Said Barbosa Dib*
Honoré de Balzac dizia que “remorso é impotência. Quem o tem certamente voltará a cometer o mesmo pecado”. E advertia: “Apenas o arrependimento é uma força que põe termo a tudo”. Parece que Lula substituiu efetivamente o primeiro sentimento pelo segundo quando o assunto é Previdência Social. Talvez por isso, ao contrário do que vêm pensando os analistas mais apressados da imprensa, houve a aprovação, na semana passada, pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), da admissibilidade da proposta que acaba com a contribuição previdenciária dos inativos.
O presidente estaria preocupado em deixar uma imagem mais positiva junto, principalmente, à classe média, setor mais atingido pela reforma previdenciária. Acha que este setor vem sendo o grande empecilho para entregar a faixa presidencial quase como uma unanimidade nacional em 2010. Avalia o presidente que tirar 11% dos proventos dos aposentados e pensionistas do serviço público, que recebem acima de R$ 1.058, para garantir apenas R$ 2 bilhões por ano ao governo, é um custo político muito alto e por quase nada.
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Ele avalia que, no seu primeiro mandato, amarrado pela “herança maldita” do “tucanato”, teve que beneficiar os banqueiros, mas, diferente de FHC, quis atender também aos extremamente pobres, com o “Bolsa Família”. Setor, aliás, que viabilizou a sua reeleição. Mas, assume que teve de deixar a classe média a ver navios.
Agora, Lula tem de estar atento a ela não só pela óbvia estabilidade política que o fortalecimento desse setor traz, mas, também, pela sua grande capacidade geradora de empregos, impostos e consumo, pois é responsável por aproximadamente 60% das vagas criadas pela economia e faz circular riquezas para as atividades que basicamente dependem dela, tais como: hotéis, agências de viagens, empregados domésticos, lavanderias, feiras, planos de saúde, serviços automotivos, restaurantes, construção civil, etc.
É da classe média que vem cerca de 62% da receita dos shoppings, 58% do setor de educação, 61% do setor automotivo, 60% do setor mobiliário, 50% da receita dos supermercados e do setor de telecomunicação. A classe média é responsável, ainda, por 67% da arrecadação do Imposto de Renda e cerca de 70% dos impostos sobre o patrimônio.
A verdade é que e as políticas econômicas dos últimos anos vêm tratando a classe média como um segmento privilegiado que deve cada vez mais contribuir para os cofres públicos.
Contribui pesado, mas não usufrui dos serviços prestados pelo Estado, cuja inércia a obriga a comprometer cerca de 102 dias/ano da sua renda para adquirir serviços privados (educação, plano de saúde, previdência privada…).
Porém, segundo analistas mais maliciosos, o que ocorreu na CCJ da Câmara não seria apenas um descuido dos governistas, nem ao menos a revelação do arrependimento presidencial, mas, sim, uma certa dose de pragmatismo do presidente para enfrentar a “Batalha da CPMF”, que se aproxima.
Batalha que será sangrenta, principalmente no Senado. Afinal, abrir mão de R$ 2 bi dos velhinhos em troca dos R$ 30 bi da CPMF não seria um mau negócio. É claro que, infelizmente, a especulação que segue neste artigo é ainda pura divagação. Lula não vem demonstrando nenhuma intensão neste sentido. Ainda se mostra impotente diante da facção tecnocrático-monetarista de seu próprio governo. Mas, bem que poderia surgir algum político para colocar a questão dos inativos na pauta de negociação da CPMF.
Seria muito bom, porque suportaríamos o absurdo da CPMF por mais alguns anos, mas saberíamos que, pelo menos para os aposentados e pensionistas, as coisas ficariam um pouco melhores. Lula mostraria seu arrependimento, amenizando o ódio da classe média – e o político que fizesse a sugestão teria boas repercussões eleitorais. Quem se oferece?
*Said Barbosa Dib é analista político e historiador.