Andrea Vianna
Antes mesmo de chegarem às ruas, as discussões em torno do “Projeto da Palmada” já suscitam questionamentos sobre a legitimidade do Estado em interferir na forma de os pais educarem os filhos em casa. Debate esse que traz, consigo, outras duas questões: até que ponto o direito dos pais pode se sobrepor ao direito à integridade física das crianças – resguardado pela legislação – e, afinal de contas, a palmada educa ou deseduca?
Um dos últimos países a abolir a aplicação de castigos corporais em sala de aula, a Grã-Bretanha rejeitou, no ano passado, uma proposta semelhante. A Câmara de Lordes chegou à seguinte conclusão: a violência contra crianças é inaceitável, mas uma palmada, vez ou outra, pode ser boa. Com isso, os tapinhas continuam sendo tolerados por lá, desde que não provoquem danos físicos, mentais ou constrangimento nas crianças.
Esse também é o entendimento da maioria das mães ouvidas pelo Congresso em Foco nas ruas de Brasília. A dona-de-casa Maria da Guia dos Santos Lima, 45 anos, mãe de Francisca, 24, Francenildo, 23, e Francinaldo, 20 anos, defende as palmadas como medida pedagógica. “Não é para bater sempre, mas tem hora que não tem outro jeito”, explica. “Uma vez, quando o Francinaldo tinha 12 anos, dei uma pisa (surra) nele de cinto”, conta Maria. Segundo ela, o filho brigou na escola com um menino mais novo do que ele. “Se fosse da mesma idade, seria diferente. Mas como era menor do que ele, bati e mandei pedir desculpas”.
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Ingerência do Estado
“Num país onde os governantes não conseguem sequer oferecer uma educação escolar digna, quem são eles para proibirem palmadas e tapas? O método de educação que os pais querem oferecer aos filhos deve ser uma opção do casal e não vir de uma lei que a Câmara quer aprovar”, argumenta a gerente de vendas Taís Caetano, 27, mãe de Maria Clara, de um ano e nove meses. “Tento de tudo antes, mas se não dá, dou uns tapinhas na mão”, afirma.
“Não se trata de uma ingerência. O Estado já interfere nas questões da família quando dispõe no Código Civil que os filhos devem obediência aos pais, que por sua vez, podem exigi-la de quaisquer meios. A legislação não define como os pais podem exigir obediência e deixa uma abertura para castigos moderados e imoderados. O projeto vem fechar essa lacuna”, defende a deputada Maria do Rosário (PT-RS), autora do projeto.
Transformação cultural
Está na mudança cultural o grande mérito do projeto de lei em discussão na Câmara, segundo o professor Vicente Faleiros, da Universidade de Brasília (UnB), coordenador da ONG Cecria (Centro de Referência, Estudos e Ações sobre Crianças e Adolescentes). “É uma forma de mudar a cultura da relação entre pais e filhos. No Brasil, ainda seguimos uma orientação autoritária, adotada em muitos países. Educar é mostrar limites. Família é troca de afeto. As pessoas ainda confundem impor limites com dar palmadas”, diz o professor do Departamento de Serviço Social da UnB.
Sem papo, sopapo
Mas nem sempre o diálogo é possível, ressalta Marinalha Souza Gomes, 41 anos. Mãe de Gesivânia, 22 anos, Gessiele, 20 e Gessinalha, 15, a manicure conta que a filha mais nova chegou a levantar a mão contra ela. “Ela veio me bater, eu não podia ficar parada, tive de me defender. Não reagir não é jeito de educar”, argumenta. Marinalha é contra a aprovação do projeto de lei. “Na minha casa não vai ter disso. Não é possível, a gente tem que educar os filhos. Se um filho vier pra cima da gente, os pais têm de poder bater de volta”, pondera.
Para Vicente Faleiros, assim como não podem agir com violência contra os filhos, os pais também não podem permitir que a criança ou adolescente bata neles. Mas sugere outro tipo de reação que não o “olho por olho, dente por dente”. “A mãe tem de ser enérgica. Tem de impor ao menor que ele não pode bater nela, que o corpo é sua integridade física, que ele não pode agredi-la”, recomenda o coordenador do Cecria.
Na contramão do pensamento predominante nas ruas, a publicitária Giovanna Rossini, 27, mãe de Lucca, de um ano e quatro meses, apóia o “Projeto das Palmadas” e diz que é possível conter as travessuras do filho sem o uso de violência. “Sou contra bater. Sempre que o Lucca ameaça fazer alguma coisa errada, eu aumento o tom de voz, ele percebe que estou dando bronca e começa a chorar. Nunca bati nele”, enfatiza.
Lei inócua
Para a psicóloga Soraya Kátia Rodrigues, vice-presidente da ONG Aconchego, que estimula a adoção de crianças, a proposta apresentada pela deputada Maria do Rosário é inócua. Segundo ela, a lei não terá força para fazer frente à cultura das palmadas. “Os tapinhas ainda são o recurso mais rígido para conter uma criança”, afirma a mãe de Ugo, 12 anos, e Tainá, 10. “E de outro lado, conforme a situação, uma bronca pode doer mais do que um tapa”, ressalta.
Na avaliação da psicóloga, a educação do brasileiro é naturalmente punitiva. “Não temos o hábito de premiar as vitórias, parabenizar os feitos alcançados. Temos mania de massacrar, punir a criança no que ela falhou. Nossa cultura é a do pessoal que diz ‘dá umas chineladas que ele melhora’, quando se trata de uma criança difícil”.
Emergência
“Mas e quando uma criança está para quebrar um objeto ou um móvel ou vai atravessar a rua correndo, sem dar a mão? Dá para conversar numa hora dessas?”, pergunta Jaqueline Lopes, 23, mãe de Guilherme, 3, e Ítalo, 2 anos.
“Não dá tempo de conversar”, reconhece Vicente Faleiros. “Em situações de risco iminente, por exemplo, se a criança está para pular numa piscina, botar a mão no fogo ou enfiar o dedo na tomada, tem de dar um puxão imediato e se for preciso, dar um tapinha na mão. Nessas horas, é preciso agir imediatamente”.
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