Em entrevista coletiva concedida ontem (11), o presidente Lula analisou o que, acredita, representará para o Brasil a realização dos Jogos Pan-Americanos: "O Pan será realizado no Rio, mas é um evento do Estado brasileiro, que envolve 190 milhões de almas que gostam de esporte. O governo colocou muito dinheiro no Pan porque sabíamos que, se desse certo, todo mundo ia querer ser o pai da criança, e, se desse errado, essa criança seria órfã. A nossa responsabilidade é com a imagem do Brasil diante do mundo. Todos temos que torcer para que o Pan seja o melhor possível".
Questionado sobre os mais de R$ 3 bilhões gastos nos jogos – o orçamento inicial era de R$ 400 milhões -, Lula disse que o Pan custou "o que precisava". "E quem achar que gastou demais peça para fazer uma fiscalização. Para mim, seria bem-vinda", completou o presidente.
"Tínhamos que decidir o seguinte: damos ou não damos? Se dermos, alguém vai dizer ‘está dando dinheiro demais’. Se não dermos, alguém vai dizer ‘o presidente não quer que o Pan se realize’", argumentou.
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O presidente disse, ainda, estar otimista com o sucesso dos jogos e afirmou acreditar que segurança e crise aérea não serão problemas. "A expectativa é de que, depois que terminar o Pan, o Rio tenha o mais sofisticado sistema de segurança pública do Brasil, para que a gente possa apresentar à sociedade a possibilidade de estender esse programa para outros estados e, ao mesmo tempo, mostrar ao mundo que temos competência para fazer um bom esquema de segurança. E penso que, se não houver acirramento de neblina, vamos ter uma certa tranqüilidade nos aeroportos".
Lula também não acredita que os servidores públicos pretendam fazer paralisações durante os jogos para pressionar por aumentos. "Agora, quem fizer alguma coisa errada pode ficar certo de que a sociedade está mais esperta do que as pessoas imaginam. As pessoas precisam parar com a mania de achar que, fazendo uma greve, prejudicam o governo. Muitas vezes, a greve prejudica mais a elas próprias do que ao governo". (Carol Ferrare)
Leia abaixo a íntegra da entrevista:
De que forma o governo pretende atuar junto aos jovens para trabalhar o esporte no Brasil e tentar criar uma potência para as próximas Olimpíadas?
Estamos juntando todos os programas que cuidam da juventude para ver se é possível atender 4,5 milhões de jovens que estão meio que deserdados da sorte ou da estrutura do Estado. As universidades e as escolas brasileiras precisam ser dotadas com centros esportivos. É isso que permite que as pessoas peguem o primeiro gosto de ser esportista. Se tivermos aulas de educação física e se o Estado oferecer oportunidades para a juventude, não tenho dúvida de que poderemos nos transformar numa grande potência olímpica. Porque o Brasil tem potencial, o povo brasileiro gosta disso, vive isso. Agora, tem determinados esportes que o povo não tem onde praticar. Hoje, nas grandes cidades, quem não puder pagar uma escolinha de futebol tem dificuldade porque os terrenos estão rareando cada vez mais. À medida que vai rareando a possibilidade de acesso ao esporte, vai rareando também a possibilidade de surgirem atletas. O Brasil vai ter que cuidar disso.
O senhor falou sobre o Brasil se tornar um referencial para atrair eventos internacionais. Um dos problemas ainda é a questão da segurança. No Rio, a Força Nacional de Segurança não tinha nem beliche. Teve repórter que entrou e ficou circulando dentro da Vila do Pan sem credencial. Como melhorar a segurança?
O fato de um jornalista entrar sem credencial mostrou que, se tiver falha na segurança, tem que consertar para o Pan. Estamos fazendo o que há de mais sofisticado para cuidar dos Jogos Pan-Americanos, com a vantagem de que 75% de tudo que foi feito ficarão para a estrutura de segurança do Rio. No fundo, isso é um embrião de uma nova política de segurança que pode ser adotada nas principais capitais brasileiras. Para vocês terem idéia, fizemos um investimento de R$ 562 milhões na segurança. A expectativa é de que, depois que terminar o Pan, o Rio tenha o mais sofisticado sistema de segurança pública do Brasil, para que a gente possa apresentar à sociedade a possibilidade de estender esse programa para outros estados e, ao mesmo tempo, mostrar ao mundo que temos competência para fazer um bom esquema de segurança.
O prefeito do Rio, Cesar Maia (DEM), protestou sobre os números que o Ministério do Esporte divulgou, dizendo que o governo estava querendo assumir um pouco a paternidade disso. O Pan é municipal, estadual ou federal?
Essa é uma discussão descabida. O Pan será realizado no Rio, mas é um evento do Estado brasileiro, que envolve 190 milhões de almas que gostam de esporte. O governo colocou muito dinheiro no Pan porque sabíamos que, se desse certo, todo mundo ia querer ser o pai da criança, e, se desse errado, essa criança seria órfã. A nossa responsabilidade é com a imagem do Brasil diante do mundo. Todos temos que torcer para que o Pan seja o melhor possível.
O governo tem plano preventivo para impedir o caos nos aeroportos durante o Pan?
Tem. Ainda ontem viajei com o ministro da Defesa (Waldir Pires) e com o brigadeiro Juniti Saito (comandante da Aeronáutica), e eles estão totalmente preparados para evitar que haja qualquer problema nos jogos. Já temos uma grande parte dos atletas no Brasil. Ontem, houve negociação com a Infraero. É importante lembrar que a Infraero estava na sua data-base. Portanto, era o momento de fazer as negociações. Chegou-se a um acordo. Penso que, se não houver acirramento de neblina, vamos ter uma certa tranqüilidade nos aeroportos. Obviamente que, com um evento dessa magnitude, você sempre poderá ter um ou outro transtorno, mas nada que venha a causar qualquer prejuízo à imagem do Brasil e dos Jogos Pan-Americanos.
Há poucos dias, houve uma ação da polícia no Rio, no Morro do Alemão, e morreram 18 pessoas. Como o senhor recebeu essa notícia às vésperas do Pan?
Todos achamos muito ruim que haja morte de qualquer pessoa. O ideal seria que a polícia conseguisse pegar as pessoas sem precisar dar um único tiro. Agora, é importante saber que a polícia não está diante de nenhuma pessoa santa. Muitas vezes, para você entrar numa coisa complicada, como o Complexo do Alemão, encontra resistência. E, nessa troca de tiros, obviamente que vai levar desvantagem quem está menos preparado para o enfrentamento. Acho correta a atuação do governo do estado do Rio no Complexo do Alemão. Estamos colocando no PAC quase R$ 500 milhões para urbanizar tanto o Complexo do Alemão como Manguinhos, levando escola, hospital e área de lazer para aquelas pessoas, porque é preciso prevalecer o Estado dentro do Complexo do Alemão.
O orçamento inicial do Pan era de R$ 400 milhões e está em R$ 3,7 bilhões. O senhor aceitaria uma investigação sobre os custos depois da realização do evento?
Os companheiros que são responsáveis pelo Pan gastaram o que precisavam gastar. Quem achar que gastou demais peça para fazer uma fiscalização. Para mim, seria bem-vinda. A primeira estimativa era de gasto de R$ 209 milhões, feita pela Fundação Getúlio Vargas, em 2001. Chegamos a R$ 2 bilhões, envolvendo o dinheiro colocado pelo governo federal. Quem achar que gastou demais peça e faça auditoria e apresente à opinião pública brasileira o resultado dessa auditoria. Você precisa lembrar que, em 2002, eu não estava no governo, o Sérgio Cabral não estava no governo (do Rio). Portanto, não sei qual foi o planejamento que fizeram. Depois que assumi a Presidência da República, passei a trabalhar no orçamento com os pedidos que eram feitos pela prefeitura, governo do estado, Ministério do Esporte e Comitê Olímpico Brasileiro. Tínhamos que decidir o seguinte: damos ou não damos? Se dermos, alguém vai dizer "está dando dinheiro demais". Se não dermos, alguém vai dizer "o presidente não quer que o Pan se realize". Tivemos um problema difícil nos primeiros quatro anos, um problema político sério com o governante do Rio, que, graças a Deus, melhorou 1.000% depois que entrou o Sérgio Cabral. A gente teve que fazer, às pressas, a recuperação do Maracanã e do Maracanãzinho, pois a obra estava atrasada.
Como o senhor avalia esse movimento de grevistas às vésperas do Pan?
Todas as categorias têm o direito de se manifestar para conquistar aumentos de salário. O que acho ruim é as pessoas esperarem um evento internacional, que não depende apenas do Brasil, mas de um conjunto de países, para fazer chantagem contra o governo municipal, estadual e federal. Acho uma prática sindical ruim. Mas, de qualquer forma, isso faz parte do exercício da democracia. Não dá para perder nem uma noite de sono, para ter medo antecipado. Temos consciência de que, possivelmente, não tenhamos dado tudo o que as categorias de trabalhadores precisam ter, porque todo mundo teve muitos anos de retrocesso e não é possível recuperar. Mas estou vendo categorias em greve para as quais demos, em média, 60% de aumento, para uma inflação de 28%, ao longo do meu primeiro mandato. Numa inflação de 4%, alguém reivindicar 35%, 40% é uma coisa inexplicável. Nem eu no tempo em que era dirigente sindical, considerado radical, fazia essas reivindicações absurdas.
Caso haja paralisação durante os jogos, o governo pode tomar alguma medida enérgica?
O governo vai tomar todas as atitudes para evitar que qualquer ação possa causar qualquer prejuízo aos Jogos Pan-Americanos. Vamos ter o plano "b" e plano "c". Se é greve de uma polícia, vamos ter outra polícia para substituir. Não podemos correr nenhum risco nos Jogos Pan-Americanos. Estamos trabalhando para isso. Agora, quem fizer alguma coisa errada pode ficar certo de que a sociedade está mais esperta do que as pessoas imaginam. As pessoas precisam parar com a mania de achar que, fazendo uma greve, prejudicam o governo. Muitas vezes, a greve prejudica mais a elas próprias do que ao governo.
Como evitar, no curto prazo, que os problemas retornem aos aeroportos?
Olha, no fundo, no fundo, eu não seria a autoridade para falar de uma coisa que a Anac (Agência Nacional da Aviação Civil) deveria falar, que o Ministério da Defesa deveria falar. Posso falar da compreensão que tenho do problema. Ninguém pode negar que tivemos problemas nos aeroportos, porque são visíveis e as pessoas sentem na pele. Foram vários tipos de problemas ao mesmo tempo. Ação dos controladores, problemas de equipamento, de neblina. Temos problemas na malha aérea brasileira.
Há terrorismo por parte dos controladores? Vai haver punição à categoria se ela atrapalhar os jogos?
Os controladores, neste momento, estão cumprindo as suas funções. Não existe punição anunciada previamente. Vamos aguardar. A informação que tenho é de que está tranqüilo. Se amanhã não estiver tranqüilo, tomaremos as decisões que tivermos que tomar.
Não é no mínimo decepcionante o fato de o Brasil levar um banho de Cuba nas competições esportivas? O senhor concorda que isso decorre da diferença de tratamento que os dois governos dão às crianças?
Não é nenhuma vergonha alguém perder para Cuba em jogos, porque Cuba tem uma tradição de 50 anos, pelo menos, em competições esportivas. O Brasil não tem. Começa, de 10 anos para cá, a apostar um pouco mais nas questões esportivas. Preparar um atleta para ser medalha de ouro em alguma competição, às vezes, leva 15 anos. Estamos convencidos de que o esporte é uma das coisas que pode encaminhar muitos jovens no Brasil. Na hora em que você fizer essa juventude descobrir o gosto pelo esporte, você tem a possibilidade de conquistar um jovem do crime organizado, do narcotráfico ou da rua, e colocá-lo para ser um medalhista.
O Pan mostrou que, sem o dinheiro do governo federal, não tem competição internacional no Brasil. É possível realizar eventos como a Copa do Mundo sem o dinheiro do governo federal?
Na Copa do Mundo no Brasil, não será prevista a participação de dinheiro público federal, a não ser naquilo que é nossa obrigação fazer. Se tiver que fazer uma rua, isso é do governo federal. Do ponto de vista do evento em si, das praças esportivas, isso tem que ser dos clubes, da CBF e da iniciativa privada. Muitas vezes cometemos um erro. É preciso perguntar onde já houve Olimpíadas e Copa do Mundo e qual o benefício que ficou, porque muitas vezes a gente discute os gastos e não discute o que vai entrar de dinheiro no Rio, qual o aprendizado da sociedade com o Pan. Tudo isso temos que ver como um investimento. Não tem explicação sociológica, psicológica, a gente ter tido a última Copa do Mundo em 1950. Qualquer ser humano compreende que o Brasil tem a necessidade de ter uma Copa do Mundo aqui e fazer a melhor possível.
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