o delegado Paulo Lacerda da direção da Abin.
Em busca do crédito perdido
A quebra do Lehman Brothers descortinou o abismo aos pés do mercado financeiro internacional. Se uma instituição centenária e um dos símbolos do poder de Wall Street podia ir à lona, acentuaram os analistas, o que dizer dos bancos do resto do planeta. O day after do fim da casa fundada pelos irmãos Lehman parecia ser o prenúncio de um crash global que derrubaria o sistema bancário mundial feito dominó, do Japão à Patagônia. No Brasil, como no resto do planeta, os boatos superaram os fatos e um certo pânico a respeito do futuro de algumas instituições nacionais espalhou-se como rastilho de pólvora.
O anúncio da compra do Unibanco pelo Itaú, no início de novembro, trouxe as análises de volta ao patamar da lucidez. A sensação foi reforçada depois que o governador de São Paulo, José Serra, chegou a um acordo com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o Banco do Brasil anunciou a aquisição da Nossa Caixa.
É certo que os bancos nacionais levarão algum tempo para suprir o desaparecimento quase completo de linhas externas de financiamento – se é que conseguirão fazê-lo por completo. O crédito, por conseqüência, ficou mais caro e permanecerá assim até que o cenário da crise se torne claro. É certo também que, por diversos motivos, nem de longe os desafios do setor no Brasil são parecidos com os que afligem a banca nos países desenvolvidos. De modo geral, especialistas acreditam que as instituições brasileiras sairão da turbulência mais fortes, mais sólidas e com grandes chances de conquistar espaço além das nossas fronteiras, ainda que no momento, como ressalta Fabio Barbosa, presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), seja impossível estabelecer um preço justo para qualquer ativo.
Veja
Dez anos de cana para o banqueiro
A condenação do banqueiro Daniel Dantas a dez anos de prisão por corrupção ativa merece comemoração. É o primeiro dos processos criminais a que ele responde que logrou chegar a uma sentença – furando a muralha de liminares e outros recursos do sistema penal brasileiro que faz a alegria dos bons (e caros) advogados. O banqueiro é um personagem que, nos últimos anos, esteve por trás, quando não no centro, de nove entre dez escândalos político-financeiros que eclodiram no país. Sua condenação não deveria, porém, ser maculada por um comportamento que, no Brasil, vem se tornando perigosamente recorrente: aquele que, a pretexto de contemplar "os desejos e aspirações do povo", acaba resvalando para excessos que beiram a arbitrariedade e que, no fim, ameaçam comprometer a eficácia do Poder Judiciário.
Do ponto de vista técnico, é quase um milagre que a Justiça tenha encontrado elementos sólidos para condenar Dantas. O trabalho policial de coleta de provas conduzido sob o sugestivo título de Operação Satiagraha, de inspiração oriental, foi um dos mais exóticos de que se tem notícia. A princípio entregue ao comando do delegado da Polícia Federal Protógenes Queiroz, a operação produziu um relatório de mais de mil páginas e deixou um rastro de ilegalidades quase tão vistosas quanto as do investigado. Por lisérgico, ilegível e desprovido de foco ou lógica, o texto inicial teve de ser refeito por uma autoridade policial serena, o delegado Ricardo Saadi. Da investigação de Protógenes, o que restou mesmo de concreto foi a prisão do empresário Humberto Braz e do lobista Hugo Chicaroni. A mando do banqueiro, eles ofereceram suborno a um delegado federal que se fingia disposto a tirar Daniel Dantas e sua irmã Verônica das investigações.
O flagrante, registrado em vídeo, foi, até agora, o único resultado de toda a custosa operação de vigia, escutas telefônicas e análise de documentos apreendidos, que teve a ajuda, potencialmente ilegal, de cerca de oitenta espiões da Abin, a agência federal de inteligência. O juiz Fausto de Sanctis condenou Dantas pela tentativa de suborno, mas se deixou embalar pela doce melodia ideológica do primeiro relatório da Satiagraha.
O preço de uma eleição
O presidente Lula sempre procurou manter uma estratégica e prudente distância das disputas intestinas que envolvem os partidos políticos da base aliada do governo. Só interfere diretamente quando a situação está mesmo se degenerando. Diante da ameaça do PMDB de lançar um candidato próprio à presidência do Congresso, o que poderia inviabilizar a eleição do senador Tião Viana, do PT do Acre, Lula convocou as principais lideranças peemedebistas e selou um acordo de paz – nos moldes peemedebistas, evidentemente. Em troca do apoio ao PT, o PMDB apresentou sua lista de desejos para 2009. O partido reivindicou apenas a manutenção do que já está sob seu comando. Em vista da voracidade notória do PMDB, o pedido pareceu até comedido. Acordo fechado, então? Não. Seguindo sua tradição, o PMDB fez a proposta, mas, à sombra, se arma para dobrar o pedido.
Para isso, o partido conta com a atuação de sua "ala de rebeldes", liderada pelo senador Renan Calheiros. Desde que renunciou à presidência do Congresso para salvar o mandato, no ano passado, Renan tenta recuperar poder. Em sua investida para assegurar a eleição de Tião Viana, o presidente negociou diretamente com três caciques do PMDB. Ao senador José Sarney prometeu a manutenção de seus afilhados no comando do setor elétrico. Ao senador Valdir Raupp, atual líder do PMDB no Senado, garantiu a vice-presidência do Congresso na chapa de Tião Viana. Com o senador Romero Jucá comprometeu-se a apoiá-lo para a presidência do partido. Faltou falar com Renan Calheiros, que disse a amigos que o governo lhe deve muitos favores e ele merece ser tratado com mais deferência. Para mostrar que não é líder apenas dele mesmo, Renan convocou uma reunião da qual participaram os senadores que haviam acabado de acertar o acordo com Lula. Ao final, Renan anunciou que o partido vai lançar um candidato próprio para enfrentar Tião Viana.
Dia de deboche
O deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), o Paulinho da Força, é um fenômeno típico do surto de vale-tudo que varreu o Congresso desde o escândalo do mensalão. Acusado de envolvimento em um esquema de desvio de dinheiro do BNDES, o deputado foi absolvido na semana passada pelos colegas do Conselho de Ética da Câmara. Apesar do parecer do relator recomendando a cassação do mandato, dez dos catorze parlamentares que integram o órgão não encontraram nada que desabonasse a conduta de Paulinho, que responde a dois processos no Supremo Tribunal Federal por crime de corrupção.
O pior é que, além de previsível, o resultado ainda foi recebido com uma preocupante indiferença pela grande maioria dos deputados. Na hora do julgamento, certo de que a decisão lhe seria favorável, Paulinho nem sequer estava nas dependências do Congresso. Comandava uma manifestação de sindicalistas pela Esplanada dos Ministérios. Informado do resultado, comemorou, foi carregado nos braços e ainda sorveu uma lata de cerveja na frente dos fotógrafos. Uma cena de absoluto escárnio.
No mesmo dia da absolvição, a Polícia Federal indiciou a mulher do deputado, Elza de Fátima Costa Pereira, e outras pessoas ligadas à Força Sindical por crime de lavagem de dinheiro. Segundo um relatório da PF, Paulinho recebeu 180 000 reais em propina para intermediar empréstimos no BNDES e usava uma ONG comandada por Elza para esconder os pagamentos.
"As parcelas destinadas a Paulinho foram depositadas em organizações não-governamentais ligadas a ele. Descobriu-se um esquema de lavagem no qual essas organizações recebem dinheiro ilícito como se fossem doações", diz o relatório da polícia. Todas essas informações estavam no processo que pediu a cassação do mandato do deputado Paulinho da Força, mas, ao que parece, ninguém deu a mínima importância. "Qualquer um pode usar seu nome para se beneficiar sem que você saiba ou tenha autorizado", disse o deputado Abelardo Camarinha (PSB-SP).
O vendaval se aproxima
Um dos ditos mais cruéis sobre crises econômicas busca explicar a diferença entre a recessão e a depressão: "Recessão é quando os outros perdem o emprego. Depressão é quando você perde o emprego". O Brasil, felizmente, não enfrenta ainda nenhum dos dois fenômenos. A economia do país se compara a um automóvel em desaceleração, que ainda segue adiante. Mas os efeitos da crise passaram a ser percebidos com uma intensidade bem superior à de uma simples marola. A turbulência financeira agravada em setembro nos Estados Unidos já atinge a economia real brasileira, despertando justamente o fantasma do desemprego. Nas últimas semanas, diversas empresas anunciaram demissões como forma de ajuste a um cenário econômico muito mais pessimista. Pelo menos 12 000 vagas devem ser eliminadas até o fim do ano. O número ainda é pequeno diante dos 5 milhões de empregos formais criados no país desde o início de 2006, um recorde, mas trata-se de um alerta de que a euforia ficou para trás. O vendaval se aproxima.
Os setores mais afetados são justamente aqueles que mais se haviam beneficiado dos tempos de crédito farto, como é o caso dos veículos, dos eletrônicos e da construção civil. Além, é claro, dos exportadores de matérias-primas, impulsionados pela emergência da China como voraz consumidora de commodities, como o minério de ferro e a soja. Esses setores mudaram abruptamente de humor. "Até pouco tempo atrás, perdíamos o sono porque não tínhamos pessoas qualificadas para ocupar os cargos. Hoje, fazemos ginástica para mantê-las conosco", afirma Marco Dalpozzo, diretor global de recursos humanos da mineradora Vale, a maior empresa privada do país. "Precisamos nos adaptar à nova realidade internacional." No fim de outubro, a Vale anunciou a redução de quase 10% (30 milhões de toneladas) de sua produção anual de minério de ferro. Na semana passada, fechou quatro unidades de extração de minérios em Minas Gerais e decidiu demitir 1 300 funcionários. Demissões também foram anunciadas na construção civil, nos bancos e nas montadoras. O setor de autopeças prevê a eliminação de 8.000 postos até o fim deste ano. Nas montadoras, 50.000 funcionários entrarão em férias coletivas.
Isso significa que a economia brasileira será engolida pela crise? Não necessariamente. Para a indústria automobilística, por exemplo, a previsão é que os ajustes sejam transitórios e as vendas voltem a crescer tão logo a crise seja debelada.
No meio da tempestade
Na semana passada, foram enterradas as dúvidas que restavam (poucas, diga-se) sobre a economia dos Estados Unidos estar ou não em recessão. Um comitê de especialistas do National Bureau of Economic Research (NBER), organização privada de natureza acadêmica, concluiu que a atividade econômica está encolhendo no país mais rico do mundo, pela primeira vez desde 2001. Mais precisamente, a contração começou em dezembro de 2007, antes mesmo da quebra do banco de investimentos Lehman Brothers. O comitê do NBER reúne sete acadêmicos com a responsabilidade histórica – conferida a eles pela tradição e competência – de determinar a data dos ciclos de expansão e contração da economia americana. Eles não seguem a definição mais habitual de recessão – a redução do PIB por dois trimestres seguidos.
Preferem uma análise, digamos, mais holística, focada no conjunto de investimentos e no índice de emprego e do consumo. O que quase sempre impeque suas decisões sejam ágeis. O grupo normalmente espera de seis a dezoito meses para consolidar seu diagnóstico. No caso da recessão decorrente do estouro da bolha tecnológica, por exemplo, ele levou mais de um ano para declarar que a contração de 2001 havia chegado ao fim.
Dois membros do NBER falaram a VEJA. Martin Feldstein, de Harvard, disse que a maior evidência de uma recessão está nas demissões (desde janeiro, 1,9 milhão de americanos perderam o emprego, e apenas em novembro foram fechados 533 000 postos de trabalho, algo não visto há três décadas). "Mas o estopim foi o estouro da bolha imobiliária", disse Feldstein. Segundo Robert Hall, um dos diretores do comitê, os indicadores devem continuar a piorar até a metade de 2009, o que faria desta recessão a pior dos últimos setenta anos. Ela já está entre as maiores do pós-II Guerra e poderá ser a mais duradoura desde a Grande Depressão.
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