Com sete votos já declarados, o Supremo Tribunal Federal (STF) já alcançou maioria para determinar restrições ao restrições ao chamado foro privilegiado de julgamento para políticos, que são beneficiados por investigações apenas em tribunais superiores – em razão de sua natureza específica, mais lentos em relação à primeira instância. No entendimento majoritário do Supremo, perde direito ao “foro especial por prerrogativa de função” agentes públicos que tenham cometido crime comum, como corrupção. Segundo números do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), cerca de 45 mil políticos e demais homens públicos são beneficiados com o foro. Mas a conclusão do julgamento fica para outro dia, uma vez que o ministro Dias Toffoli pediu mais tempo para analisar o tema.
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O caso em questão no Supremo restringe o benefício de julgamento apenas para parlamentares e ministros dos três Poderes investigados por crime cometido em razão e no exercício do cargo. A alteração na lei vigente representará uma diminuição significativa da sobrecarga do STF, uma que vez que 90% dos processos em curso na instância máxima desceriam para a primeira instância.
PublicidadeDuas propostas foram levantadas no julgamento, no sentido de manter no STF apenas os processos penais de deputados e senadores flagrados por crime no exercício do mandato. A primeira alternativa teve a adesão de seis ministros, e diz respeito aos ilícitos eventualmente praticados no transcurso do mandato eletivo, desde que necessariamente atrelados à função parlamentar. A tese foi defendida em plenário pelo ministro Luís Roberto Barroso, apoiada por Cármen Lúcia, presidente do STF, Celso de Mello, Edson Fachin, Luiz Fux, Marco Aurélio Mello e Rosa Weber. Consequentemente, descem para a primeira instância processos com acusação de estupro e homicídio, por exemplo, desde que não haja relação com o mandato.
Já o entendimento manifestado no plenário pelo ministro Alexandre de Moraes mantém no STF toda e qualquer investigação contra parlamentar, seja qual for o crime em questão, relacionada ou não ao exercício do cargo eletivo. A única exigência de Moraes é que o ilícito tenha sido comprovadamente cometido no exercício do mandato.
Em resumo, Moraes alega que a Constituição Federal é clara quando atribuiu ao Supremo o julgamento, com caráter de exclusividade, de presidentes e vice-presidentes da República, presidentes do Senado, da Câmara e do próprio STF, congressistas e ministros de Estado. No entanto, frisou o ministro, o foro de investigação só cabe nos casos de crime cometido entre o início e o fim do mandato, cabendo à primeira instância o exame dos ilícitos anteriores.
Sinalizam concordância com Alexandre de Moraes os ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes, no grupo com voto vencido. Já Ricardo Lewandowski, que costuma votar de acordo com Gilmar e Toffoli, ausentou-se por motivo de saúde.
Prescrição à vista
Em seu voto, Barroso lembrou que a legislação em vigor têm levado diversos casos à prescrição por decurso de prazo, livrando corruptos e demais criminosos da punição, dada a morosidade do STF – é consenso entre os operadores do Direito que o tribunal não tem estrutura apta a cuidar de tantos processos criminais. Barroso lembrou que, a cada mudança de posto, o político é beneficiado pela demora de conclusão de um processo toda vez que há transferência do caso de um tribunal para outro.
A tese de Barroso prevê ainda que um determinado processo não poderá migrar de instância quando já estiver no final da instrução processual. É nessa fase que, no encaminhamento do julgamento de ações penais, alegações finais são apresentadas pelas partes. Isso garante que o agente público processado no Supremo continue a ser julgado na corte mesmo se deixar o mandato – seja qual for o motivo (renúncia, mudança de posto etc), o caso que tenha atingido a fase de instrução não mudará de instância, o que impede a procrastinação do julgamento.
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Caso Rocha Mendes
O caso em análise no plenário do STF foi uma questão ordem suscitada no julgamento de Marcos da Rocha Mendes, réu em ação penal pelo crime de captação ilícita de sufrágio (compra de votos), que configura corrupção eleitoral (artigo 299 do Código Eleitoral). O ilícito foi supostamente cometido quando Rocha Mendes concorreu à reeleição para o comando da Prefeitura de Cabo Frio, nas eleições municipais do ano passado.
Acontece que, ao ser denunciado, Rocha Mendes já exercia o cargo de prefeito de Cabo, cabendo-lhe a prerrogativa de foro no Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE-RJ). Encerrado o mandato do prefeito, o TRE remeteu o caso para a primeira instância da Justiça eleitoral. Para complicar, o ex-prefeito foi diplomado como deputado federal, o que implicou o envio do processo ao STF. Em seguida, depois de um ano de tramitação, o réu pediu licença da Câmara e reassumiu pouco tempo depois, restabelecendo-se a competência do Supremo para julgá-lo. Por fim, concluída a instrução processual e posto o processo na pauta de julgamentos, o Rocha Mendes voltou a ser eleito prefeito de Cabo Frio, renunciando ao mandato parlamentar.
Na questão de ordem, discute-se a reinterpretação, à luz do conjunto normativo da Constituição, das hipóteses de foro por prerrogativa de função. O objetivo, como demonstra a própria convocação do julgamento, é justamente restringir a aplicação do benefício aos processos decorrentes de crimes cometidos no exercício do cargo e a ele relacionados.
Sincronia na morosidade
O debate entra na pauta do Supremo um dia depois de a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, depois de meses de indefinições, ter aprovado a proposição que impõe restrições ao foro. Trata-se de uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que elimina o “foro especial por prerrogativa de função” nos casos de crime comum, mas mantém o privilégio para presidentes e vice-presidentes da República e os demais chefes de Poder – os presidentes da Câmara, do Senado e do Supremo Tribunal Federal (STF). Crimes de responsabilidade continuam a ser julgados em instâncias superiores em todos os casos.
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Mas nada indica que a matéria seja aprovada e vire lei ainda neste ano: como este site mostrou em 26 de setembro, a PEC 333/2017, aprovada pelo Senado em maio, estava engavetada na Casa desde então, atropelada por outras prioridades do Parlamento – entre as pendências durante o período, as reformas política, tributária e previdenciária, as duas últimas ainda sem deliberação. No dia 30 de agosto, pouco mais de dois meses depois da aprovação no Senado, a CCJ designou o líder do DEM na Câmara, Efraim Filho (PB), para elaborar parecer sobre a PEC. O parlamentar é o relator de outras propostas no mesmo sentido.
Além da aparente falta de vontade política da Câmara, a própria tramitação da matéria inviabiliza que ela vire lei com relativa celeridade. Depois dos 40 dias de análise obrigatória na comissão especial, criada especificamente para tal deliberação, são necessários dois turnos de votação em plenário, com a exigência de ao menos 308 votos para aprovação em cada turno.
O procedimento tem que ser repetido no Senado, a Casa de origem da matéria, caso a Câmara opere alterações de conteúdo – algo que deputados farão, como alguns deles já anunciaram durante a discussão na CCJ. A matéria não se submete à sanção presidencial, mas sua promulgação só se dará caso o mesmo texto seja aprovado sem mudanças tanto na Câmara quanto no Senado.
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