VEJA
Obama, a resposta
Em 21 meses de campanha o presidente eleito dos Estados Unidos, Barack Obama, foi testado e provocado por seus oponentes — e também adulado e protegido pela imprensa. Aos ataques e à bajulação, reagiu com dignidade. Mostrou talento incomum e ideais nobres. Sua vitória reafirma o poder americano de renovar o país e surpreender o mundo.
Por que é um erro revogar a Lei de Anistia
Trabalho não falta ao ministro da Justiça, Tarso Genro. A Polícia Federal enfrenta um processo de balcanização sem precedentes, espiões oficiais grampeiam ministros, o tráfico de drogas faz explodir os índices de criminalidade e, nas delegacias dos quatro cantos do país, o pau-de-arara ainda é método de interrogatório. Mas Genro, infelizmente, é um homem sem foco. Tanta coisa urgente com que se preocupar e ele encasquetou revisar a Lei da Anistia, promulgada há quase três décadas. Revisar só para um dos lados, enfatize-se. Quinze anos depois da instauração do regime militar no Brasil, generais e opositores chegaram a um acordo que permitiria iniciar o processo de abertura política, sem maiores solavancos. Esse acordo foi a Lei da Anistia, assinada em 1979. Para que fosse ampla, geral e irrestrita – e não parcial, como queria boa parte da caserna –, reuniram-se políticos, estudantes e trabalhadores naquele que foi o primeiro movimento coordenado da sociedade civil depois do golpe de 1964. Graças à anistia, conquista intensamente festejada por todos os democratas, puderam voltar ao país ou sair da clandestinidade José Serra, Fernando Gabeira, Leonel Brizola, José Dirceu e Franklin Martins, entre outros exilados ilustres e nem tanto. A legislação zerou o jogo, cancelando a punição a criminosos políticos, terroristas e também, como contrapartida, aos torturadores que, nos porões da ditadura, supliciaram adversários do regime. Ampla, geral e irrestrita, repita-se, foi um daqueles atos de pacificação interna dos quais é pródiga a história das nações.
A Lei da Anistia viria a sofrer modificações. Em 1985, na mesma emenda que convocou a Assembléia Constituinte, o então presidente José Sarney deliberou que fossem concedidas as devidas promoções a servidores civis e militares cujas carreiras houvessem sido interrompidas pelo arbítrio. A Constituição de 1988 estendeu o benefício a empregados do setor privado e sindicalistas. Em 1995, sob a Presidência de Fernando Henrique Cardoso, concedeu-se às famílias de mortos e desaparecidos políticos o direito de receber indenizações. Também foi organizada uma comissão para o reconhecimento dos desaparecimentos. Em 2001, uma lei, substituída por outra em 2002, ampliou a reparação aos danos causados pela ditadura, autorizando o pagamento de indenizações, em caráter retroativo, inclusive àqueles cujas carreiras tivessem sido prejudicadas (o que ensejou, como não poderia deixar de ser, a entrada de muitos oportunistas na fila dos casos analisados pela Comissão de Anistia, criada pelo governo para fazer essa avaliação). Os acréscimos à lei original amparam-se no fundamento de que, não importa o regime de ocasião, o estado brasileiro é responsável pelos indivíduos que estão sob sua guarda, devendo zelar pela sua integridade física e mental. O outro fundamento invocado é aquele segundo o qual está vedado ao estado interferir negativamente na vida profissional dos cidadãos. Com as mudanças, as compensações pagas pela União somaram 2,5 bilhões de reais entre 2001 e 2007.
Delegado Protógenes é investigado pela PF
Delegado do caso Daniel Dantas é investigado pela Polícia Federal por comandar ações clandestinas e ilegais em associação com arapongas da Abin
Personagem principal da operação policial que culminou na prisão temporária do ex-banqueiro Daniel Dantas, o delegado Protógenes Queiroz notabilizou-se, porém, pelos motivos errados. Em primeiro lugar, seu relatório da investigação é uma peça de leveza insustentável, lisérgica, exarada em uma linguagem bastante parecida com o português e com deduções desamparadas de provas. O delegado se propôs a desmantelar o que via como uma gigantesca organização criminosa envolvendo políticos, jornalistas, empresários, ministros, magistrados e até assessores do presidente da República. Durante mais de dois anos, Protógenes teve carta-branca para grampear e investigar a "organização criminosa". Ao final, tinha em mãos um único grande feito: a prisão em flagrante de emissários de Dantas que tentavam subornar policiais federais. O triunfo se seguiu com a prisão do próprio Dantas, logo solto por habeas corpus. O sucesso da operação acabou soterrado pelo estrambótico relatório e pela revelação dos abusos cometidos por Protógenes e sua equipe durante as investigações.
Na semana passada, o delegado teve sua residência vasculhada por agentes da própria Polícia Federal. Foram apreendidos computadores e documentos pertencentes a Protógenes, que passou de investigador a investigado. A corregedoria da polícia investiga a extensão dos métodos ilegais e clandestinos do delegado, que incluíam o uso de ex-jornalistas de aluguel que hoje prestam serviços pagos na internet. As investigações da PF contra Protógenes começaram desde que se revelou que espiões da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) participaram clandestinamente da operação contra Daniel Dantas. Em depoimento ao Congresso, o delegado disse que a participação dos arapongas foi mínima. Já se sabe que os espiões fizeram de tudo, inclusive grampearam ilegalmente os telefones de várias autoridades, conforme VEJA revelou há dois meses, apresentando um diálogo interceptado entre o presidente do Supremo Tribunal Federal, o ministro Gilmar Mendes, e o senador Demóstenes Torres (DEM-GO). A conversa telefônica, confirmada pelas duas autoridades, foi obtida com um araponga a serviço da Abin.
ÉPOCA
A era Obama
A vida histórica, os sonhos de uma nação, a esperança global – e o cenário crítico que desafia o futuro presidente dos Estados Unidos. […]Na noite de terça-feira, o senador Barack Hussein Obama, que tinha 7 anos de idade quando Martin Luther King Jr. foi assassinado, recebeu 52% dos votos e tornou-se o primeiro presidente negro da história dos Estados Unidos. Conseguiu 43% dos votos dos eleitores brancos – porcentagem idêntica ao melhor desempenho do ex-presidente Bill Clinton nessa faixa específica do eleitorado e ligeiramente superior à de todos os demais candidatos do Partido Democrata, fora Jimmy Carter. Obama ainda conquistou eleitores em Estados que sempre foram fortalezas republicanas, como a Virgínia, sede da República Confederada, aquela aliança de oligarcas escravistas que fez uma guerra civil para defender o cativeiro, no século XIX.
Sob inspiração de Obama, o Partido Democrata ganhou um novo governo estadual, consolidou a maioria no Senado – por 56 votos a 44, sem contar três Estados com apurações mais demoradas – e reforçou a vantagem da Casa de Representantes, que agora é de 257 deputados contra 178. Em 20 de janeiro de 2009, Barack Obama entrará na Casa Branca para governar o país mais poderoso do planeta, que possui a maior economia e alimenta a cultura mais influente. “Obama é a liderança de que os Estados Unidos precisam”, diz Daryl Clay, contador numa igreja evangélica de Washington. Nos últimos dez meses, ele dedicou suas horas livres à máquina de 5 millhões de voluntários que ajudaram a carregar a candidatura de Barack Obama até a vitória – e, na terça-feira à noite, levou a mulher para se manifestar em frente à Casa Branca.
De investigador a suspeito
Na disputa dentro da Polícia Federal, o delegado que prendeu o banqueiro Daniel Dantas vira alvo de investigação e acusa a corporação de sabotá-lo. […]A Satiagraha, cujo objetivo era desbaratar um suposto esquema criminoso, provocou danos dentro do governo e do Judiciário. Na PF, a guerra interna se tornou aberta. A Abin perdeu seu comando. No Judiciário, juízes federais entraram em conflito com o Supremo Tribunal Federal por causa dos dois habeas corpus concedidos a Dantas. Agora, mais desavenças vêm à tona. A Corregedoria da Polícia Federal investiga vazamentos e quebra de regras na condução da Satiagraha por seu comandante, o delegado Protógenes Queiroz.
Por ordem da Corregedoria, agentes da PF bateram à porta do apartamento de Protógenes na Asa Norte, em Brasília, na quarta-feira passada, pouco depois das 5 horas da manhã. Estavam em casa apenas a mulher e o filho de Protógenes, de 7 anos. Os policiais recolheram documentos e computadores. Quase ao mesmo tempo, outra equipe chegava ao Hotel Shelton, no centro de São Paulo, onde Protógenes se hospeda na cidade. Ele estava lá. Os agentes tomaram seu telefone celular, seu rádio de comunicação, um computador portátil e papéis com anotações à mão. O apartamento do filho mais velho de Protógenes, no Rio de Janeiro, também foi visitado. “Foi uma retaliação”, diz Protógenes. “Fazem isso para desviar o foco do verdadeiro bandido.” No mesmo dia, os policiais apreenderam computadores e documentos na sede da Abin, em Brasília, e em seus escritórios em São Paulo e no Rio.
O debate incômodo
A divisão dentro do governo sobre a punição a torturadores preocupa o presidente Lula. O regime militar (1964-1985) terminou há mais de 20 anos, mas sua herança ainda incomoda. Há duas semanas, o governo está dividido em um debate sobre uma questão fora do alcance dos ministros, nas mãos da Justiça. A Advocacia-Geral da União (AGU), órgão encarregado de defender o governo, emitiu um parecer contra a punição dos coronéis da reserva Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir Santos Maciel. Os dois são processados, acusados de torturar presos políticos durante o regime militar. A AGU considera que as acusações contra eles estão prescritas desde a Lei da Anistia, de 1979. Os ministros Tarso Genro (Justiça), Dilma Rousseff (Casa Civil) e Paulo Vanucchi (Direitos Humanos) pressionam para que a AGU mude seu entendimento e abra espaço para uma revisão da lei. Do outro lado, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, defende o parecer da AGU.
A situação já incomoda o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na semana passada, Lula disse a um interlocutor que considera o debate sobre a revisão da Lei de Anistia um “desserviço ao país”. Afirmou que a idéia de penalizar hoje militares por crimes cometidos durante a ditadura não vai prosperar. E se disse preocupado porque o assunto tem colocado integrantes de seu governo uns contra os outros. “O momento político é ruim para essa discussão”, disse Lula, segundo o interlocutor. “O Tarso, por exemplo, tem falado demais, coisa que não deve.”
A dama saiu do vermelho
Após dois anos de crise política, a governadora do Rio Grande do Sul, Yeda Crusius, consegue finalmente respirar.
O maior negócio da história do Brasil
Os bastidores da negociação que levou à fusão entre o Itaú e o Unibanco para criar o maior banco do hemisfério sul
CARTA CAPITAL
A esperança Obama
O significado real e simbólico da vitória democrata. […] Deixemos de lado, porém, os aspectos simbólicos e partidários. Do ponto de vista concreto e prático, pode-se dizer que o resultado da eleição de fato traz “mudança”, como prometia Obama e temiam os republicanos? Ou fez muito barulho por nada e tudo continuará como dantes? É o que afirmam candidatos presidenciais independentes, como Ralph Nader, os obscuros partidos nanicos dos EUA e muitos extremistas de direita e esquerda. Mas não, vale notar, radicais que têm a mão na massa como Fidel Castro e Hugo Chávez.
Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Em janeiro de 2009, os EUA continuarão um império que age como tal. Continuarão capitalistas, isso nem se discute, e ainda mais individualistas e com menos proteção social e intervenção estatal do que qualquer concorrente entre os países desenvolvidos.
Embora os conservadores chamem Obama de “radical”, um estudo da Universidade da Califórnia o classifica, pelas posições nos debates dos quais participou, como poucos milímetros mais “liberal” que a média dos congressistas democratas, na mesma posição de Hillary Clinton (que, com o marido, liderou a guinada neoliberal dos democratas nos anos 90) e bem menos “à esquerda” que outras figuras importantes, como Russ Feingold (o único senador que votou contra o Patriot Act) e mesmo a presidente da Câmara, Nancy Pelosi.
Confundir é o propósito
Só a má-fé política pode explicar o ataque do ministro Gilmar Mendes aos argumentos da ministra Dilma Rousseff, que, publicamente, declarou sua oposição aos benefícios da Lei da Anistia estendida a todos os agentes da repressão política durante o regime militar, responsáveis por tortura contra prisioneiros políticos. Um crime imprescritível.
Em defesa dos torturadores e em tom de ameaça, sustenta o presidente do Supremo Tribunal Federal que “a imprescritibilidade (do crime de tortura) é uma discussão com dupla face. O texto constitucional diz que o crime de terrorismo também é imprescritível”.
Gilmar Mendes embaralha as cartas para confundir. A adesão à luta armada, tomada por uma parte da esquerda, nos anos 1970, foi um recurso legítimo à violência política para combater um regime ditatorial que baniu do País os direitos políticos e mandou adversários para as prisões. Se terá sido uma decisão certa ou errada é uma boa discussão. Para outra hora.
Espera prolongada
Depois de 12 anos de tramitação no Congresso, o projeto de lei que regulamenta a exploração das terras indígenas terá de esperar mais tempo para ser votado. Na 18ª reunião da comissão especial da Câmara dos Deputados para tratar da questão, os deputados fizeram pedido de vista coletivo. “Não poderíamos aprovar o relatório pela simples leitura. Seria leviano”, resumiu o deputado Moreira Mendes (PPS-RO).
O projeto regulamenta o milionário mercado de exploração das terras indígenas, seja para extração mineral ou pesquisa. Se a proposta do deputado Eduardo Valverde (PT-RO) for aprovada, a exploração será feita por meio de licitação e somente com a aprovação das comunidades indígenas e do Congresso. Caberão ao Poder Executivo, comunidades e demais interessados apontarem as áreas a serem licitadas para exploração.
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