Renata Camargo
Preocupados com o maior controle das atividades parlamentares e com os descontos na folha de pagamento, os senadores estão justificando mais as suas ausências. Levantamento exclusivo realizado pelo Congresso em Foco revela que aumentou mais de sete vezes, de 2007 para 2008, o número de senadores licenciados em sessões deliberativas.
Se em 2007 – ano em que o site realizou o primeiro levantamento sobre assiduidade parlamentar –, os senadores apresentaram apenas 193 justificativas para faltas em sessões deliberativas, no ano passado esse número pulou para 1.442. Dessas, menos de 10% são licenças por motivo de saúde.
Nesse mesmo período, o número de ausências injustificadas caiu na mesma proporção. De acordo com o levantamento do site – cujo ranking dos parlamentares mais ausentes será publicado amanhã (21) –, no ano passado, os senadores somaram 340 faltas injustificadas, número consideravelmente menor que o registrado em 2007, cujo total de ausências dessa natureza chegou a 1.545.
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Transparência e bolso
Para o cientista político Octaciano Nogueira, da Universidade de Brasília (UnB), esse aumento no número de justificativas revela uma maior preocupação do parlamentar com o bolso. De acordo com o Regimento Interno da Casa, as faltas injustificadas são descontadas do salário, enquanto as ausências justificadas por meio de licenças (com exceção da licença para interesse particular) não são deduzidas da remuneração.
“Isso é só uma questão de mordomias. A ausência conta como falta, a licença não conta. Isso é um subterfúgio que passaram a usar. O número de ausências ficou maior. Mas agora eles estão mais preocupados com o bolso; por isso, apresentam licenças”, avalia Octaciano.
A secretária-geral da Mesa do Senado, Cláudia Lyra, no entanto, argumenta que a preocupação dos senadores em justificar suas ausências decorre da maior transparência na divulgação de informações como presença em plenário. Segundo Cláudia, a partir de 2007, a Casa passou a divulgar com mais clareza, na internet, os diários oficiais com as presenças em sessões deliberativas e as resenhas em que constam licenças e motivos apresentados para as faltas.
Já para o senador Alvaro Dias (PSDB-PR), o número de licenças aumentou sete vezes por causa da maior quantidade de missões oficiais em que os parlamentares estiveram envolvidos no ano passado. “Houve um aumento no número de viagens oficiais, em especial, por conta do Parlamento do Mercosul. Mas pode ser também um cuidado maior por parte dos parlamentares, pois antes se faltava sem justificar”, ponderou Alvaro.
Missão política
Entre os senadores que mais estiveram licenciados em dias de sessões deliberativas no ano passado – desconsiderando-se aqueles que estiveram ausentes por problemas de saúde ou suplência –, Marcelo Crivella (PRB-RJ), Magno Malta (PR-ES), Fátima Cleide (PT-RO), Patrícia Saboya (PDT-CE) e Lobão Filho (PMDB-MA) despontam entre os primeiros. As ausências deles se justificam por missões políticas ou licença de interesse particular.
O Congresso em Foco entrou em contato com o gabinete dos cinco senadores para esclarecer as justificativas. Nem todos responderam.
Senador que mais apresentou licenças de interesse particular, Lobão Filho ressalta, por meio de sua assessoria, que todas as “ausências estão plenamente justificadas dentro do contexto legal”. Filho e suplente do atual ministro de Minas e Energia, Edison Lobão (PMDB-MA), o peemedebista alega que ”como empresário, tem atividades empresariais intensas, o que gera demandas externas ao Congresso”.
No caso do senador Magno Malta, todas as licenças foram para missões de interesse parlamentar ou para representar a Casa. Em algumas dessas missões, Malta foi convidado para participar de eventos relacionados à CPI da Pedofilia, da qual é presidente.
Já Fátima Cleide argumenta que, além de ter representado oficialmente o Senado em eventos externos, também se ausentou do plenário para promover “trabalhos políticos” em sua base parlamentar, especialmente no período eleitoral.
Amparo regimental
De acordo com Cláudia Lyra, faltas decorrentes de participação nas eleições podem ser justificadas pelos artigos 13 ou 43, do Regimento Interno, que garantem aos senadores o direito de se ausentarem por motivos de “missão política de interesse parlamentar” ou por “interesse particular”.
As eleições também foram usadas como justificativa para as ausências da senadora Patrícia Saboya, que disputou a prefeitura de Fortaleza. Algumas das faltas, segundo sua assessoria, foram motivadas por problemas de saúde.
Candidato à prefeitura do Rio em outubro, Marcelo Crivella não retornou o contato feito pela reportagem.
Justificativas aliviam bolso
O direito de licença é assegurado pelos artigos 55 e 56 da Constituição Federal. Segundo o inciso II do art. 56, o parlamentar não perderá o mandato se “licenciado por motivo de doença, ou para tratar, sem remuneração, de interesse particular, desde que, neste caso, o afastamento não ultrapasse centro e vinte (120) dias por sessão legislativa”. Se ultrapassar esse período, deve-se convocar suplente.
São quatro os tipos de licenças que podem ser requeridas pelos senadores. Licença de missão política ou cultural de interesse parlamentar (art. 13 do Regimento Interno), licença de missão oficial para representação da Casa no Brasil ou no exterior (art. 40), licença para tratamento de saúde (art. 43, I) e licença de interesse particular (art. 43, II).
Dessas quatro, a única que pode resultar em desconto no salário do senador é a licença por interesse particular. Mas, de acordo com a secretaria-geral da Mesa, com essa licença – que pode ser utilizada em caso de morte ou problemas de saúde de parentes ou mesmo para resolver assuntos de suas próprias empresas –, o parlamentar não precisa especificar qual a razão que o levou a requerer essa licença.
“Não precisamos saber qual é o motivo, porque a licença é de interesse pessoal. Mas por isso o senador deixa de receber”, justificou Cláudia Lyra.
Sem cortes
Nos demais casos, as ausências não implicam a menor ameaça ao bolso do congressista. A licença por missão política ou cultural de interesse parlamentar pode ser invocada toda vez que o senador precisar faltar à sessão deliberativa para participar de algum evento de interesse político ou partidário.
Uma reunião de partido no estado de origem, assim como um convite para ministrar palestra, por exemplo, pode ser enquadrado no artigo 13, que não implica custos para a Casa e também não desconta a ausência da remuneração do parlamentar.
A licença para missão oficial é solicitada quando o senador tem a tarefa de representar a Casa. Essas licenças são autorizadas em votação em plenário e envolvem custos para o Congresso, que arca com as despesas de diárias e passagens aéreas. Já a licença para tratamento de saúde – solicitada quando o parlamentar precisa se afastar por motivos de doença – não gera despesas para a Casa, mas precisa ser precedida de laudo da equipe médica do Senado. Em 2008, foram registradas 143 justificativas de faltas para sessões deliberativas por motivo de saúde.
Viagens
O número de licenças pedidas pelos senadores não corresponde ao de faltas. Isso porque o período solicitado pode compreender desde uma única sessão até dezenas delas. Além disso, nem todos os períodos de afastamento reivindicados são cumpridos na íntegra.
Somente no segundo semestre de 2008, os senadores pediram 468 licenças. Desse total, cerca de 100 não foram utilizadas. No ano passado, 87 licenças com custos para o Senado – ou seja, para missão oficial – foram solicitadas. Dessas, 79 foram aprovadas em plenário, autorizando os parlamentares a representarem o Congresso na Índia, nos Estados Unidos, na África, na América Latina, na Europa e em cidades brasileiras.
O Congresso em Foco procurou a diretoria-geral do Senado para apurar o valor total gasto com viagens nacionais e internacionais de missão oficial no ano passado. Mas, segundo a assessoria de imprensa da Casa, a soma ainda não foi consolidada. De acordo com a Secretaria de Recursos Humanos, o valor pago por diária para uma viagem internacional é de US$ 416. Viagens para países da América Latina têm diárias de US$ 358 e viagens nacionais, de R$ 330.
Desconto misterioso
Em relação à licença de interesse particular, a única que desconta da remuneração do parlamentar, o abatimento é feito em cima dos vencimentos. Mas a maneira como esse desconto é feito não está prevista no Regimento Interno.
Questionada sobre como é feito o corte, a secretaria-geral da Mesa repassou a responsabilidade sobre o assunto para a diretoria-geral, que, por sua vez, pediu à reportagem que procurasse o departamento que faz o pagamento aos senadores. Nos três setores, porém, ninguém soube responder como é feito o desconto no salário dos licenciados.
As faltas também devem ser, segundo o regimento, descontadas. Considera-se ausente o senador cujo nome não esteja nas listas de comparecimento das sessões deliberativas ordinárias ou que, embora conste na lista, deixe de comparecer às votações. De acordo com o artigo 55 da Constituição Federal, o parlamentar que faltar a um terço das sessões ordinárias, exceto em licença ou missão autorizada, deve perder o mandato.
A secretária-geral do Senado garante que todas as presenças, faltas e licenças são rigorosamente computadas. Segundo Cláudia Lyra, os requerimentos de licença devem ser apresentados previamente ao período de ausência. Mas a secretária admite que muitos pedidos são levados à Mesa depois que o parlamentar faltou à sessão deliberativa.
Justificar as ausências pelos mais diversos motivos não é exclusividade dos senadores no Congresso. Levantamento feito pelo Congresso em Foco a partir de dados oficiais da Secretaria Geral da Mesa revela que os 513 deputados no exercício do mandato acumularam 7.643 faltas nas sessões destinadas a votação, no período de 11 de fevereiro a 11 de dezembro de 2008. Desse total, 5.977 foram justificadas. Em relação às demais 1.666 ausências, não foi dado qualquer tipo de explicação (leia mais).