Veja
Ação da Abin sob suspeita
Na segunda-feira da semana passada, após VEJA revelar que espiões monitoraram ilegalmente o Supremo Tribunal Federal e que o mesmo pode ter acontecido no Palácio do Planalto, o presidente Lula questionou o general Jorge Félix, chefe do Gabinete de Segurança Institucional, sobre a possível participação de arapongas da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) nessas ações. O general, a quem a Abin é subordinada, limitou-se a repetir ao presidente o que uma nota oficial da agência sustenta: se houve participação de espiões na Operação Satiagraha, na qual a Polícia Federal prendeu o banqueiro Daniel Dantas, ela aconteceu à revelia da cúpula. Lula não acreditou numa única palavra do que disse o general – nem podia. A PF está investigando o delegado responsável pelo caso, Protógenes Queiroz, assim como a extensão do envolvimento clandestino, perigoso e ilegal da Abin na operação. Sabe-se que, ao contrário do que o delegado informou, a ação dos espiões foi ampla, a ponto de terem escutado clandestinamente o que se falava no interior do gabinete do presidente do STF. Também produziram um vídeo em que aparece um suposto assessor do tribunal jantando com advogados do banqueiro.
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Diante das evidências gravíssimas de que a Abin participou ilegalmente dessa investigação, o diretor-geral da agência, Paulo Lacerda, comparecerá à CPI dos Grampos nesta semana para prestar esclarecimentos. Ele vai ter muito que explicar. A participação da Abin na operação começou em outubro do ano passado, quando Lacerda deixou o comando da PF e assumiu a direção da agência. O delegado Protógenes, assim como Lacerda, acreditava que havia uma conspiração oficial para impedir a continuidade da investigação contra o banqueiro. Eles decidiram agir nas sombras. A Abin, sem nenhuma autorização formal, mobilizou cerca de quarenta arapongas para atuar em missões que iam da análise de documentos fiscais à escuta de grampos telefônicos e vigilância de suspeitos. Parte desses trabalhos era discretamente feita nas instalações do Setor de Operações Internas da Abin. Protógenes, que se reportava diretamente a Paulo Lacerda, coordenava as investigações numa sala da Diretoria de Inteligência da PF. Até ali havia arapongas infiltrados. No início do ano, o delegado Daniel Lorenz, chefe imediato de Protógenes, flagrou um agente da Abin passeando tranqüilamente dentro da divisão. Chamado a se explicar, o delegado disse ao superior que estava sobrecarregado – e que o araponga estava apenas ajudando a analisar as mensagens eletrônicas interceptadas na operação. Os diretores da PF ficaram preocupados: Protógenes havia concedido à Abin acesso aos dados de quebra de sigilo autorizados pela Justiça somente à PF.
A exploração do petróleo…
O Brasil despertou, no ano passado, para uma potencial riqueza depositada nas profundezas de seu litoral: as reservas petrolíferas existentes na chamada camada do pré-sal, situada a 300 quilômetros da costa e a 7 000 metros abaixo da linha d’água. Não se sabe ao certo quanto petróleo existe na região. Nem se sabe com precisão a viabilidade econômica de extrair o produto a uma profundeza equiparável a um Monte Everest abaixo da linha d’água – e em mar alto. Alguns especialistas estimam que possa haver 80 bilhões de barris, quantidade suficiente para alçar o país ao posto de sexta maior potência petrolífera do mundo, à frente da Venezuela. Seria muito petróleo. E muito dinheiro. Pela cotação atual, de 112 dólares por barril, as reservas do pré-sal, se comprovadas, valeriam 9 trilhões de dólares, ou sete vezes o PIB brasileiro. Até pouco tempo atrás, a perspectiva de tamanha riqueza vinha atiçando todo tipo de devaneio nacionalista. Sugeriu-se que o Brasil antecipe seu ingresso na Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep). Falou-se ainda na necessidade de acelerar o projeto do submarino nuclear nacional para defender o tesouro submerso da ganância das potências estrangeiras.
Na semana passada, o presidente Lula saiu do campo da especulação e mostrou as idéias em estudo dentro do governo para fazer dessa dádiva uma riqueza para todos. Em um discurso na União Nacional dos Estudantes (UNE), Lula defendeu mudanças na Lei do Petróleo, que em 1997 quebrou o monopólio da Petrobras e prevê a participação de investidores privados – inclusive estrangeiros – na prospecção e exploração. Para o presidente, a riqueza do pré-sal não pode ficar "na mão de meia dúzia de empresas" e deve ser usada para "resolver o problema de milhões de pobres que estão aí". A frase traduz duas propostas que estão sendo estudadas pelo governo: queimar parte dos recursos das novas descobertas de petróleo em programas sociais; e afastar os investidores privados das megarreservas ainda não licitadas no campo do pré-sal. Lula pediu o apoio estudantil para sua causa e conclamou a população a reeditar a campanha do "petróleo é nosso", do fim dos anos 1940, que culminou na criação da Petrobras, em 1953.
Época
O cassino olímpico
Discretamente, com muito menos alarde que na luta contra o doping, o Comitê Olímpico Internacional (COI) tem tomado medidas contra uma ameaça igualmente devastadora para o esporte: o risco que o bilionário mercado internacional de apostas na internet representa para a lisura das competições nos Jogos.
Nestes Jogos de Pequim, pode-se apostar em um pouco de tudo – Michael Phelps ganharia oito medalhas de ouro, superando o recorde de Mark Spitz? O Dream Team americano vai ganhar o torneio de basquete? O quadro abaixo apresenta dois exemplos do sobe-e-desce das cotações, extraídos de um dos principais sites do gênero. Para apostar, basta dispor de um cartão de crédito, aprender algumas regras simples e ter acesso à web. Não admira que esse mercado já ultrapasse, segundo uma estimativa, os US$ 20 bilhões em todo o mundo. Os principais sites de apostas já são empresas de grande porte, que patrocinam alguns dos maiores times de futebol do mundo.
O crescimento desse mercado começou a preocupar o COI, sobretudo depois que a Associação de Tenistas Profissionais descobriu que resultados suspeitos no circuito profissional de tênis coincidiam com oscilações estranhas nas apostas. Uma investigação localizou 45 jogos, nos últimos cinco anos, que podem ter sido manipulados. Em geral, são “zebras” – jogos em que o favorito perde inesperadamente. Num deles, um dos dez melhores tenistas do mundo, o russo Nikolay Davydenko, perdeu de virada para o desconhecido argentino Martín Vassallo Argüello. O site Betfair, um dos maiores do ramo de apostas, registrou – e anulou – repentinas apostas de US$ 7 milhões contra Davydenko, quando ele ainda estava vencendo. O jogador se defendeu das acusações de ter “entregado” o jogo.
Carta Capital
Contra o cinismo
O juiz espanhol Baltasar Garzón ficou mundialmente conhecido em 1998 ao ordenar a prisão do ditador chileno Augusto Pinochet por crimes contra a humanidade. Foi a mais notória decisão do magistrado que construiu uma carreira baseada no combate à impunidade dos torturadores de cidadãos da Espanha na América Latina, em especial no Chile e na Argentina. A pressão externa de Garzón engrossou o caldo de cultura que permitiu a esses dois vizinhos do Brasil levar aos tribunais militares acusados de tortura e assassinatos durante as respectivas ditaduras.
Garzón é a estrela do seminário Direito à Memória e à Verdade, que ocorre em São Paulo na segunda-feira 18. O evento é uma realização de CartaCapital e da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, com patrocínio da Caixa Econômica Federal e da Unesp. O juiz interrompeu uma hora de suas férias na Colômbia, de onde virá ao Brasil, para uma conversa por telefone com a revista. Disse não estar nos seus planos investigar crimes de tortura no País, mas que a punição a torturadores é um passo importante à consolidação da democracia. “O mais acertado, o mais humano é que os arquivos sejam abertos e os culpados responsabilizados”, afirmou.
O diagnóstico do juiz De Sanctis
Fausto De Sanctis está certo: o Brasil não é um país civilizado. No seu depoimento à CPI dos Grampos encenada na Câmara Federal, aquele que é chamado de “juiz da Operação Satiagraha” desagradou o auditório, inclusive os perdigueiros da informação ali reunidos, ao expor com precisão as suas motivações e ao demolir a tese da escuta telefônica generalizada. Quanto ao Brasil, poderia ter dito que lhe faltam os atributos de país verdadeiramente democrático e autenticamente republicano.
No caso da 6ª Vara Criminal de São Paulo, da qual é titular, apenas 2,43% dos inquéritos em andamento foram contemplados com interceptações telefônicas. Vale perguntar aos nossos botões por que De Sanctis foi convocado. De imediato respondem: porque mandou prender duas vezes o mestre grampeador, Daniel Dantas. Grão-mestre em artes diversas, a começar pela desfaçatez de se apresentar como vítima e de negar ter grampeado quem quer que seja em tempo algum.
A mídia, rosto peremptório do poder, não simpatiza com De Sanctis e cuida de minimizá-lo, quando não de interpretá-lo da pior maneira. Ele próprio esboça a correção (“queria dizer que o Brasil não é do Primeiro Mundo”), mas o soneto é que convence. A própria CPI dos Grampos e o comportamento midiático provam o implacável acerto. Sem contar a impunidade do orelhudo. Às vezes, sobra a impressão de que ele é o dono do Brasil.
Cadê os vagabundos?
Uma estatística recém-divulgada pelo Ministério do Desenvolvimento Social derrubou outra tese defendida pelos críticos mais ferrenhos do Bolsa Família: a de que o programa alimenta a vadiagem do povo brasileiro. Desde a sua criação, há quatro anos, 60.165 famílias beneficiadas pediram voluntariamente o seu desligamento. “É a prova de que os pobres não estão se acomodando”, avaliou o ministro Patrus Ananias.
Nos últimos dias, trechos de cartas encaminhadas por ex-beneficiários, a solicitar o cancelamento dos pagamentos, ganharam as páginas dos jornais. Alguns trazem relatos comoventes, como o da ajudante de serviços gerais Sueli Miranda, de 47 anos, reproduzido pelo diário O Estado de S. Paulo: “Bom dia! Eu, Sueli Miranda de Carvalho Silva, venho, por meio destas linhas, agradecer os idealizadores do Bolsa Família, os anos que fui beneficiada. Ajudou-me na mesa, o pão de cada dia. Agora, empregada estou e quero que outro sinta o mesmo prazer que eu, de todo mês ser beneficiada. Obrigada”.
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