André Rehbein Sathler *
Se em 2015 a crise política engendrou a crise econômica, em 2016 o caos do PIB se autonomizou e a economia passará a retroalimentar viciosamente o cenário institucional nacional. Ou seja, se antes a economia parecia estar mais afetada pela crise política, agora ela passa a ser agente fomentador dessa mesa crise. Comprovadamente, quando o bolso é afetado, o humor se esvai e as críticas se tornam mais ácidas. Das ruas, portanto, o que se pode esperar é a expressão coletiva desse mau humor, em suas mais variadas formas: manifestações, greves, retração de investimentos, preferência pela liquidez. Em seu efeito mais radical, pode aumentar a violência.
Sintomaticamente, janeiro trouxe a volta dos manifestantes contra o aumento das passagens do transporte urbano, que foram o estopim das já famosas megamanifestações de 2013. Confrontadas com a piora das condições de vida e com a agudização da polarização política, bem como com temas que requerem posicionamentos radicalmente excludentes – a favor e contra o impeachment, por exemplo – as massas tendem a se tornar mais instáveis Sabidamente, manifestações de massa, com o que contém de subversão das hierarquias, são indigestas para o Estado.
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O retorno do processo inflacionário, deixado agora ao seu bel prazer, desde que o Banco Central assumidamente jogou a toalha, com a decisão de manter a taxa de juros tomada na última reunião do Copom, acirra as expectativas de recomposição dos salários. Com isso e o desemprego rampante, as greves devem se tornar maiores e mais frequentes – em 2012, foram 877, o maior número desde 1997; em 2013 foram 2.050, segundo os dados mais recentes do Dieese. Greves gigantes, como a do Poder Judiciário em 2015, com todos os transtornos que causam, devem se repetir.
Sempre candidato a bode expiatório – se há governo sou contra – um governo fragilizado atrai ainda mais culpa, como um forte magneto. Com isso, crescem as expectativas por algo diferente. Esse algo diferente engloba tanto a simples esperança de abreviar a troca de comando, quanto a circulação de propostas heterodoxas, como a adoção do parlamentarismo, semipresidencialismo, a mudança do sistema eleitoral etc., mesmo que esses temas tenham sido intensamente debatidos no Congresso em 2014, durante a chamada minirreforma eleitoral. Apesar de sua flagrante inviabilidade institucional, esse gênero de proposta ganha credibilidade à custa da fragilidade governamental.
No Congresso, o esgarçado antagonismo entre governo e oposição será ainda mais forçado. A política é o conflito que abdica da morte – mas só da morte. Toda sorte de arma e de força serão empregadas contra os adversários. Cada votação será uma batalha sanguínea. Sangue que escorre das veias de aliados e oposicionistas, indistintamente, pois a chamada base é revolta e não perde ocasião para se vingar, espicaçada que foi ao longo dos últimos anos. As eleições municipais são outro ingrediente a tornar o tempero azedo para o governo, pois se acirra naturalmente a competitividade – eleições são a “final” do processo político.
Por outro lado, aumentam os atores – só em 2015 foram três novos partidos políticos – o Novo, a Rede Sustentabilidade e o Partido da Mulher Brasileira. Incentivos como o generoso Fundo Partidário, recém-sancionado pela Presidente da República, além do viés multipartidário natural de sistemas proporcionais, fazem com que a tendência seja aparecer ainda mais partidos – como, por exemplo, o Raiz Movimento Cidadanista, anunciado pela deputada Luiza Erundina. A proliferação de atores aumenta a rivalidade intrínseca ao sistema e, consequentemente, cresce o custo da governabilidade, ou seja, o custo para se manter a coalizão. E o aumento desse custo se dá de forma concomitante a uma dificuldade crescente para pagá-lo, pois explodem sucessivamente os oleodutos da propina – mensalão, petróleo, etc. – e a vigilância da sociedade impede que seja utilizado o caminho da ampliação, para posterior distribuição, dos cargos públicos.
Os sinais da economia, das ruas e da política são francamente negativos. Falou-se, em 2015, sobre a tempestade perfeita. Pode ser que 2016 traga a tempestade mais-que-perfeita. Tomara que continue sendo apenas um tempo verbal ligado ao passado, ainda que os últimos ventos já estejam abalando estruturas institucionais que sustentam o Estado e garantem cooperação social e legitimação política e, em última instância, estabilidade sociopolítica.
* Economista, doutor em Filosofia e coordenador do Mestrado Profissional em Poder Legislativo da Câmara dos Deputados.
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