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A posse do senador José Sarney na presidência do Senado e do deputado Michel Temer na presidência da Câmara é um fenômeno político que deve ser observado com a ajuda de um telescópio e avaliado com a ajuda de um retrovisor. No discurso, os dois novos chefes do Legislativo se comprometeram a implementar medidas moralizadoras para tentar resgatar a imagem dos parlamentares, debilitada por uma interminável rotina de denúncias de corrupção, fisiologismo e improdutividade. Os presidentes também falaram em trabalhar pela implantação de reformas essenciais, como a tributária e a política, que nunca conseguiram transpor a barreira da falta de interesse. As promessas e os compromissos, como era previsível, já foram colocados à prova. Como genuínas lideranças do PMDB, tão logo assumiram o cargo, Sarney e Temer começaram a ajustar as engrenagens da máquina que vão comandar nos próximos dois anos usando o método de sempre – a cooptação irrestrita por meio da distribuição de cargos e verbas. Ter condições de comando e formar maiorias é imprescindível, mas sempre é bom perguntar: maioria para que mesmo?
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O PMDB é o maior partido do Brasil e uma exceção no mundo. Em qualquer democracia, os partidos elegem seus representantes em torno de um programa comum com o objetivo de chegar ao poder e, assim, implementar suas ideias. O PMDB não. Sem propostas e sem ideologia clara, o partido desenvolveu uma estratégia política segundo a qual melhor do que disputar uma eleição é vencê-la sem disputar. Dessa forma, o PMDB aposta na eleição do maior número possível de representantes no Parlamento, o que o torna um aliado poderoso e indispensável. Em outras palavras, a estratégia faz com que os governos precisem do PMDB para governar, assim como o PMDB precisa dos governos para se manter gigante. Nos últimos cinco governos, o partido esteve presente em todos. É um ciclo vicioso, que supostamente garante a estabilidade política, mas que, na verdade, conspira contra qualquer tipo de mudança. Explica o cientista político David Fleischer, da Universidade de Brasília: "Há um conservadorismo de caráter permanente que é a principal característica da política brasileira – e o PMDB é o principal representante desse conservadorismo".
Ministro admite ação da Abin
O general Jorge Armando Félix, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, é guardião de um segredo capital: a identidade do agente da Abin responsável pela revelação da existência de uma rede clandestina de espionagem contra autoridades da República patrocinada por agentes do governo. No final do ano passado, em uma reunião fechada na sede da Abin, em Brasília, Félix admitiu na frente de centenas de testemunhas que o grampo telefônico ilegal contra o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, foi obra de um servidor da Abin – "um colega de vocês", nas palavras do general. Ele não revelou o nome do acusado, não esclareceu em que setor estava lotado, se era civil ou militar, aposentado ou da ativa.
Disse apenas que o suspeito já esteve envolvido em outro caso semelhante e que a Polícia Federal também já conheceria sua identidade. Em público, o general sempre negou com veemência o envolvimento de seus subordinados no escândalo dos grampos clandestinos. Ao admitir que um de seus espiões foi o responsável, o ministro Félix confirma o que a Polícia Federal tenta há meses comprovar: a ação de espionagem da Abin contra o presidente do STF. A reunião em que o ministro Jorge Félix admitiu a participação de um de seus espiões no caso ocorreu na manhã de 13 de novembro, três meses depois do escândalo que provocou a queda do diretor da Abin, o delegado Paulo Lacerda, e oito dias depois de agentes da PF apreenderem computadores, documentos e equipamentos de espionagem nos escritórios da agência no Rio de Janeiro e Brasília.
O ministro Jorge Félix poderia ajudar a elucidar de vez o mistério com suas valiosas informações. Além do general, estava presente à reunião, que durou 40 minutos, o diretor interino da Abin, Wilson Trezza. Ele pediu aos colegas que evitassem um clima de conflito com a Polícia Federal. "É um suicídio institucional para ambos se esse clima de animosidade acontecer", previu Trezza. Soou como ameaça, diante das investigações policiais que vêm devassando a ação clandestina da Abin. "É a primeira vez que uma autoridade admite que a informação sobre o grampo vazou da Abin. Vamos estudar com cuidado esse material, que já chegou à CPI, e se for o caso convocaremos o general para esclarecimentos", disse o deputado Marcelo Itagiba (PMDB-RJ), presidente da comissão.
O bem-amado
A semana passada foi marcada por notícias ruins no campo da economia: 650 000 trabalhadores foram demitidos em dezembro, a indústria encolheu 12,4% no mesmo mês e a balança comercial registrou o primeiro déficit em quase oito anos (veja mais). Esses resultados seriam mais do que suficientes para abalar a popularidade de qualquer presidente da República – mas não a de Luiz Inácio Lula da Silva. A última pesquisa nacional CNT/Sensus revela que nada menos que 84% dos brasileiros aprovam o desempenho do presidente Lula e que 72,5% consideram o seu governo ótimo ou bom.
São taxas recordes na pesquisa realizada desde 1998, e que podem levar alguém menos avisado a acreditar que os cidadãos estão anestesiados em relação ao momento preocupante que o país atravessa em decorrência da crise econômica mundial. Não é nada disso. A mesma edição da CNT/Sensus mostra que a população percebeu a piora da conjuntura nos últimos meses. De setembro para cá, a proporção dos que acham que a situação do emprego se deteriorou passou de 16,9% para 38,5%. Também subiu a parcela dos brasileiros que declararam que sua renda caiu e que a criminalidade aumentou.
Por que, então, Lula consegue manter sua popularidade inabalada? Para além de ter-se demonstrado um condutor responsável da política econômica e um mandatário sensível às iniquidades da sociedade brasileira, há a empatia que a esmagadora maioria do povo sente pelo presidente. Empatia que se sustenta não apenas em sua origem humilde, mas num tipo de espontaneidade que, se não se coaduna com a liturgia exigida pelo cargo, o aproxima do jeito de ser da maioria dos brasileiros. Além disso, Lula, desde o primeiro ano de governo, adotou a estratégia de apenas ser porta-voz da esperança, enquanto passa a ideia, ora em discursos inflamados, ora fazendo troça, de que todo e qualquer problema brasileiro é fruto da incompetência e do descaso de seus antecessores e de que as críticas a ele são produto do preconceito "das elites" contra a sua figura. A aprovação a Lula é revigorada, ainda, por ações polpudas. Veja-se a recente ampliação do Bolsa Família. O presidente, enfim, tem a empatia com o povão, o discurso adequado e a caneta na mão para manter sua popularidade lá em cima.
Época
Sarney e Temer retomam cargos que mais parecem vitalícios
Na semana passada, o Congresso Nacional fez o país andar para trás em tamanha velocidade que, em poucos dias, conseguiu transformar um castelo inspirado na arquitetura das monarquias absolutistas do século XVIII no símbolo mais recente da atrasada política de Brasília. Localizado na Zona da Mata mineira, ele é propriedade do deputado Edmar Moreira (DEM-MG). Edmar enriqueceu com empresas privadas de segurança e fez carreira no Congresso com a oferta de proteção a políticos sob investigação. Seu Castelo Monalisa é um retrato em aço, concreto e 36 banheiras de hidromassagem das mazelas que envergonham um país que, desde a Constituição de 1988, tenta e não consegue modernizar seus costumes políticos.
Com 36 suítes, adega para 8 mil garrafas, piscinas com cascata e diversos elevadores, o castelo está à venda por R$ 25 milhões. Seu valor foi reduzido para R$ 3 milhões na declaração do membro da família que se apresenta como proprietário formal do imóvel. Por causa de calotes trabalhistas e acusações de apropriação indébita de recursos destinados ao INSS, Edmar é alvo de uma ação que poderá determinar o bloqueio de seus bens. Na semana em que José Sarney (PMDB-AP) e Michel Temer (PMDB-SP) tornaram-se ambos, respectivamente, presidente do Senado Federal e da Câmara dos Deputados pela terceira vez, Edmar foi eleito corregedor da Câmara como um candidato avulso, sem o patrocínio de seu partido, o DEM.
A escolha de seu nome para a função de xerife da Câmara parece estranha por causa de seu currículo, mas é fácil explicar – pelas piores razões possíveis. Há quatro anos, quando explodiu o escândalo do mensalão, Edmar foi um militante ativo da impunidade e trabalhou pela inocência de todos os envolvidos. Recebeu a recompensa agora. Foi apoiado pelas bancadas de partidos governistas, em especial a do PT, num processo silencioso e que deveria ter-se encerrado de forma quase clandestina, para evitar dissabores. Depois que as torres pontiagudas do Monalisa se transformaram em assunto nacional, o DEM passou a cobrar a renúncia de Edmar à Corregedoria. Pode ser uma providência útil, seria bom que fosse bem sucedida, mas ela vem com um pouco de atraso. A primeira reportagem sobre o castelo de Edmar foi publicada em 1992. De lá para cá, passaram-se 17 anos, ou quatro mandatos parlamentares, sem que ninguém tivesse a curiosidade de investigar um pouco aquela arquitetura estranha.
Com seu aspecto de obra fora do tempo e tantas atrações exóticas, o Monalisa combina perfeitamente com aquilo que se viu em Brasília na semana passada. As eleições para o comando do Poder Legislativo trouxeram de volta dois personagens do século passado. Michel Temer (PMDB-SP) já presidira a Câmara entre 1997 e 2000, por dois mandatos consecutivos. O ex-presidente José Sarney chefiou o Senado pela primeira vez em 1995 e voltou ao cargo em 2003. Nas duas ocasiões, fingiu encerrar uma longeva carreira política. Na caminhada para o atraso, deputados e senadores usaram outra vez as ferramentas que fazem do Legislativo a mais desprestigiada instituição republicana, segundo todas as pesquisas de opinião: a troca de favores mesquinhos, a negociação de interesses escusos e as armas da traição, sempre de costas para a opinião pública. Além de Edmar e seu castelo, a abertura dos trabalhos de 2009 mostrou a musculatura de dois ex-presidentes do Senado, Renan Calheiros e Jader Barbalho, ambos forçados a renunciar ao cargo para escapar de processos de cassação. Renan e Jader foram os artífices e principais conselheiros de Sarney na campanha. Eles aconselharam-no a disputar o cargo, como forma de se proteger contra adversários da política e problemas com a Justiça. No pior momento de uma carreira política de quase 60 anos, Sarney entrou no jogo.
Ele espalhou em Brasília ser vítima de perseguição do ministro da Justiça, Tarso Genro. O PMDB pediu a demissão de Tarso, mas Lula não se comoveu. A presidência do Senado se transformou numa boia para um político em apuros, como foi anteriormente para Jader e Renan. Com base em sua própria experiência, Jader e Renan desenvolveram a teoria do “barril de lama”, uma estratégia de sobrevivência política baseada na compra de cúmplices. Ela é simples, para quem tiver estômago para entender. Um colega de Jader e Renan na cúpula do PMDB descreve o método assim: “Quando o sujeito está atolado de denúncias e não consegue sair, o negócio é trazer cada vez mais gente para dentro do barril. Aí, ele fica mais seguro porque, se a coisa explodir, todo mundo vai sair enlameado”. Ao final da campanha em que Sarney derrotou o candidato do PT, senador Tião Viana (AC), por 49 votos a 32, a lama no barril não parava de crescer.
IstoÉ
Com as vitórias de Michel Temer para o comando da Câmara dos Deputados e de José Sarney para o Senado Federal, o PMDB consolidou-se como o maior partido do País e ampliou seu cacife para as eleições presidenciais de 2010. Desde que Sarney ocupou a Presidência da República (1985-1990), a legenda não detinha tanto poder. O peso político do PMDB pode ser medido pelo tamanho de sua máquina partidária. Não bastasse ter conquistado, na última semana, o direito de controlar o Congresso Nacional pelos próximos dois anos e ocupar seis ministérios (Saúde, Integração Nacional, Agricultura, Defesa, Comunicações e Minas e Energia), o partido foi o que mais elegeu prefeitos em 2008 e fez sete governadores em 2006. Com esses trunfos na mão, a próxima cartada do partido será bem mais ousada: lançar candidatura própria a presidente da República em 2010. O projeto foi confiado ao deputado Eliseu Padilha (PMDB-RS), atual presidente da Fundação Ulysses Guimarães, entidade ligada ao partido. "Na base do PMDB, o sentimento é pela candidatura própria. Estamos preparados. Por que não? Temos mais infraestrutura municipal e estadual do que todos os partidos", justifica Padilha. Favorito para ocupar a presidência do PMDB no lugar de Michel Temer, o deputado Eunício Oliveira (PMDB-CE) defende que, se o PT ainda não tornou oficial a candidatura da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, e o PSDB ainda diverge entre os governadores José Serra (SP) e Aécio Neves (MG ), o PMDB pode muito bem apostar na cabeça de chapa. "Por que temos que pensar em ser a noiva das eleições se podemos ser o noivo?", questiona.
O voo solo ao Planalto também é defendido por figuras tradicionais como o senador Pedro Simon (RS). Padilha explica que o primeiro passo é aprovar a tese da candidatura própria no congresso do PMDB programado para junho. Para alcançar o objetivo, o deputado gaúcho trabalha em três frentes: investe na qualificação política da militância peemedebista, defende entre as lideranças o raciocínio de que unido o PMDB será imbatível e propõe a elaboração de um projeto para o País. "Temos muitos nomes, o que falta é uma proposta de governo para o Brasil. Precisamos de um projeto para dialogar com a sociedade já." O nome que acalenta os sonhos de importantes líderes peemedebistas para encabeçar o projeto é o de Aécio Neves. Candidato assumido à Presidência, o mineiro briga internamente pela realização das prévias tucanas, nas quais aposta que sairá escolhido candidato do PSDB. Mas a ala paulista do partido trabalha por uma escolha de cúpula, o que favoreceria a candidatura de Serra. Daí, o flerte de Aécio com os peemedebistas. A avaliação no partido é a de que Aécio e o PMDB, juntos, seriam imbatíveis. "O jovem governador Aécio Neves é um dos mais brilhantes políticos de sua geração, com um grande governo que o credencia à Presidência da República. O PMDB o vê com grande simpatia, e com sua entrada no páreo da disputa presidencial podem ocorrer modificações muito profundas", disse Sarney em entrevista à ISTOÉ, ao responder se o PMDB mantém as portas abertas para Aécio, caso ele queira se filiar ao partido para concorrer ao Planalto.
Novo candidato a refugiado
Nos próximos dias, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidirá sobre uma solicitação da Corte de Roma que pede pela extradição de outro cidadão italiano que nos anos 1980 pegou em armas e tomou de assalto as ruas do seu país bradando por mudanças políticas. Trata-se de Pierluigi Bragaglia, 49 anos, um exterrorista que fugiu da Itália, em 1982, condenado a 12 anos de prisão por subversão, assalto, roubo a bancos e associação a grupo armado. Procurado há mais de duas décadas pela Interpol pelos quatro cantos do planeta, Bragaglia foi encontrado pela Polícia Federal (PF) em julho do ano passado vivendo em Ilhabela, litoral paulista, distante 210 quilômetros da capital. Casado, pai de dois filhos, o ex-militante vivia com a identidade falsa e ganhava a vida como proprietário de uma pousada e uma distribuidora de bebidas na cidade. Há sete meses no cárcere, Bragaglia terá seu futuro definido pelo ministro do STF Cezar Peluso, o mesmo togado que decidirá o caso de Cesare Battisti.
A justificativa italiana para o pedido de extradição de Bragaglia fundamenta-se nas mesmas argumentações do caso Battisti, ou seja, ele é um ex-terrorista e como criminoso político, julgado e condenado em seu país, deverá voltar para pagar sua pena. O caso de Bragaglia, que poderá chegar às mãos do ministro da Justiça, Tarso Genro, tem ingredientes que poderão elevar a temperatura dos debates no Brasil e no Exterior por um único detalhe: ao contrário de seu conterrâneo esquerdista, Bragaglia foi um árduo integrante da direita italiana; um neofascista de verdade. Ex-militante do NAR (Núcleo Armado Revolucionário), o mais radical grupo da extrema direita italiana que atuou entre 1977 e 1981, Bragaglia e seu agrupamento inspiravam- se no criador do fascismo, Benito Mussollini (1883-1945). A organização em quatro anos foi responsável por ações que resultaram em 128 mortes. Em depoimento de mais de quatro horas à PF, ele confirma a participação em diversos crimes políticos, mas nega o envolvimento com qualquer “crime de sangue”. Assustado, Bragaglia tem medo de que a repercussão do caso Battisti reflita negativamente em seu julgamento.
Nascido rico em Roma, em 1960, ele abraçou a militância política ainda muito jovem rebelando-se contra a ordem econômica e social e o Estado. O ex-militante neofascista admitiu no interrogatório que lutou pela reconstituição do partido fascista na Itália, disse que participou dos assaltos ao Banco di Roma – ação que rendeu aos cofres da organização clandestina 56 milhões de liras – e à Embaixada da Arábia Saudita, operação na qual seu grupo roubou armas e munições para o arsenal guerrilheiro. Bragaglia nega que esteve presente à ação que matou dois “carabinieri” em Roma, em 1981, conforme acusação da Interpol. Ele nega também que seja um terrorista. “Apenas participei de um grupo de extrema direita”, disse. Mas admitiu aos policiais brasileiros que, de fato, aos 17 anos, empunhava armas em assaltos para arrecadar fundos para a organização. “Cometi os crimes por causa das circunstâncias políticas da época, motivado por razões ideológicas”, disse. Nos quatro anos de atuação do NAR, a organização foi responsável por ações que resultaram em 33 mortos, sem contar o atentado contra a estação de trem de Bologna, em 1980, que deixou 85 mortos e mais de 200 feridos. O NAR tinha estreitas ligações com diversas organizações criminosas. Em maio de 1985, um tribunal condenou 53 integrantes do grupo por atividades terroristas.
Stédile, o intocável
O principal líder do MST, o economista João Pedro Stédile, é um homem de sorte. Ele parece ter prerrogativas de fazer inveja a qualquer brasileiro. Exemplos não faltam. Por sete anos, a Polícia Federal (PF) alegou que não conseguia encontrar Stédile para que prestasse depoimento num inquérito sobre a destruição de pedágios da rodovia Castelo Branco, em São Paulo. O ataque ocorreu em novembro de 1999. Um mês antes, Stédile havia incitado publicamente os militantes a quebrar os pedágios. O delegado Joel Zarpellon Mazo até que se esforçou para incriminá-lo. Mas, ao avisar à direção da PF que indiciaria Stédile, foi pressionado a deixar a chefi a da Delegacia de Ordem Política e Social, hoje Delinst. "O inquérito foi a causa da perda de meu cargo", afi rma Mazo. "Fui deslocado para a Divisão de Direitos Humanos, sem cargo de comissão."
Mazo não é um caso isolado de autoridade que enfrentou o poder de Stédile. Ex-ministro da Reforma Agrária, o deputado Raul Jungmann (PPS-PE) disse à ISTOÉ que, no cargo, sofreu "pressões de todos os lados" quando o assunto era Stédile ou o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), devido à retaliação da organização. "O Stédile é mais que intocável", diz Jungmann. "Os governadores têm medo, o governo federal tem medo e nenhum presidente de tribunal de Justiça quer comprar briga com Stédile e o MST. Os governos são reféns do Stédile", afi rma o parlamentar. O ministro do STF Marco Aurélio Mello ficou perplexo diante da revelação de que um delegado perdeu a função ao tentar enquadrar o líder do MST. "Não concebo que uma autoridade que esteja incomodando seja afastada do cargo; isso contraria o interesse global da sociedade", diz.
Desde 2000, o Incra tenta condenar o MST e os líderes do movimento que participaram do quebra-quebra da sede da autarquia em Brasília, naquele ano. Stédile, à época, era um dos líderes que foram a Brasília para orientar o movimento. No ano passado, o juiz federal Antônio Corrêa, da 9ª Vara, advertiu que o MST não possui personalidade jurídica e pediu que o Incra se manifestasse a respeito. Após oito anos, o Incra anexou petição concordando, ou seja, o MST seria inimputável, e restringiu a culpa pelos delitos aos coordenadores do movimento em Brasília. Stédile novamente fi cou de fora. "O Stédile viaja mais do que o Lula e como tem que ser citado pessoalmente o ofi cial de Justiça não consegue", justifi ca Juvelino José Strozake, advogado do líder do MST.
Carta Capital
Obras contra a crise
O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) engordou 142,1 bilhões de reais na quarta-feira 4, quando o governo federal anunciou a inclusão de mais obras no ambicioso pacote. O reforço é também uma resposta a uma safra de números ruins, como a queda de 12,6% na produção industrial e o corte de 655 mil postos de trabalho em dezembro, além do saldo negativo de 486 milhões de reais da poupança em janeiro.
O programa tem poucas novidades, apenas cerca de 10% do orçamento é destinado a projetos novos. O principal objetivo foi mostrar a disposição do setor público para levar adiante, em caráter prioritário, um conjunto maior de investimentos em infraestrutura. Com o acréscimo, os desembolsos do PAC devem atingir 646 bilhões de reais até 2010.
Outros 313 bilhões de reais reforçam o programa a partir de 2011, totalizando 502 bilhões de reais no próximo governo. O montante global foi elevado de 693,1 bilhões de reais para 1,148 trilhão de reais, quase metade do PIB. A ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, ressaltou o papel anticíclico do PAC e lembrou que, no período tucano, quando o País recorreu ao FMI, a recomendação era cortar investimentos. “O governo não está parado, não está inerte como ficava.”
Na quinta-feira 5, durante entrega de casas populares em Olinda (PE), o presidente Lula afirmou que grande parte das obras será inaugurada até 2010. “Vamos construir um novo PAC, um novo compromisso para que quem entrar no governo não tenha de perder tempo e já tenha as definições das obras prioritárias para este país.”
No mesmo caminho de Marina
A posição do secretário especial de Direitos Humanos, Paulo Vanucchi, no governo está cada vez mais parecida com a de uma antiga colega, a ex-ministra Marina Silva. Vanucchi prega ao vento na Esplanada dos Ministérios e suas propostas esvaem-se como areia no deserto. Enquanto limitou-se a conduzir os processos de indenização a perseguidos pela ditadura, o secretário estava numa boa. Mas aí Vanucchi passou a defender com veemência crescente a punição aos policiais e militares que cometeram “terrorismo de Estado” nos anos de chumbo. Para surpresa de muitos, encontrou pouca guarida no governo e, paulatinamente, vai sendo isolado. Quanto tempo resistirá? Em mais de um evento público já ameaçou deixar o cargo.
O último golpe contra a tese de Vanucchi foi o parecer da Advocacia-Geral da União a favor da Lei da Anistia, editada em 1979. Para a AGU, a lei foi ampla e irrestrita e “abrange os mais diversos crimes, comuns ou políticos”. Além disso, os advogados da União argumentam que os crimes prescreveram, pois foram cometidos há mais de 29 anos. O parecer da AGU foi solicitado pelo Supremo Tribunal Federal, que analisa uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental ajuizada pela Ordem dos Advogados do Brasil. Segundo a OAB, existe “aberrante desigualdade” no fato de a anistia servir tanto para delitos de opinião quanto para os crimes violentos contra a vida, o “terrorismo de Estado”.
Último emprego de Gilmar Mendes antes de ingressar no STF (o ministro manifestou-se contra a revisão da Lei da Anistia), a AGU é atualmente comandada por José Antonio Toffoli, advogado de Lula nas eleições de 2002 e 2006 e ex-auxiliar de José Dirceu na Casa Civil, um perseguido pela ditadura.
Frente a frente
“Por que é que vocês têm tanto medo da gente?”, quer saber João Pedro Stedile, do MST. A poucos metros de sua cabeça paira um helicóptero da Força Nacional de Segurança, soldado empunhando fuzil à porta. O ruído ensurdecedor da máquina não permite que se escute qualquer resposta. À frente de Stedile está José Rogério de Paula e Silva, gerente-geral de operações das minas de ferro e manganês da Vale. O diálogo se dá no mirante da lavra denominada “N5”, uma das cinco de onde se extrai minério de ferro dentro da área da Floresta Nacional de Carajás, no sudeste do Pará.
Além do helicóptero, paira no ar de Carajás um histórico recente de confrontos entre o MST e a Vale. O movimento social é contrário às grandes corporações e prega a reestatização da empresa como forma de devolver riquezas e soberania ao Brasil. Nos últimos dois anos, realizou ou apoiou diversos “atos”, no seu entender, em instalações da Vale. Esta, por sua vez, contabilizou oito “ataques”, no seu entender, que paralisaram o escoamento do minério de ferro por trilhos em Minas Gerais e no Pará.
A indisposição arrasta-se. Em março de 2008, a empresa conseguiu na Justiça do Rio de Janeiro uma liminar que proíbe o MST e, nominalmente, Stedile de incitar ou promover atos violentos ou a interrupção de serviços. Sob pena de multa de 5 mil reais por evento. Stedile recorreu, e o processo não terminou.
Apesar das rusgas, a tentativa de um encontro amigável entre o principal líder do MST e um representante da gigante mineradora aconteceu durante o Fórum Social Carajás, evento que encheu quatro ônibus com participantes de ONGs, movimentos sociais, pesquisadores e jornalistas de 37 países para conhecer as atividades econômicas em curso na região. Realizado dias antes do Fórum Social Mundial (em Belém), o Fórum Carajás foi organizado pela Via Campesina, pelo MST e pela prefeitura de Parauapebas, cidade onde fica o empreendimento da Vale.
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