Por determinação do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), deputados vão começar a discutir uma proposta de emenda à Constituição (PEC) apresentada para discutir o tema da prisão após condenação criminal em segunda instância. A decisão vem na esteira da histórica prisão do ex-presidente Lula, no último sábado (7), depois de idas e vindas sobre o assunto no Supremo Tribunal Federal (STF). O petista, condenado a 12 anos e um mês de cadeia em regime inicialmente fechado, espera para amanhã (11) uma decisão favorável no STF, que retomará a discussão por meio do ministro Marco Aurélio Mello.
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Com o aval de Maia, o presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, deputado Daniel Vilela (MDB-GO), decidiu colocar a PEC 410/2019 na pauta do colegiado, para debate já na próxima semana. De autoria do deputado Alex Manente (PPS-SP), o texto estabelece que réus já sejam considerados culpados, consequentemente passíveis de prisão, depois de confirmada “sentença penal condenatória em grau de recurso”, ou seja, por tribunais de segundo grau.
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Atualmente, a polêmica está no fato de que a Constituição estabelece que réus só podem ser considerados culpados, com efeito de prisão, após o processo transitar em julgado, ou seja, depois de esgotados os recursos cabíveis em todas as instâncias judiciais. O STF já decidiu sobre o assunto em 2009 e, mais recentemente, em 2016, quando reinterpretou o texto constitucional para admitir a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância.
O entendimento gerou críticas e resultou em ações judiciais no próprio Supremo, com a alegação que cabe apenas ao Parlamento alterar a Constituição. As reclamações mais veementes vieram de advogados com clientes condenados e de membros do Congresso. Como o Congresso em Foco tem mostrado em levantamentos periódicos, diversos deputados e senadores às voltas com a Justiça temem, principalmente em tempos de Operação Lava Jato, que seus nomes sejam levados a julgamento no STF na condição de réus.
Nesta condição estão, por exemplo, os senadores Aécio Neves (PSDB-MG), Renan Calheiros (DEM-AL), Fernando Collor (PTC) e Gleisi Hoffmann (PT-PR), em variados graus de andamento processual, e dezenas de deputados. O próprio Maia, a quem o apelido de “Botafogo” é atribuído na lista de propinas da Odebrecht, é investigado no Supremo, embora ainda em estágio inicial de apuração.
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Restrição
O relator da PEC 410 será Rubens Bueno (PPS-PR), que terá pela frente o questionamento sobre a constitucionalidade da discussão. Segundo o texto constitucional, nenhuma PEC pode ser aprovada, ou seja, a Carta Magna não pode ser emendada enquanto houver em curso no país uma intervenção federal em ao menos um dos entes da Federação. É o caso, atualmente, na segurança pública do Rio de Janeiro, onde o presidente Michel Temer (MDB) decretou a ação militar em 16 de fevereiro. Mas há quem diga que as propostas podem ao menos ser discutidas, sem serem levadas à votação em plenário.
O relator da matéria disse ao Congresso em Foco que, a despeito da restrição legal, consultores voltarão a ser consultados e um “plano de trabalho” será elaborado nos próximos dias. “Fui convidado há pouco e aceitei o convite. Agora, vou preparar um plano de trabalho e conversar com consultorias técnicas para discutir melhor isso e saber se tramita ou não tramita [a PEC]. Assim que apresentarmos um plano de trabalho, saberemos. Há ponderações de um lado e de outro. Vamos ter que tocar o barco por aí”, disse Rubens Bueno.
Rubens lembra que, além do impedimento relativo à intervenção, há outro ponto de controvérsia na questão: o fato de que a presunção inocência é cláusula pétrea da Constituição e, com tal status, só pode ser alterada em nova assembleia nacional constituinte. “Estamos vendo como é que vamos administrar isso aí”, acrescentou o deputado.
Consultoria
A restrição legal foi reforçada por consultores do Congresso, em parecer técnico encomendado pelo próprio Rodrigo Maia. Segundo os especialistas da Câmara, propostas de emenda à Constituição não podem ser sequer discutidas durante a vigência da intervenção federal. A limitação foi usada pelo governo convenientemente, uma vez que a base aliada não reuniu os votos suficientes para aprovar a reforma da Previdência, que é uma PEC.
Até o presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE), manifestou resistência à pretensão de deputados em votar PECs. Como este site mostrou em fevereiro, Eunício determinou à Mesa Diretora da Casa que suspenda a tramitação de todas as PECs enquanto vigorar o decreto de intervenção, previsto até dezembro. A suspensão atingiu em cheio não só a reforma da Previdência, mas questões como a proposta que restringe o direito ao polêmico foro privilegiado. Estima-se que decisão de Eunício paralisou, ao todo, quase 190 propostas que estavam em andamento nas duas Casas.
Mas Maia não parecer se importar com consultores ou a prerrogativa do presidente do Senado. “Em algum momento a intervenção vai acabar”, declarou o deputado, um dos principais fiadores da política reformista de Temer. Para o presidente da Câmara, para quem a prisão de Lula não é motivo para comemoração, o Congresso deve se antecipar ao momento do país e tomar uma decisão definitiva, sob pena de ver o Supremo continuar a legislar.
“Acredito que o Parlamento é o local para se resolver esses conflitos, já que há uma posição muito dividida”, acrescentou o deputado, acrescentando que uma eventual medida do Congresso representará um marco legal.
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