Fábio Góis
Em seu último discurso como presidente (veja íntegra abaixo), Luiz Inácio Lula da Silva fez um discurso de cerca de dez minutos em que contrapôs, nas entrelinhas, a origem humilde no Nordeste às últimas gestões do PSDB. Lembrando que, como nunca antes na história da República, a faixa presidencial passaria “das mãos do primeiro operário presidente para as mãos da primeira mulher presidenta”, Lula parecia dirigir o discurso a seu antecessor no posto, o ex- aluno e mestre da faculdade francesa Sorbonne Fernando Henrique Cardoso.
“Se governamos bem, foi, principalmente, porque conseguimos nos livrar da maldição elitista que fazia com que os dirigentes políticos deste grande país governassem apenas para um terço da população. E se esquecessem da maioria do seu povo, que parecia condenada à miséria e ao abandono eternos”, fustigou o presidente, que repassa a faixa recebida das mãos do sociólogo FHC à economista Dilma Rousseff em 1º de janeiro.
Pedindo o apoio da população para a presidente eleita, Lula fez ainda um balanço do que considera as principais realizações do governo – com destaque para o papel da Petrobras e a descoberta das bilionárias jazidas recém-descobertas do petróleo pré-sal, localizado no subsolo de regiões profundas do oceano. Enalteceu a menina-dos-olhos de seu sistema de assistência social, o Programa Bolsa Família, que beneficia “quase 13 milhões de famílias pobres” – menção quantitativa que coincide com o número eleitoral do PT, com o qual foi consagrado nas urnas para os dois mandatos.
“Estamos fazendo os maiores investimentos mundiais no setor de petróleo, principalmente a partir da descoberta do pré-sal, que é o nosso passaporte para o futuro. Ele vai gerar milhões de empregos e uma riqueza que será, obrigatoriamente, aplicada no combate à pobreza, na saúde, na educação, na cultura, na ciência e tecnologia e na defesa do meio ambiente”, celebrou Lula.
O discurso foi gravado em uma biblioteca do Palácio do Planalto na manhã da última segunda-feira (20). Escrito pelo publicitário João Santana (mentor da campanha de Dilma), foi o mais longo e emocionado pronunciamento à nação feito por Lula em oito anos de governo: cerca de 11 minutos. Segundo assessores próximos da Presidência, Lula chegou a chorar e interrompeu a gravação, que foi ao ar às 20h em rede nacional de rádio e televisão.
Confira a íntegra do último pronunciamento de Lula à nação:
“Queridas brasileiras e queridos brasileiros,
Dentro de poucos dias, deixo a Presidência da República. Foram oito anos de luta, desafios e muitas conquistas. Mas, acima de tudo, de amor e de esperança no Brasil e no povo brasileiro. Com muita alegria, vou transmitir o cargo à companheira Dilma Rousseff, consagrada nas urnas em uma eleição livre, transparente e democrática. Um rito rotineiro neste país que já se firmou como uma das maiores democracias do mundo.
É profundamente simbólico que a faixa presidencial passe das mãos do primeiro operário presidente para as mãos da primeira mulher presidenta. Será um marco no belo caminho que nosso povo vem construindo para fazer do Brasil, se Deus quiser, um dos países mais igualitários do mundo. País que já realizou parte do sonho dos seus filhos. Mas que pode e fará muito mais para que este sonho tenha a grandeza que o brasileiro quer e merece.
Minhas amigas e meus amigos, hoje, cada brasileiro – e brasileira – acredita mais no seu país e em si mesmo. Trata-se de uma conquista coletiva de todos nós. Se algum mérito tive, foi o de haver semeado sonho e esperança. Meu sonho e minha esperança vêm das profundezas da alma popular – do berço pobre que tive e da certeza que, com luta, coragem e trabalho, a gente supera qualquer dificuldade. E quando uma pessoa do povo consegue vencer as dificuldades gigantescas que a vida lhe impõe, nada mais consegue aniquilar o seu sonho, nem sua capacidade de superar desafios. E quando um país como o Brasil, cuja maior força está na alma e na energia popular, passa a acreditar em si mesmo, nada, absolutamente nada, detém sua marcha inexorável para a vitória.
Foi com esta energia no peito que nós, brasileiros e brasileiras, afugentamos a onda de fracasso que pairava sobre o país quando assumimos o governo. Agora, estamos provando ao mundo – e a nós mesmos – que o Brasil tem um encontro marcado com o sucesso. Se governei bem, foi porque antes de me sentir presidente, me senti sempre, um brasileiro comum que tinha que superar as suas dores, vencer os preconceitos e não fracassar.
Se governei bem, foi porque antes de me sentir um chefe de estado, me senti sempre um chefe de família, que sabia das dificuldades dos seus irmãos para colocar comida na mesa, para dar escola para seus filhos, para chegar em casa, todas as noites, a salvo dos perigos e da violência. Se governamos bem, foi, principalmente, porque conseguimos nos livrar da maldição elitista que fazia com que os dirigentes políticos deste grande país governassem apenas para um terço da população. E se esquecessem da maioria do seu povo, que parecia condenada à miséria e ao abandono eternos. Mostramos que é possível e necessário governar para todos – e quando isso se realiza o grande ganhador é o país.
Minhas amigas e meus amigos, o Brasil venceu o desafio de crescer econômica e socialmente e provou que a melhor política de desenvolvimento é o combate à pobreza. Construímos, juntos, um projeto de nação baseado no desenvolvimento com inclusão social, na democracia com liberdade plena e na inserção soberana do Brasil no mundo. Fortalecemos a economia sem enfraquecer o social; ampliamos a participação popular sem ferir as instituições; diminuímos a desigualdade sem gerar conflito de classes; e imprimimos uma nova dinâmica política, econômica e social ao país, sem comprometer uma sequer das liberdades democráticas.
Ao receber ajuda e apoio, o nosso povo deu uma resposta dinâmica e produtiva, trabalhando com entusiasmo e consumindo com responsabilidade, ajudando a formar uma das economias mais sólidas e um dos mercados internos mais vigorosos do mundo. Em suma : governo e sociedade trabalharam sempre juntos, com união, equilíbrio, participação e espírito democrático.
Minhas amigas e meus amigos, o Brasil demonstra, hoje, sua pujança em obras e projetos que estão entre os maiores do mundo e vão mudar o curso da nossa história. Me refiro às obras das hidrelétricas de Jirau, Santo Antônio e Belo Monte; às refinarias de Pernambuco, Rio de Janeiro, Maranhão e Ceará; às estradas que vão abrir rotas inéditas e estratégicas, como as ligações com o Pacífico e o Caribe; e às ferrovias Norte-Sul, Transnordestina e Oeste-Leste, além do projeto, em licitação, do trem de alta velocidade, que vai ligar São Paulo ao Rio.
Também estamos fazendo os maiores investimentos mundiais no setor de petróleo, principalmente a partir da descoberta do pré-sal, que é o nosso passaporte para o futuro. Ele vai gerar milhões de empregos e uma riqueza que será, obrigatoriamente, aplicada no combate à pobreza, na saúde, na educação, na cultura, na ciência e tecnologia e na defesa do meio ambiente.
Estamos, ainda, realizando um dos maiores projetos de combate à seca do mundo: a transposição das águas do São Francisco, que irá matar a sede e diminuir a pobreza de milhões e milhões de nordestinos. Ao mesmo tempo em que realiza grandes obras, o Brasil, acima de tudo, cuida das pessoas – em especial das pessoas mais pobres. Temos, hoje, os maiores e mais modernos programas de transferência de renda, segurança alimentar e assistência social do mundo. Entre eles, o Bolsa Família, que beneficia quase 13 milhões de famílias pobres e é aplaudido e imitado mundo afora.
Nosso modelo de governo também permitiu que o salário mínimo tivesse ganho real de 67% e a oferta de crédito alcançasse 48% do PIB em 2010, um recorde histórico. O investimento em agricultura familiar cresceu oito vezes e assentamos 600 mil famílias – metade de todos os assentamentos realizados no Brasil até hoje.
Com o Luz Para Todos levamos energia elétrica a 2 milhões e 600 mil pequenas propriedades. E, através do Minha Casa Minha Vida, estamos construindo 1 milhão de moradias, e as famílias que recebem até 3 salários mínimos serão as mais beneficiadas. Na área da saúde, tivemos vários avanços como o Samu, o Brasil sorridente e as unidades de pronto atendimento, as UPAs, que estão sendo construídas Brasil afora.
Triplicamos o investimento em educação, elevando a qualidade do ensino em todos os níveis. Inauguramos 214 escolas técnicas federais, mais do que foi feito em 100 anos. E implantamos 14 novas universidades e 126 novas extensões universitárias em todas as regiões do país. O Prouni beneficiou 750 mil jovens de baixa renda, com bolsas universitárias. Meus amigos e minhas amigas, há muitos outros motivos que reforçam nossa confiança no futuro do Brasil. Temos, quase 300 bilhões de dólares de reservas internacionais próprias – dez vezes mais do que tínhamos no início do nosso governo. Nossa taxa média anual de crescimento dobrou.
Agora, em 2010, por exemplo, vamos ter um crescimento recorde de quase oito por cento – um dos maiores do mundo. E outras quatro grandes conquistas provam, com força simbólica e concreta, que nosso país mudou de patamar. E também mudou de atitude. Geramos 15 milhões de empregos, um recorde histórico, e hoje começamos a viver um ciclo de pleno emprego.
Promovemos a maior ascensão social de todos os tempos, retirando 28 milhões de pessoas da linha da pobreza e fazendo com que 36 milhões entrassem na classe média. Zeramos nossa dívida com o fundo monetário internacional e agora é o Brasil que empresta dinheiro ao FMI. E, ao mesmo tempo, reduzimos como nunca o desmatamento na Amazônia.
A minha maior felicidade é saber que vamos ampliar todas estas conquistas. Minha fé se alicerça em três fundamentos: as riquezas do Brasil, a força do seu povo e a competência da presidenta Dilma. Ela conhece, como ninguém, o que foi feito e como fazer mais e melhor. Tenho certeza de que Dilma será uma presidenta à altura deste novo Brasil, que respeita seu povo e é respeitado pelo mundo.
Este país que, depois de produzir seguidos espetáculos de crescimento e inclusão, vai sediar os dois maiores eventos do planeta: a copa do mundo e as olimpíadas. Este país que reduziu a desigualdade entre as pessoas e entre as regiões e vai seguir reduzindo-a muito mais. Este país que descobriu que não há maior conquista do que recuperar a auto-estima do seu povo.
Queridas brasileiras e queridos brasileiros, quero encerrar com um pedido enfático e um agradecimento profundo. Peço a todos que apóiem à nova presidenta, assim como me apoiaram em todos os momentos. Isso também significa cobrar, na hora certa, como vocês souberam me cobrar. A cobrança foi um estímulo para que a gente quisesse fazer sempre mais. E o amor de vocês foi a minha grande energia e meu principal alimento.
Agradeço a vocês por terem me ensinado muitas lições. E por terem me fortalecido nas horas difíceis e ampliado minha alegria nas horas alegres. Saio do governo para viver a vida das ruas. Homem do povo que sempre fui, serei mais povo do que nunca, sem renegar o meu destino e jamais fugir à luta. Não me perguntem sobre o meu futuro, porque vocês já me deram um grande presente. Perguntem, sim, pelo futuro do Brasil! E acreditem nele. Porque temos motivos de sobra para isso.
Minha felicidade estará sempre ligada à felicidade do meu povo. Onde houver um brasileiro sofrendo, quero estar espiritualmente ao seu lado. Onde houver uma mãe e um pai com desesperança quero que minha lembrança lhes traga um pouco de conforto. Onde houver um jovem que queira sonhar grande, peço-lhe que olhe a minha história e veja que na vida nada é impossível.
Vivi no coração do povo e nele quero continuar vivendo até o último dos meus dias. Mais que nunca, sou um homem de uma só causa e esta causa se chama Brasil! Um feliz natal e próspero ano novo a todos vocês e muito obrigado por tudo.”
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