Antônio Augusto de Queiroz*
A reforma da Previdência de 2003, além da contribuição dos inativos, cometeu mais pelo menos quatro grandes perversidades, sendo duas no texto constitucional e duas na regulamentação: i) quebra da integralidade do benefício decorrente de acidente de trabalho, ii) quebra da paridade na pensão em função da regra de aposentadoria, iii) a exclusão dos servidores com direito a aposentadoria especial do direito ao abono de permanência, e iv) negação de reajuste ao aposentado e pensionista sem direito à paridade. A primeira e a última podem ser facilmente corrigidas, inclusive por medida provisória, já que foram introduzidas na regulamentação da Emenda 41.
A aposentadoria por invalidez, segundo o inciso I, do § 1º do art. 40 da Constituição, com a redação dada pela Emenda 41/2003, será proporcional, exceto se decorrente de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, na forma da lei. A diferença entre o texto da Emenda 41 e o anterior, que garantia aposentadoria integral nos casos de invalidez por acidente de trabalho ou doença, é muito sutil: troca-se “especificados em lei” por “na forma da lei”.
Leia também
A Lei 10.887, de 18 de junho de 2004, ao regulamentar os cálculos das aposentadorias, em lugar de assegurar a integralidade para as aposentadorias por doença e acidente em serviço, ou seja, a última remuneração, como seria de justiça, determinou a aplicação da “integralidade” da média aritmética simples das maiores remunerações, correspondente a 80% de todo o período contributivo desde a competência julho de 1994. Isso representou, além da conseqüente perda da paridade, já que a aposentadoria não observou a integralidade, uma grande redução no poder de compra de servidor vítima do infortúnio da doença ou do acidente.
A perda da paridade para a pensão concedida após 31 de dezembro de 2003 (data da promulgação e publicação da Emenda 41) foi parcialmente reposta na Emenda 47, na chamada PEC Paralela, para os servidores que ingressaram no serviço público antes de 16 de dezembro de 1998. Por erro de redação, entretanto, o texto assegurou paridade apenas ao pensionista de servidor aposentado com base nas regras de transição, ou seja, daquele servidor que utilizou tempo de serviço excedente para abater ou reduzir a idade mínima, nos termos do inciso III do art. 3º da Emenda Constitucional 47/2005.
A conseqüência do erro – cuja correção depende da aprovação da PEC Paralela da Paralela (PEC 441/2005) que está aguardando instalação de comissão especial na Câmara, após ter sido aprovada no Senado em 2005 – é uma tremenda injustiça para os pensionistas dos servidores que cumpriram todos os requisitos para aposentadoria (idade mínima, tempo de serviço público e tempo de contribuição), sem se utilizar da regra de transição. A situação é vexatória e requer uma solução rápida.
Um exemplo pode ilustrar bem a injustiça da regra. Se dois aposentados fossem vítimas fatais de um mesmo acidente e um tivesse se aposentado pela regra de transição e o outro pela regra permanente, o primeiro deixaria para seus pensionistas o direito à paridade, enquanto o segundo, mesmo tendo cumprido todos os requisitos para a aposentadoria, não deixaria a paridade, pelo simples fato de que a Emenda 47, por um erro de redação, só assegurou o benefício aos aposentados com base na regra de transição.
Outra omissão que resulta em injustiça se refere ao abano de permanência, equivalente ao valor da contribuição previdenciária, que é devido ao servidor que preencheu as condições para requerer aposentadoria, mas resolveu permanecer em atividade. Os servidores com direito a aposentadoria especial (policiais, portadores de deficiência, servidores sujeitos a atividade de risco ou prejudiciais à saúde) estão excluídos do direito ao abono, mesmo que permaneçam em atividade. O correto seria esse servidor requerer aposentadoria tão-logo
completasse seu tempo, mas aqueles que resolvessem continuar em atividade – e muitos continuam – também fazer jus ao abono.
A última perversidade analisada diz respeito à ausência de qualquer atualização das aposentadorias e pensões dos que perderam o direito à paridade, tendo se aposentado ou deixado pensão calculada com base na média de contribuições, de que trata a Lei 10.887/2004. Esse grupo de pessoas, formado por aposentados e pensionistas, além da redução extraordinária em seus proventos, desde a edição da Lei 10.887, em 18 de julho de 2004, está sem atualização de seus proventos.
A maldade decorre do artigo 15 da Lei 10.887, segundo o qual “os proventos de aposentadoria e as pensões de que tratam os artigos 1º e 2º desta lei serão reajustados na mesma data em que se der o reajuste dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social”. Como o texto não diz que “serão reajustados com o mesmo índice e na mesma data”, o governo simplesmente ignora a regra e não atualiza os proventos desses aposentados e pensionistas. Quem estiver nessa condição não deixe de ingressar com ação judicial porque se trata de um direito líquido e certo e dificilmente o Judiciário deixará de mandar aplicar a regra do INSS.
O debate de nova reforma da previdência, em lugar de ampliar o número de perversidades, deveria corrigir essas enormes injustiças, que resultaram de maldades, de displicências ou de omissão dos que fazem as leis no país. Os aposentados e pensionistas que contribuíram para fazer jus a um descanso decente merecem respeito. Que os deputados e senadores aprovem as propostas destinadas a reparar essas distorções.
*Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, analista político e diretor de Documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).