VEJA
À CPMF eles disseram… basta!
O maior sinal de amadurecimento das economias capitalistas atuais não é terem se livrado das crises. Elas continuam aparecendo. O que mudou é a maneira de lidar com elas. Na sábia definição do economista Martin Feldstein, da Universidade Harvard, as cascas de banana continuam sendo atiradas no caminho, mas para levar um escorregão é preciso atravessar a rua e, conscientemente, pisar em uma delas
De certa maneira, ao negar ao governo a recriação da CPMF, o "imposto do cheque", na madrugada de quinta-feira passada, o Senado jogou uma casca de banana no caminho dos condutores da política econômica. Eles não pisaram. O Executivo decidiu tratar com realismo a queda da CPMF e suas conseqüências, a súbita retirada de 40 bilhões de reais das previsões de arrecadação, cerca de 7% da receita fiscal para 2008. O que isso significa? Significa que a frustração de receitas precisa ser compensada em 2008 com cortes nas despesas e com formas de arrecadação menos ruinosas do que a CPMF. Em uma sentença: o Brasil amadureceu.
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Perfil – Kátia Abreu, a Ivete Sangalo do Senado
Até o ano passado, a senadora mais célebre do Congresso Nacional era uma professora de enfermagem de voz estridente, cabelos presos em rabo-de-cavalo, nenhuma maquiagem no rosto e guarda-roupa imutável (camiseta branca e calça jeans, fizesse chuva ou fizesse sol). Heloísa Helena, do PSOL, derrotada nas últimas eleições presidenciais, voltou a dar aulas em Alagoas, e, como na política não há lugar para vácuo, seu posto de musa oposicionista já está ocupado – e por uma colega que é, em tudo, o seu oposto.
Kátia Abreu, eleita pelo Democratas do Tocantins, é fazendeira, rica e tão vistosa que, aos 45 anos, foi apelidada pelos colegas de Ivete Sangalo do Senado. O figurino da senadora – que inclui meias pretas rendadas, largos brincos de argola e sapatos vermelhos de salto altíssimo – não é a única razão do apelido. Kátia Abreu tem feito um barulho infernal no Congresso.
ISTOÉ
A madrugada da oposição
Na manhã da quinta-feira 13, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, atendeu o telefone. Do outro lado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, da Venezuela, ordenou com uma voz mais rouca do que o habitual: “Suspenda a política industrial e recolha o Orçamento para a gente ver que outros cortes vamos fazer.” A determinação era a consumação de uma sucessão de erros que levou o governo a ser derrotado no Senado na madrugada anterior ao telefonema. A não aprovação da lei que prorrogaria a cobrança da CPMF representa uma perda de R$ 40 bilhões anuais e a ordem transmitida pelo presidente era o primeiro passo na direção de compensar a perda.
Cortar despesas não é a única intenção de Lula ao suspender a política industrial, que representaria R$ 6 bilhões em desonerações do setor produtivo. O presidente enxerga no empresariado a principal força que se moveu contra o imposto do cheque, especialmente a Fiesp. Ao suspender o envio do projeto de lei que desonerava a indústria, Lula imagina atingi-la em cheio. E, ao determinar que o ministro retire do Congresso a proposta de Orçamento Geral da União para 2008, o presidente deixa claro que passará a caneta em várias áreas, podendo escolher obras e investimentos nos Estados dos principais líderes que trabalharam contra a CPMF.
ÉPOCA
A vida sem a CPMF
A boa notícia é: o Brasil não vai acabar com o fim da CPMF, o imposto do cheque. Ao contrário do que dizia o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, os senadores que votaram contra a prorrogação do imposto provisório até 2011 não serão perseguidos em suas casas como inimigos do povo. O Bolsa-Família não será extinto. O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) poderá sofrer atrasos, mas ninguém acha que Lula se permitirá cancelar as prometidas obras de infra-estrutura. Perderá, provavelmente, a Saúde, que, segundo o ministro José Gomes Temporão, “está de luto”. Mas o presidente não abandonará hospitais e pacientes à própria sorte. Mesmo com os R$ 40 bilhões anuais da CPMF, a Saúde no Brasil já deixava muito a desejar. Terá, portanto, de ser revisto o Orçamento da União. O brasileiro economizará, em média, R$ 190 por ano. A indústria será beneficiada e está comemorando.
O maior efeito imediato da histórica derrota do governo Lula no Senado, na madrugada da quinta-feira, foi ensinar ao presidente dois preceitos básicos. Em primeiro lugar, ele não é imbatível. Em segundo, é preciso agir no Palácio do Planalto como na casa de todos nós: gastar o que é possível, definindo as prioridades. Isso pode significar congelamento ou revisão de reajustes salariais para 2008. Entre as lições que Lula deve ter aprendido, ficou claro que o crescente aparelhamento do Estado e a falta de transparência no destino dos impostos não combinam com a popularidade do presidente.
CARTA CAPITAL
As batatas do vencedor
No rescaldo da batalha da CPMF, cujo lance final se estendeu por longas sete horas, entre a noite da quarta-feira 12 e a quinta 13, contam-se muitos perdedores e alguns vencedores. Sem dúvida, e descartados inicialmente os erros da coordenação política do governo Lula, ganharam o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, principal articulador da resistência oposicionista, o senador Arthur Virgílio, lugar-tenente de FHC no Senado, o antigo PFL, que sempre defendeu o fim do chamado imposto do cheque, e os empresários capitaneados por Paulo Skaf, presidente da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), entidade que reuniu mais de 1 milhão de assinaturas contra a extensão da cobrança (com o auxílio inestimável, registre-se, dos camelôs e seu comércio informal no centro da capital paulista, sem os quais o abaixo-assinado não teria sido tão volumoso).
Mas, como diz o conhecido epíteto, aos vencedores, as batatas. É óbvio que a derrota provocará um desarranjo nada desprezível nas contas do governo federal. Sem um plano B na cartola, a equipe econômica será obrigada a rever os gastos previstos em pleno ano eleitoral, conforme o cálculo político da oposição. Em 2007, a CPFM deve arrecadar cerca de 40 bilhões de reais. Diante dos atuais índices de crescimento da economia, estimava-se um aumento de receita em 2008. Boa parte do dinheiro é empregada em programas sociais, entre eles as aposentadorias rurais e o Bolsa Família, de reconhecido efeito nas eleições municipais do próximo ano, que tem peso relevante no jogo da sucessão presidencial de 2010.