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Pelos motivos errados
O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, foi informado de que seu emprego está ameaçado. Ele criou zonas de desconforto ao defender a restrição da propaganda de bebidas alcoólicas e de comidas gordurosas. Temporão também é a favor da legalização do aborto e da volta da CPMF, o imposto do cheque. Em sua gestão, explodiram os casos de dengue no Brasil e a febre amarela, que parecia controlada, voltou a assustar. Se o presidente Lula decidisse demitir o ministro, não faltariam, portanto, justificativas mais do que razoáveis para isso. O problema é que Temporão está na linha de tiro pelos motivos errados. O PMDB, seu partido e principal cozinheiro no processo de fritura, quer a sua saída por razões bem mais palpáveis – ou polpudas, melhor dizendo. Desde que assumiu o ministério, em março de 2007, Temporão se recusa a nomear apadrinhados para cargos técnicos e dificulta a liberação de emendas de parlamentares aliados. O comportamento do ministro chega ao ponto de nem mesmo receber os deputados e senadores que lhe solicitam audiência. A cúpula do PMDB já foi ao Palácio do Planalto avisar que Temporão não é mais considerado da cota do partido. Em Brasília, isso normalmente funciona como uma espécie de aviso prévio.
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As desavenças do PMDB com o ministro já foram tornadas públicas pelos próprios integrantes do partido. "É impossível algum político ser atendido pelo senhor ou por seus assessores. Nem pelo telefone conseguimos falar", reclamou o deputado Eliseu Padilha, em um café-da-manhã promovido pelos peemedebistas e com a presença de Temporão. "As emendas não são liberadas e as nomeações combinadas não são cumpridas", acrescentou o parlamentar, um especialista em fisiologismo. Logo que o ministro assumiu o cargo, o PMDB levou uma lista com três nomes para ocupar a secretaria executiva, o segundo posto mais importante do ministério. Os nomes foram indicados pelas lideranças do partido na Câmara, no Senado e pelo governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, amigo de Temporão. O ministro, no entanto, desconsiderou as indicações e nomeou Márcia Bassit, uma auditora do Tribunal de Contas da União, com a orientação de examinar com lupa todos os contratos, convênios e indicações do ministério, alvos constantes de denúncias de irregularidade. Por causa desse cuidado, peemedebistas indicados para diretorias da Fundação Nacional de Saúde, um conhecido ninho de corrupção, foram vetados. As queixas foram levadas ao presidente Lula pelo presidente do PMDB, Michel Temer.
Lei Seca, a missão
No Brasil, 50% das 35.000 mortes ocorridas anualmente em acidentes de trânsito são causadas por motoristas alcoolizados. Trata-se de uma porcentagem altíssima: no Uruguai, ela é de 37%, no Chile, de 25%, e na Colômbia, de 10%. A lei que entrou em vigor no Brasil no último dia 20, e que estabelece tolerância zero ao uso de álcool por quem vai dirigir, tem o objetivo de trazer esses números para um patamar mais aceitável. E, a julgar pelos dados divulgados, está conseguindo: nos dez primeiros dias da aplicação da Lei Seca, como ficou conhecida, o número de mortos nas estradas federais caiu 16% em relação ao mesmo período do ano passado. Muito bem. Mas há um detalhe perturbador nessa história: já não existia no Brasil uma lei que limitava o consumo de álcool por motoristas? Sim: foi criada em 1997 e estabelecia um limite de 0,6 grama da substância por litro de sangue. E ela funcionava? Não: basta lembrar que, até duas semanas atrás, quem tivesse tomado duas taças de vinho num jantar, em geral, não via nenhum problema em seguir diretamente para o volante. Diante disso, surgem duas perguntas: por que a lei antiga não era aplicada? E, se não era aplicada, quem garante que a nova será?
Não é só o "feijãozinho"
"A culpa é do chuchu." A frase, que entrou para a história, foi dita em 1977 pelo então ministro da Fazenda, Mario Henrique Simonsen, para justificar a alta na inflação. Há dois meses, o atual ministro da Fazenda, Guido Mantega, emulou seu longínquo antecessor e afirmou que, "tirando o feijãozinho", não há por que se preocupar com a alta recente nos preços. Compreende-se que, agora, como no passado, os responsáveis pela condução da política econômica tentem tranqüilizar a população e evitar especulações. É o que se exige deles, pois a mera expectativa em relação ao comportamento futuro da inflação traz em si o poder de desencadear uma onda de remarcações, roendo o poder de compra da moe-da. O momento, de fato, exige cuidado. Após dois anos adormecida, a inflação voltou a preocupar e se faz sentir no bolso dos consumidores e poupadores. Até aqui, foram os pobres os que mais sofreram. Isso porque os reajustes vieram com mais intensidade nos alimentos, entre eles o "feijãozinho". O encarecimento da comida refletiu, em boa medida, o aumento generalizado no preço internacional das commodities. O custo da cesta básica (composta de produtos como arroz, carne e farinha) subiu mais de 20% em algumas capitais nos últimos seis meses. Mas a alta de preços é generalizada. Tanto que a classe média começa a sentir o golpe não só no supermercado como nos serviços. Para completar, suas aplicações financeiras perderam para a inflação no semestre que passou.
Época
A luta de Meirelles contra a nova inflação
No 20º andar do Edifício do Banco Central, onde fica o gabinete do engenheiro Henrique Meirelles, presidente do BC, avista-se uma das mais belas paisagens de Brasília. O cenário combina a arquitetura modernista da cidade com a vegetação original do Cerrado brasileiro – sob um céu de azul magnífico.
Numa das estantes da sala de reuniões, uma pequena moldura guardou para a eternidade a carta de um admirador. O texto é um legítimo troféu de guerra. Mencionando as críticas que a CUT, o PT, o MST e toda a sopa de letras da base do governo fizeram a Henrique Meirelles desde sua posse no Banco Central, um cidadão comum lembrou a contínua prosperidade alcançada pela economia brasileira nos últimos anos para fazer uma confissão. “Estou perplexo”, escreveu, em agosto de 2007. “Gênio ou louco? Em qualquer dessas opções, (Henrique Meirelles) é o herói da gestão Lula”.
Agora, nem um gole de álcool
No ano passado, mais de 36 mil pessoas perderam a vida no trânsito brasileiro. O número em si já assusta, mas as relações que se podem fazer a partir dele são ainda mais alarmantes. Uma delas: essa multidão equivale a pouco mais da metade dos mortos por ano no trânsito dos Estados Unidos, embora a frota americana de automóveis seja seis vezes maior que a nossa. Quer dizer que, no Brasil, morre-se ao volante três vezes e meia mais que nos EUA. Outra relação: nos últimos cinco anos, o número de mortes nas estradas e nas ruas do Brasil cresceu 17%, enquanto na França as mortes no trânsito no mesmo período diminuíram 35%. Se no Brasil tivesse ocorrido uma queda idêntica, o país teria enterrado menos de 20 mil pessoas em 2007, em vez de 36 mil.
Já se calculou que os 98 mortos diários do asfalto brasileiro equivalem a um jato Airbus a cada 48 horas. O que não se sabia é que o número de passageiros nesse avião da morte cresce em média 4,3% ao ano. Se o problema continuar aumentando a essa taxa, em 18 anos o país terá de lidar com um jato de mortos a cada 24 horas. “A situação tornou-se insuportável”, afirma Alberto Sebagg, diretor da Associação Brasileira de Medicina do Trânsito. “O país gasta R$ 25 bilhões por ano em atendimento médico às vítimas do trânsito e perde uma parte importante de sua juventude em acidentes.”
Carta Capital
Princípios conflitantes
Doutora em Ciência Política e professora aposentada da USP, Maria Tereza Sadek vê com bons olhos a polêmica em torno da divulgação do nome dos candidatos com processos na Justiça. Desde que discuta os princípios jurídicos e vá além dos interesses partidários.
CartaCapital: A senhora concorda com a tese de que os candidatos com “ficha suja” devem ser vetados?
Maria Tereza Sadek: Depende da natureza do processo. Uma coisa é uma suspeita a respeito de um desvio administrativo, outra é ter o candidato processado, julgado, já sem nenhuma possibilidade de apelação, por conta de um crime de corrupção. Esses deveriam ser proibidos, desde que não tenham cumprido a pena. Mas a questão toda reflete interesses diferentes. Um setor da magistratura e da sociedade está muito preocupado com os direitos individuais e a presunção de inocência. Outro setor da sociedade e da magistratura está orientado pela transparência, pela necessidade de termos eleições limpas, para quem as questões sociais são mais relevantes.
CC: A senhora é favorável à publicação do teor dos processos?
MTS: Aí sim, para que o eleitor possa distinguir do que se trata.
CC: Como a senhora viu a manifestação do presidente do STF, considerando populista a divulgação da lista dos candidatos?
MTS: Neste caso, o ministro Gilmar Mendes está dizendo que está se orientando pela presunção de inocência, que seria, para ele, o mais alto dentre todos. E está desqualificando os representantes da Associação dos Magistrados do Brasil. Se debatermos os princípios, a discussão poderá andar. Se ficar em termos mais políticos rasteiros, aí não anda.
CC: É possível dizer que houve avanços nas regras para as próximas eleições?
MTS: Mais uma vez as regras não são estáveis nem claras. Essa história das regras mudarem de eleição para eleição é muito negativa para o eleitorado e a democracia. Mas há progressos do ponto de vista da transparência. Há muitas campanhas, inclusive lideradas pela magistratura, para eleições limpas. O Ministério Público e a Defensoria também atuam nesse sentido, assim como muitas entidades da sociedade civil.
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