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A nova revolução cultural
Para realizar o que pretende ser a mais perfeita, a mais cara e a mais inesquecível Olimpíada de todos os tempos, a China, literalmente, moveu montanhas. Fábricas foram transferidas e bairros inteiros, derrubados. Dezesseis centros esportivos brotaram do chão em prazo recorde, 87 quilômetros de trilhos de metrô foram estendidos e um exército de especialistas foi escalado para trabalhar dia e noite na hercúlea tarefa de limpar o ar de Pequim, cidade que registra 1 000 novos veículos por dia. Não contentes em submeter a capital do país a uma plástica que mudou suas feições, as autoridades empenharam-se em reformar também os pequineses. Além de conclamá-los a não cuspir nas ruas, não praguejar e mesmo a não pendurar roupas na sacada dos apartamentos, alguns distritos da capital (ela tem dezoito ao todo) chegaram a pedir aos aposentados que evitassem sair de casa para "dar mais lugar aos visitantes". Em poucos países campanhas como essas seriam recebidas com a naturalidade com que foram na China. Além da relação peculiar que os chineses têm com as autoridades, ajuda a explicar a adesão aos mandamentos o fato de o país estar ansioso por integrar-se ao mundo – rompendo, assim, com a tradição isolacionista que o regime comunista só acentuou. É isso que a Olimpíada representa para os chineses: um bilhete de entrada na sociedade moderna e, sobretudo, o reconhecimento do desenvolvimento de uma nação que, a despeito de toda a sua grandeza histórica, permanecia invisível antes da guinada econômica de trinta anos atrás.
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Farc, os e-mails que comprometem
Há cinco meses, tropas colombianas abriram um clarão na selva próximo à fronteira da Colômbia com o Equador. Realizada em território vizinho, a caçada implodiu um dos centros de comando das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), matou 23 de seus integrantes e causou um grave incidente diplomático na América do Sul. Em meio aos destroços, os militares recuperaram intactos três computadores portáteis que pertenciam a Raúl Reyes, o número 2 das Farc, especialista em finanças, expoente da ala mais radical e sangrenta da guerrilha e que foi morto na operação. A memória resgatada dos computadores de Reyes tem provocado efeitos políticos extraordinariamente positivos na região. O presidente venezuelano, Hugo Chávez, aparece nas mensagens como financiador das ações do grupo terrorista. O pouco que se revelou do conteúdo do computador do terror sobre Chávez já fez o ditador venezuelano abrandar o tom. De revolucionário passou, de uma hora para outra, a conciliador. Na semana passada, a revista colombiana Cambio publicou uma reportagem com base nos dados resgatados do computador de Reyes, mostrando que também no Brasil os tentáculos são tão grandes quanto já se suspeitava. É conhecida a histórica afinidade ideológica dos radicais do PT – felizmente, uma minoria – com o grupo terrorista. Os arquivos eletrônicos apreendidos, porém, revelam que desde a posse do presidente Lula essa aproximação foi ficando cada vez mais intensa, envolvendo integrantes do governo em ações políticas de interesse dos guerrilheiros.
As novas evidências sobre esses laços clandestinos estão reunidas em 85 mensagens eletrônicas trocadas por representantes das Farc entre 1999 e 2008. Apreendidos nos computadores de Reyes, os arquivos chegaram às mãos do ministro da Defesa, Nelson Jobim, e foram objeto de uma conversa mantida pelo presidente brasileiro com seu colega Álvaro Uribe na visita que Lula fez à Colômbia, há duas semanas. Embora nenhuma das mensagens divulgadas até agora tenha como interlocutor alguém do PT ou do governo, existem diversas referências a membros do partido e do governo brasileiro. A correspondência sugere vínculos das Farc com parlamentares, dirigentes petistas, cinco ministros e ex-ministros e três assessores pessoais do presidente Lula. As referências, em sua ampla maioria, revelam apenas tentativas de aproximação com o governo por meio de dirigentes e parlamentares petistas. Não haveria, portanto, nada que pudesse levar à conclusão de que há ou havia entre eles uma relação mais estreita. O problema é que, ao se verificarem alguns dos assuntos tratados, percebe-se que as ações de interesse dos narcoguerrilheiros foram bem-sucedidas – parte delas com apoio, segundo os relatos, de pessoas influentes do governo.
Visão de um curral eleitoral
O Brasil acordou, na semana passada, para o agravamento de um problema que parecia ter chegado a seu limite extremo: o domínio de vastas áreas da cidade do Rio de Janeiro por grupos armados. Já era conhecido o seu poder de mando, com força até para fechar o comércio. O que se descobriu agora é que os bandidos expandiram sua atuação. Além de impor uma lei própria, ordenando execuções e toques de recolher, passaram a tentar influir diretamente no processo eleitoral. Há evidências colhidas nos últimos dias:
• A polícia descobriu que o traficante que comanda a venda de drogas na Rocinha tem seu próprio candidato a vereador nestas eleições. E está coagindo os moradores a fazer sua campanha. Uma candidata a vereadora pelo PT foi ameaçada quando se preparava para fazer corpo a corpo no local. Não era bem-vinda.
• No Complexo do Alemão, favela localizada na Zona Norte da cidade e conhecida pela violência da quadrilha que domina a área, os traficantes também têm sua preferência eleitoral. Insatisfeitos com a presença do candidato a prefeito Marcelo Crivella, do PRB, obrigaram jornalistas a apagar as fotografias de suas máquinas digitais
Época
O drama do transplante de órgãos
Uma das principais criações da medicina mundial nas últimas décadas, os transplantes são uma glória nacional desde 1968, quando o professor Euriclydes de Jesus Zerbini instalou um coração no peito de um boiadeiro internado no Hospital das Clínicas, em São Paulo – o que fez do Brasil o terceiro país do mundo a realizar uma cirurgia dessa natureza. Há vários anos o Hospital do Rim, em São Paulo, acumula a condição de mais ativa unidade de transplantes do mundo em sua especialidade. Pelo tamanho de sua população, o Brasil realiza um grande número de transplantes por ano – perto de 15 mil –, o que lhe permite, pela quantidade, ocupar um dos primeiros lugares do mundo na especialidade. Em termos relativos, a situação é menos animadora. A quantidade de cirurgias realizadas no país é incompatível com as necessidades da população e as esperanças de prolongamento da vida que os avanços da medicina têm condições de oferecer. Estima-se que, todos os anos, seja realizada, no Brasil, apenas a metade do número de transplantes de córnea necessários. A situação é mais grave no caso de rim, um terço, e ainda pior para os pacientes de fígado, um quarto. Os transplantes de coração equivalem a menos de 5% do que seria preciso. As filas de espera crescem tanto que, dependendo do órgão, 10%, às vezes até 30%, dos pacientes morrem antes de ir para a sala de cirurgia.
Isto É
Até que ponto você pode mentir para seu filho?
”Vamos embora para casa, está na hora", decreta Kátia Forjaz, 34 anos, para os filhos, Rodrigo, nove anos, e João Vítor, quatro. Empolgados com as brincadeiras no parque, os meninos não obedecem à mãe. Com todos os pertences da família reunidos e a chave do carro na mão, Kátia tenta várias vezes convencer os garotos a partir. Em vão. Então, mesmo consciente de que não conseguiria cumprir a promessa, diz: "Vamos, amanhã a gente volta", afirma, exausta. Finalmente, os meninos decidem ir. Livre de escândalos e choradeira, a família segue em paz para casa. Pequenas mentirinhas como essa são usadas com freqüência por pais e mães quando querem evitar acessos de birra. Mas até que ponto é aceitável mentir para os filhos?
O caso dos grampos de ACM
Cinco anos depois, a denúncia de ISTOÉ sobre a existência de um esquema de grampos telefônicos para municiar perseguições a adversários do senador Antônio Carlos Magalhães – falecido em 2007 – provoca resultados na Bahia. Na terça-feira 29, o Ministério Público Federal denunciou o delegado da Polícia Civil e ex-assessor técnico da Secretaria de Segurança Pública do Estado Valdir Gomes Barbosa e o ex-vice-diretor da Central de Comunicações da mesma secretaria Alan Souza de Farias. Segundo o MP, os dois eram os responsáveis pelo esquema de escutas telefônicas montado por ACM. Os procuradores baianos propuseram que ambos respondam a Ação Penal Pública pelo crime de violação do sigilo telefônico sem autorização judicial.
Na sua edição de número 1741, de 12 de fevereiro de 2003, ISTOÉ denunciou que ACM montara um esquema na Secretaria de Segurança Pública da Bahia para monitorar os telefones de seus desafetos. Entre as vítimas do esquema estavam adversários políticos e pessoas da relação do ex-senador, como o então deputado federal e hoje ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima, o deputado do PT Nelson Pellegrino e a exnamorada de ACM Adriana Barreto. ISTOÉ obteve cópia de um dossiê em que transcrições de conversas eram acompanhadas de comentários escritos à mão pelo próprio ACM.
Aquele abraço…
Um dos poucos ministros remanescentes da equipe de Lula do primeiro mandato, o ministro da Cultura, Gilberto Gil, resolveu despedir-se do cargo na quartafeira 30. Em duas ocasiões anteriores – final do primeiro mandato e final de 2007– Gil havia pedido a Lula para sair. Agora, o presidente finalmente aceitou. No lugar de Gil, assume definitivamente o secretário-executivo, Juca Ferreira, que, com as constantes licenças do titular da Pasta, já era quem comandava de fato o Ministério. Criticado por se dedicar mais à música do que ao cargo público, Gil realmente era, mas não estava mais ministro da Cultura. A situação do ministro- cantor no governo chegou ao fundo do poço depois de reportagem publicada por ISTOÉ, há um mês, sob o título “O ministro sumiu”. De acordo com a matéria, com base em consulta à agenda oficial do ministro, este ano Gil havia passado mais tempo de licença – três meses e meio – do que em atividade pelo Ministério, contados os dias em que efetivamente despachou. No total, Gil percorreu, durante as viagens e turnês destinadas a apresentar a europeus e americanos o álbum Gil luminoso, mais de 60.745 quilômetros, o que corresponde a uma volta e meia ao redor do mundo.
Fernando Haddad entra no jogo
Ao cumprir agenda em Salvador esta semana, o presidente Lula voltou a apresentar a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, como sua candidata à sucessão de 2010. O gesto funcionou como um relançamento da candidatura. Mas não pôs fim aos rumores de que Lula está em busca de alternativas. Um forte indicador nesse sentido foi sua decisão de criar o cargo de coordenador dos programas sociais. Em princípio, a medida pretende desafogar a Casa Civil, pois hoje a coordenação é feita por Miriam Belchior, assessora especial de Dilma. Mas quem acompanha os ventos que sopram em Brasília concluiu rapidamente que o escolhido para a missão ganhará enorme projeção, até mesmo maior do que a da “mãe do PAC”. Primeiro nome citado, o ministro do Desenvolvimento Social, Patrus Ananias, mostrou a proverbial falta de ambição. Mas deixou escapar, em conversas informais com auxiliares, que a idéia foi sugerida ao Planalto pelo ministro da Educação, Fernando Haddad. O que faz de Haddad o favorito para a nova função. E mais: se enfeixar em suas mãos o controle de todas as ações sociais do governo, o jovial ministro assumirá, sem sombra de dúvida, o papel de opção preferencial à candidatura de Dilma. Haddad confirma que é o autor da proposta, mas nega qualquer motivação política. “Fiz uma sugestão de cunho administrativo, sem conotação política. O resto é pura especulação”, disse à ISTOÉ o ministro da Educação. “Defendi também que a tarefa seja entregue a um ministério-meio e não a um ministériofim, como Saúde e Educação. Para mim, o ideal é o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo.”