Mário Coelho
Aprovada na noite de quarta-feira (8) pelo plenário da Câmara, a reforma eleitoral vai trazer um desafio para os candidatos nas próximas eleições, especialmente aos menos ligados nas novas tecnologias. Com a liberação do uso da internet nas campanhas eleitorais, aqueles que decidirem postular um cargo eletivo deverão se adaptar a uma nova maneira de se comunicar com os eleitores.
O substitutivo ao Projeto de Lei 5.498/09, elaborado por um grupo de trabalho formado em junho e assinado pelos líderes partidários, prevê a liberação de sites, blogs e redes sociais para uso em campanha a partir de 5 de julho de cada ano eleitoral. Antes, como não estava previsto em lei, quase tudo na rede mundial de computadores era proibido. Só eram permitidos pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) as páginas oficiais com registro “.can”.
Parlamentares ouvidos pelo Congresso em Foco apontam que o substitutivo elaborado pelo deputado Flávio Dino (PCdoB-MA) não será responsável por grandes modificações na maneira como as eleições ocorrem no Brasil. Também não acreditam que deve diminuir consideravelmente o valor das campanhas. Porém, lembram que a liberação da internet forçará os candidatos a saberem dialogar melhor com os eleitores. “Esse projeto vai forçar os candidatos a modificar a maneira de se comunicar”, disse o líder do PSB na Câmara, Rodrigo Rollemberg (DF).
O substitutivo aprovado, que foi remetido à aprovação do Senado, permite que sejam usados e-mails, blogs e outras redes de relacionamento (como Orkut, Facebook e Twitter), seja por iniciativa dos partidos, dos candidatos ou de qualquer pessoa. A proibição recairá apenas sobre as páginas de empresas com ou sem fins lucrativos; as destinadas a uso profissional; e as oficiais. Quem infringir essa regra estará sujeito a multa de R$ 5 mil a R$ 30 mil. “Esse texto é uma modernização [da legislação eleitoral]. Foi um avanço importante, o Congresso não se omitiu”, afirmou o deputado José Genoino (PT-SP).
O líder do DEM na Câmara, Ronaldo Caiado (GO), é mais otimista. Ele, que possui inclusive perfil na rede social Twitter, acredita que, em 2010, a internet terá “um peso nunca visto” nas eleições brasileiras. “É a chance de aumentar os votos de opinião. O eleitorado vai participar ativamente e não será um mero espectador. É a participação popular”, comemorou Caiado. “O aspecto de abrir pela internet a total participação no processo eleitoral é muito positiva”, destacou o 1º vice-líder do PSDB, Duarte Nogueira (SP).
Apesar de liberar a internet para a campanha, o projeto proibiu a veiculação de qualquer tipo de propaganda paga. Outras restrições são semelhantes às existentes para as emissoras de rádio e televisão. Por exemplo, usar trucagem, montagem ou outro recurso que degrade ou ridicularize candidato ou partido, dar tratamento privilegiado a candidato, fazer propaganda em filmes, novelas ou minisséries, ou divulgar o nome de página eletrônica que se refira a candidato.
Reações negativas
O líder do Psol, Ivan Valente (SP), não aprovou o projeto. Para ele, a matéria não trata de questões centrais, como a fixação de um teto para os gastos de campanha e a publicação de todas as doações. “Os cabos eleitorais continuarão sendo contratados aos milhares; o abuso do poder econômico vai prosseguir”, previu Valente. O mesmo ponto é abordado por Rollemberg. “Contratar cabo eleitoral é, na prática, comprar voto.”
A deputada Rita Camata (PMDB-ES), em pronunciamento em plenário durante a votação, disse que a reforma é tímida. Ela se referia à resistência dos parlamentares em acrescentarem dispositivos que fossem mais duros contra os partidos que não respeitassem as cotas partidárias. No fim da apreciação, após muita negociação, ficou previsto que a sigla que não cumprir a cota de 30% para mulheres perderá 2,5% do fundo partidário no ano seguinte à eleição.
A bancada feminina queria, ainda, que 10% do fundo partidário e 20% do tempo dos partidos fossem destinados à elaboração e divulgação de projetos de incentivo à participação das mulheres nas eleições. Os percentuais, entretanto, acabaram sendo diminuídos para 5% e 10%, respectivamente.
O Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), que reúne mais de 40 entidades, divulgou nota ontem (9) lamentando a aprovação do texto. De acordo com o movimento, dois artigos da nova lei são um retrocesso no combate à corrupção. O primeiro deles é o art. 3º, segundo o qual a certidão de quitação eleitoral, necessária no ato da candidatura, mencionará exclusivamente a apresentação de contas de campanha eleitoral. “Ou seja, de acordo com o artigo, estas mesmas contas não precisam ser aprovadas, apenas apresentadas pelo proponente a candidato para que o candidato obtenha a quitação eleitoral”, diz a nota.
O segundo ponto polêmico, de acordo com a nota, torna possível que mesmo candidatos inelegíveis participem do processo eleitoral. Hoje funciona assim: o candidato tem uma data limite para fazer seu registro de candidatura, provando que preenche todos os requisitos. Com a mudança aprovada pela Câmara, essa data limite deixa de existir e o candidato tem todo o período de campanha para tentar reverter a sua situação. É o que acontece com candidatos que têm suas contas rejeitadas, por exemplo.
“Não é verdadeiro o que estão dizendo”, respondeu Flávio Dino. Segundo ele, as novas regras não dão mais espaço para existir corrupção. “O objetivo é garantir uma regra única para todo o País; hoje, os juízes podem definir prazos diferentes segundo suas interpretações”, afirmou.
Novidades
Internet – o uso de blogs, sites e redes sociais está permitido, assim como propaganda eletrônica por e-mail e mensagens de texto por celular. Além disso, fica regulamentada a doação pela internet por cartão de crédito. Antes, o meio era regido por resolução do TSE, que só permitia sites com domínio “.can”. O substitutivo também prevê direito de resposta na internet. Deve ter o mesmo destaque dado à ofensa, observando-se igual espaço, horário, tamanho e outros detalhes. A resposta deverá ficar disponível por tempo não inferior ao dobro do que esteve disponível a mensagem considerada ofensiva. O responsável pela ofensa deverá pagar os custos da resposta.
Prestação de contas – o texto aprovado na Câmara ameniza as punições. Antes, o candidato ou partido que não apresentasse a prestação de contas teria a suspensão total do repasse de verbas do fundo partidário. Agora, a sanção deverá ser aplicada de forma proporcional, por um a doze meses, ou por meio de desconto do valor considerado irregular. A suspensão também não poderá ser aplicada se as contas não houverem sido julgadas depois de cinco anos de sua apresentação; e, em todas as instâncias, caberá recurso com efeito suspensivo.
Voto impresso – o projeto determina a impressão do voto registrado na urna eletrônica gradualmente até as eleições de 2014. A Justiça Eleitoral deverá realizar auditoria independente do software em audiência pública mediante o sorteio de 2% das urnas eletrônicas de cada zona eleitoral, respeitado o limite mínimo de três máquinas por município. O TSE deixou a impressão de lado em 2002.
Voto em trânsito – com a intenção de permitir a participação de profissionais que normalmente estão trabalhando no dia das eleições, como motoristas de ônibus, aviadores e outros. Não estava no texto inicial, foi acrescentada como emenda de plenário.
Muros e outdoors – os dois tipos de propaganda estática ficaram de fora. A legislação atual permitia as pinturas de muros.
Registro – o cancelamento do registro do partido por não prestar contas à Justiça Eleitoral passa a ser aplicado apenas em relação às contas do diretório nacional e não poderá ocorrer se os órgãos estaduais ou municipais omitirem a prestação de contas. Para qualquer partido ou coligação acionar a Justiça Eleitoral sobre casos de condutas ilegais na arrecadação e gastos de recursos, o projeto estabelece o prazo de 15 dias antes da diplomação como data final. Já para o crime de compra de votos (“captação de sufrágio”), o projeto fixa a data da diplomação como prazo final para qualquer partido ou coligação acionar a Justiça Eleitoral contra o candidato.
Campanha nas ruas – fica proibida em bens públicos de uso comum (pontes, viadutos, passarelas ou postes), e em propriedade privada, como cinemas, clubes, lojas, centros comerciais, templos, ginásios ou estádios. A proibição estende-se a árvores e jardins de áreas públicas, tapumes, muros e cercas. As faixas, placas, cartazes ou pinturas não poderão ter área superior a 4 m² e todo material impresso deverá conter o CNPJ ou o CPF do responsável pela confecção e de quem a contratou, além da tiragem. No dia do pleito, a manifestação coletiva de apoio ao candidato, caracterizada como a aglomeração de pessoas com roupas de propaganda e outros objetos (como bandeiras e cartazes), está proibida.
Carreatas – trios elétricos ficam proibidos, exceto em comícios. Carreatas, caminhadas, passeatas, os carros de som e a distribuição de material gráfico serão permitidos até as 22 horas do dia anterior à eleição.
Multa por propaganda antecipada – outra norma que foi abrandada pelos deputados. O projeto diminui de R$ 10 mil a R$ 30 mil para R$ 5 mil a R$ 25 mil a multa que pode ser aplicada ao responsável pela divulgação de propaganda antes de 5 de julho do ano eleitoral.
Perda de mandato – o projeto definiu o prazo de um ano para julgamento definitivo de processo de perda de mandato pela Justiça Eleitoral. Se o processo não houver sido julgado dentro desse prazo, o juiz ou o tribunal dará prioridade absoluta a ele em relação às demais deliberações.
Propostas do candidato – candidatos a prefeito, governador e presidente da República farão a apresentação de suas propostas para validar o registro da candidatura. Para todos os candidatos, as condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade devem ser aferidas no momento do pedido de registro da candidatura.
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