Em meio a uma sessão longuíssima na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, a base governista viu exposta, mais uma vez, sua fragilidade e desarticulação. Agora, contudo, as evidências ultrapassaram as barreiras dos bastidores e tomaram corpo em críticas públicas. “Estranho”, “lamentável”, “amadorismo” e ironias da oposição de que não é mais preciso fazer seu trabalho, porque o governo faz isso por si só. Essas e outras considerações deram o tom desta segunda-feira (15).
A condução do colegiado pelo novato Felipe Francischini (PSL-PR) tem sido reprovada pelo governo, avaliação que atingiu o ápice na sessão da CCJ desta segunda, quando ele indicou a deputada petista Maria do Rosário (RS) para ler a ata da sessão anterior – uma manobra da oposição para alongar a reunião e evitar a análise da proposta de emenda à Constituição (PEC) da reforma da Previdência.
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O líder do governo na Casa, Major Vitor Hugo (GO), admitiu “achar estranha” a decisão de Francischini de colocar justamente Maria do Rosário para fazer a leitura da ata. De forma pausada, ela gastou cerca de 20 minutos apenas com isso. “Achei estranha a decisão, me surpreendeu. Mas ele vai esclarecer a escolha”, disse o deputado ao Congresso em Foco.
A indicação da deputada por Francischini para o papel, que pegou a todos de surpresa, foi ironizada pelos parlamentares na reunião, que chamaram o ato de “operação tartaruga”. Entre oposicionistas, a brincadeira era que o presidente da CCJ, que integra o partido do presidente Jair Bolsonaro, “está tomando o nosso papel”, zombou José Guimarães (PT-CE).
Em resposta ao Congresso em Foco, Felipe Francischini demonstrou irritação. Negou ter dado aval para qualquer movimentação que pudesse atrasar os trabalhos da CCJ, em especial a votação da PEC da Previdência. “Mentira gigantesca. Eu sempre fui contra a inversão, justamente porque sabia que aconteceria tudo isso”, afirmou, referindo-se à prolongada discussão para votar primeiro a PEC do orçamento impositivo, tese que acabou vencedora no fim das contas.
A leitura da ata da sessão anterior também irritou a líder do governo no Congresso, Joice Hasselmann (PSL-PR), que foi vista por colegas da comissão irritada com as obstruções impostas pela oposição nesta segunda.
“Tem momentos em que a gente precisa parar e conversar. Para que o tal kit obstrução seja retirado. O que a gente está vendo é uma sequência de falatórios, em especial da oposição. É de chorar. É lamentável. Vi as deputadas Erika Kokay (PT-DF), Maria do Rosário (PT-RS), outras parlamentares da oposição tentando obstruir a sessão em até vinte minutos para falar de temas da rebimboca da parafuseta que nada têm a ver com o processo da votação. É uma brincadeira de mau gosto, porque aquilo é dinheiro público”, afirmou ao chegar ao Palácio do Planalto para uma reunião com o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni.
Aliado declarado de Bolsonaro, Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), integrante da bancada Evangélica, chamou o PSL de “amador” e também dirigiu críticas à condução de Francischini na sessão desta segunda (15).
“O que vimos hoje foi de um amadorismo sem fim. Queremos ajudar o governo, queremos que dê certo. Mas o partido precisa de lideranças. Não está funcionando. O PT ler a ata da reunião., sinceramente! Ela [Maria do Rosário] fez seu papel de oposição, mas como o presidente da CCJ, [que é] do PSL, nomeia uma deputada do PT para essa função? Só ele [Felipe Francischini] pode dar essa resposta, mas eu não entendi”, disse Sóstenes.
Ao falar com a imprensa, Francischini rebateu os ataques de que vem sendo alvo de todos os lados. “Eu vejo a oposição se alicerçando ao centro para pautar algumas coisas. Não vejo um movimento forte do outro lado. Por isso estamos vendo o que aconteceu hoje. Eu fico pautando requerimentos e ninguém defende”, desabafou.
Afirmou ainda ter indicado Maria do Rosário para ler a ata da reunião “porque estava sentada” na sua frente. E finalizou: “O governo está ligando para os deputados, está se esmerando para aprovar a reforma? O governo tem que começar a tratar com mais seriedade as coisas”.
Por fim, disse que não irá mais mapear votos na comissão, o que afirma ser atribuição do governo. E não quis mais se comprometer com um cronograma do Planalto. Inicialmente, a ideia era encerrar a votação da PEC da reforma da Previdência na CCJ até quarta (17).
Em um cenário totalmente adverso, o governo viu que sofreria nova derrota e decidiu fazer um acordo e jogar a votação para depois do feriado de Páscoa.
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