Lula, o Pragmático, opera segundo as circunstâncias. No primeiro mandato, diante das desconfianças do mercado, conservou-se fiel à política econômica ortodoxa herdada de FHC, completando-a com a política social de agressivas transferências de renda, que se destinava a enraizar o lulopetismo no eleitorado pobre.
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A fórmula bifronte seguia as receitas do Banco Mundial. Não era “de esquerda” e nem mesmo social-democrata. Mas a esquerda brasileira, um organismo lulodependente, celebrou-a como uma revolução de emancipação popular. “Quando Lula fala, o mundo se ilumina”, disse Marilena Chaui.
O sucesso do primeiro movimento, associado à evolução do ciclo internacional de commodities e ao trauma político da crise do mensalão, provocou a substituição da fórmula econômica. O nado peito, lento e constante, deu lugar ao esforço extremo do nado borboleta.
No segundo mandato, Lula convocou Guido Mantega et caterva para soldar uma santa aliança entre o Estado e o alto empresariado. Configurou-se, ali, o capitalismo de Estado lulopetista, uma versão modernizada do programa econômico moldado por Vargas e, mais tarde, aprofundado por Geisel.
“Quando Lula fala…” A esquerda interpretou a mudança como a revolução verdadeira: uma aurora de ruptura. Dilma, a sucessora indicada pelo dedazo, tingiu a escolha pragmática com as tintas de suas obsessões ideológicas. Do teclado irresponsável de seus assessores econômicos nasceu a expressão Nova Matriz Macroeconômica. Eike Batista definiu o BNDES como o “melhor banco de investimento do mundo”, uma opinião certamente compartilhada por Marcelo Odebrecht e Joesley Batista.
A história da ascensão e declínio do capitalismo de Estado lulopetista é contada em dois registros diferentes, mas complementares. A narrativa econômica de uma depressão mais funda que a dos anos 30 evidencia o curto horizonte do nado borboleta. A narrativa policial e judicial da Lava Jato ilumina uma falência ética calamitosa.
Lula, o pragmático oportunista, foge das implicações de ambas, escondendo-se atrás da pobre Dilma, no caso da primeira, e desviando os holofotes para o PT, um de seus sacos de pancada prediletos, no caso da segunda. O gato de sete vidas continua à tona, apoiando-se nos cadáveres que boiam ao seu redor para não afundar.
Luiza Erundina reclamou das críticas lulistas ao PSOL, instando o ex-presidente a atacar “os “parceiros de direita que o traíram”. Mas ninguém traiu Lula. O PMDB, tão pragmático como ele, foi fiel a si mesmo, agarrando-se ao mastro do poder. Marcelo Odebrecht resistiu o quanto pôde, até o chão afundar.
Já Joesley Batista mantém a antiga parceria, selecionando politicamente os alvos prioritários de sua delação. O que Erundina recusa-se a enxergar são os frutos podres de uma política econômica que forma o denominador comum da esquerda brasileira.
A pátria de Lula é Lula, e nenhuma outra. Ele calcula o que fala – e fala exclusivamente aquilo que interessa à sua carreira política. Mas, num ponto específico, tem razão: “Não dá para nadar teoricamente”.
O Psol, alternativa esquerdista a um PT dizimado pelo lulismo, repete incansavelmente as orações ideológicas de uma bíblia encanecida e ajoelha-se diante das lápides de seus estimados tiranos, que se chamam Castro, Che ou Chávez.
O legado de Lula é uma esquerda prostrada, de olhos fixos no passado. Do ponto de vista da nossa democracia, eis um desastre ainda maior que os outros.
* Jornalista, escritor e ex-preso político. Edita o blogue Náufrago da Utopia.