Soraia Costa
Após três anos e oito meses de governo, o PT ainda culpa a era Fernando Henrique Cardoso pelo baixo crescimento econômico do país. Além das metas de campanha, o programa de governo do presidente Lula para um eventual segundo mandato desfere duras críticas à coligação PSDB-PFL, de Geraldo Alckmin, principal adversário do petista. Ontem, em seu programa no horário eleitoral, a chapa de Lula apresentou o candidato como o único que não ataca os seus opositores.
O documento – apresentado nessa terça-feira (29), em São Paulo, pela coligação formada por PT, PCdoB e PRB – sustenta que Lula recebeu uma "dupla herança negativa" do governo do PSDB e do PFL, que teria debilitado o Estado e deixado o país "à beira de uma nova crise macroeconômica". De acordo com o texto, a política implementada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso freou o crescimento, concentrou riqueza e generalizou a corrupção. "Eles comprometeram a soberania nacional e deixaram o país à beira de uma nova crise macroeconômica", argumentam os aliados de Lula.
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Por causa disso, diz a cartilha, a oposição não tem autoridade moral para falar de ética. O projeto real da oposição, segundo os partidários de Lula, é voltar à era FHC, com a redução dos investimentos sociais, a retomada das privatizações, o retrocesso democrático e a submissão no plano internacional.
Na parte das propostas, o documento, de 32 páginas, descarta a redução de gastos públicos, promete expandir as políticas sociais e evita se comprometer com a queda da carga tributária, que atingiu o patamar recorde de 37,37% do PIB em 2005. O novo programa de governo faz poucas referências a números.
Em rápida entrevista depois do ato de lançamento, o próprio presidente explicou por que o texto não menciona metas concretas. "Eu de vez em quando brinco com vocês que eu queria que a imprensa lesse o programa de 2002. No programa está dito que o Brasil precisa criar 10 milhões de empregos. Hoje eu poderia repetir este número ou mais porque a sociedade brasileira cresceu. O que nós não queremos é ficar vítimas de especulação e números", afirmou o candidato.
O compromisso com as reformas, carro-chefe da campanha passada de Lula, ficou praticamente esquecido desta vez. A reforma trabalhista, que consta das propostas encaminhadas na semana passada pelo Conselho do Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), não é sequer citada. O programa diz que a reforma política será prioridade do segundo mandato. Os objetivos dessa reforma política seriam: assegurar a pluralidade de partidos, fidelidade partidária, financiamento público das campanhas eleitorais e o voto proporcional, preferencialmente por lista pré-ordenada. A reforma prevê também uma revisão do processo de elaboração do orçamento da União e a fiscalização de sua execução.
Novas velhas promessas
Apesar disso, há grandes semelhanças entre as propostas apresentadas no novo plano e as promessas feitas por Lula em 2002. Para o eventual novo mandato, o presidente se compromete a aumentar os níveis de crescimento econômico, ampliar o número de empregos formais, criar melhores condições para as micro e pequeno empresas e dar ênfase à educação, cultura e pesquisa de novas tecnologias. Promover a integração entre as diversas instituições de segurança pública e a universalização dos sistemas de educação e saúde também são tópicos que aparecem na lista de prioridades.
O documento destaca que os próximos quatro anos serão diferentes, pois, segundo a coligação, durante os últimos três anos e meio, Lula conseguiu mudar a realidade. "O Governo Lula apontou o caminho da mudança. Depois de quase três décadas perdidas, o Brasil ingressou em uma etapa de desenvolvimento sustentável", diz o texto do programa.
Os próprios petistas admitem que o Brasil precisa crescer em nível bem acima do atual e explicam que "caberá ao segundo mandato avançar mais aceleradamente no rumo desse novo ciclo de desenvolvimento". A cartilha argumenta que "a reeleição de Lula é a garantia de que não haverá retrocesso, de que a transição para um novo Brasil não terá seu curso interrompido. É certeza também de que as mudanças se farão com o fortalecimento da democracia e a renovação de nossa cultura política".
Até a crise ética é lembrada no programa. Mas em vez de se defender das acusações feitas pelos outros candidatos com relação à postura adotada pelo presidente diante do escândalo do mensalão, o documento parte para o contra-ataque: "Carente de coragem para expor seu verdadeiro programa, a oposição neo-liberal tenta construir um programa com ênfase na ‘ética’, no ‘crescimento’ ou no ‘choque de gestão’. Falta-lhe, no entanto, autoridade moral e credibilidade política para dar consistência a esse discurso".
Para completar o bombardeio à coligação PSDB-PFL, os apoiadores de Lula se reportam às denúncias de irregularidades feitas aos processos de privatização da gestão de FHC e perguntam por que foram engavetados processos de investigação contra parlamentares de São Paulo durante o governo Alckmin.
"Que credibilidade têm para falar em ‘crescimento’ os que mergulharam o país na estagnação, submeteram-se aos interesses do capital financeiro e foram incapazes de propor um modelo de crescimento com inclusão social?", provocam os petistas, que também são acusados por partidos de esquerda mais radicais de seguirem essa mesma linha.
A questão dos ataques do Primeiro Comando da Capital (PCC) ao estado de São Paulo também é usada pelos partidos da coligação de Lula para criticar os tucanos. Os governistas dizem que os opositores não conseguem controlar nem os estados que comandam e que o "choque de gestão" foi responsável por "semear o caos no sistema de segurança pública de São Paulo".
Desde o início dos ataques do PCC, tanto o governo federal quanto o governo de São Paulo têm trocado acusações e levantado suspeitas mútuas de envolvimento com a facção criminosa, mas até agora nada foi provado por nenhum dos lados.
Propostas para os próximos quatro anos
O programa de governo de Lula é estruturado em seis eixos: combate à exclusão social, à pobreza e à desigualdade; aprofundamento do novo modelo de desenvolvimento econômico com crescimento de renda e sustentabilidade ambiental; educação massiva e de qualidade com acesso à cultura e à informação; ampliação da democracia; garantia de segurança; e inserção soberana no mundo.
A idéia é dar continuidade ao aumento do salário mínimo e dos empregos formais e à redução da dívida pública e das taxas reais de juros. Para fortalecer o sistema produtivo, Lula coloca como meta uma taxa de investimento superior a 25%, para que o país consiga crescer pelo menos 5% ao ano. Atualmente os investimentos não chegam a 20%.
Os apoiadores de Lula garantem que as políticas sociais terão mais força no próximo mandato. Está prevista a estruturação de uma rede nacional de formação de professores, além de aumento para os docentes.
Na saúde, a principal meta é o fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS) com o uso do cartão eletrônico que trará as informações do paciente e facilitará o repasse de verba aos estados. A segurança pública também contará com a integração de órgãos federais, estaduais e municipais para evitar novos "choques de gestão".
Para ampliar a criação de empregos de qualidade, a coligação de Lula se compromete a apoiar a Lei Geral da Micro e Pequena Empresa, cuja votação se arrasta no Congresso. A mudança da legislação é mostrada no programa de governo como facilitadora para a abertura de novas empresas.
O presidente também promete ampliar as medidas de proteção à mulher, aos deficientes físicos e a todos os que sofrem discriminação. A ampliação do acesso à cultura e à informação também está prevista no plano para a gestão 2007-2010. Entre as medidas propostas, estão a manutenção e a ampliação do ProUni, a construção de universidades, a criação da rede nacional de cultura e a democratização de acesso aos meios de comunicação.
A implantação da TV Digital e o aumento de recursos para pesquisa e produção de produtos de alta tecnologia também são colocados como prioridade. O incentivo ao turismo com a valorização das vocações regionais é outra proposta para gerar o crescimento do país.
No novo mandato, o petista pretende, ainda, ampliar o Plano Nacional de Reforma Agrária, dando condições para que as famílias assentadas consigam gerar renda e preservar o meio ambiente.
Para recuperar sua imagem frente aos agricultores, altamente desgastada por causa de sucessivas crises no campo, o presidente garante que aumentará os recursos destinados aos produtores rurais. A prioridade, no entanto, continuará sendo a agricultura familiar, que passará a ter políticas diferenciadas por regiões.
O aumento da exportação de produtos com valores agregados é outra proposta. O incentivo à produção nacional contará com a implantação de medidas protecionistas contra a concorrência predatória de produtos estrangeiros, com a redução de tributos e a com expansão de linhas de crédito.
A longo prazo, Lula diz que construirá o Pólo Petroquímico e a Siderúrgica do Rio de Janeiro, dará mais apoio à indústria naval especialmente para construção de plataformas e petroleiros e fará um gasoduto para abastecer a Siderúrgica do Ceará.
Entre as obras de infra-estrutura, está a duplicação das BR-101 Sul e BR-101 Nordeste, que está em andamento, e a construção da BR-163 no Pará, da BR-158 no Mato Grosso, da BR-364 no Acre e da BR-040 em Minas Gerais. A melhoria do fornecimento de energia e a continuação do projeto Luz para Todos também são citados no plano de governo.