Reportagem da revista Época desta semana afirma que o ex-presidente Lula atuava como “lobista” da empreiteira Odebrecht em Cuba, onde a construtora faturou US$ 898 milhões, o equivalente a 98% dos financiamentos concedidos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) àquele país. Correspondências diplomáticas às quais a publicação teve acesso indicam que o ex-presidente discutia detalhes de negócios da Odebrecht em Cuba com autoridades brasileiras e cubanas. De acordo com a revista, Lula usou o nome da presidente Dilma em suas conversas sobre o assunto. “Chegava a discutir, em reuniões com executivos da Odebrecht e Raúl Castro [presidente cubano], minúcias dos projetos da empreiteira em Cuba, como os tipos de garantia que poderiam ser aceitas pelo BNDES para investir nas obras”, diz a reportagem de Thiago Bronzatto.
Os documentos apontam que Lula dizia aos diplomatas brasileiros em Cuba que trataria de interesses da construtora e do governo cubano com a presidente Dilma. Um dos telegramas diplomáticos publicados pela reportagem relata conversas atribuídas ao ex-presidente a respeito de garantias que o governo de Cuba poderia oferecer por novo empréstimo do BNDES, agora no valor de US$ 290 milhões. O dinheiro, que ainda não foi liberado, tem como destinação prevista a execução de obras de infraestrutura no entorno do porto de Mariel, construído com financiamento de US$ 682 milhões concedido pelo banco brasileiro. Assim como no porto, as obras do entorno também teriam como beneficiária a Odebrecht.
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A correspondência, assinada pelo encarregado de negócios na embaixada do Brasil em Havana, Marcelo Câmara, informa que, “em conversa reservada com o pres. Lula”, representantes da Odebrecht declararam temer o veto do Comitê de Financiamento e Garantia das Exportações (Config), do BNDES, sem contrapartida de Cuba por meio “garantias soberanas”. Na conversa com o ex-presidente, os executivos disseram que o governo brasileiro poderia exigir como garantias a oferta de medicamentos para o Brasil, a alocação de repasses do Mais Médicos, o arrendamento de uma mina de níquel a uma empresa brasileira ou a venda da produção de nafta para a Braskem, empresa do grupo Odebrecht.
Ainda de acordo com o telegrama, os representantes da empreiteira informaram ao ex-presidente Lula que a venda de nafta à Braskem era a hipótese mais “factível” a ser aceita pelo governo cubano. E recomendavam que o dinheiro fosse colocado numa conta à margem dos organismos internacionais de fiscalização.
Segundo o documento, Lula disse ter tratado do assunto com o presidente cubano Raúl Castro, “com ênfase à opção pela venda de nafta”. Conforme o relato da correspondência diplomática, o ex-presidente disse ainda “que reportaria teor das conversações oportunamente” a Dilma.
“Parte expressiva dos documentos obtidos com exclusividade por Época foi classificada como secreta pelo governo Dilma. Isso significa que só viriam a público em 15 anos. A maioria deles, porém, foi entregue ao Ministério Público Federal, em inquéritos em que se apuram irregularidades nos financiamentos do BNDES às obras em Mariel”, informa a revista.
PublicidadeEm outro inquérito, o ex-presidente é investigado pelos procuradores pela suspeita de ter praticado o crime de tráfico de influência internacional, ao usar seu prestígio para unir BNDES, governos na América Latina e na África e projetos de interesse da Odebrecht.
Lula sempre negou ter atuado como lobista da construtora. Segundo o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), do Ministério da Fazenda, o ex-presidente recebeu R$ 2,8 milhões da empreiteira desde que deixou o Planalto. De acordo com o ex-presidente, trata-se de pagamento de palestras proferidas por ele ao grupo.
Reportagem do jornal O Globo, de abril, mostrou que Lula viajou pela empreiteira com o executivo Alexandrino Alencar, que viria a ser preso dois meses depois na Operação Lava Jato, sob a acusação de pagar propina a agentes públicos.
O ex-presidente Lula não quis se manifestar sobre o conteúdo das correspondências diplomáticas divulgado pela revista Época. Em julho, questionado sobre sua ligação com a empresa, o petista disse que “não recebeu, não recebe e jamais receberá qualquer pagamento de qualquer empresa para dar consultoria, fazer lobby ou tráfico de influências”.