Lígia Souto |
Escrever não é fácil. Essa dificuldade pode ser constatada no acúmulo de processos na Justiça, decorrente da má redação de leis que, incapazes de expressar com precisão a intenção de seus autores, abrem espaço para intermináveis disputas judiciais. Ao aprovar textos ambíguos, o Legislativo acaba premiando o Judiciário com um presente de grego. Afinal, cabe a ele uniformizar o entendimento e pacificar os conflitos. A imprecisão de um artigo do Código de Trânsito Brasileiro, por exemplo, tem estimulado motoristas a recorrerem da multa aplicada em função do uso do celular ao volante. Como a lei apenas proíbe o condutor de dirigir com uma das mãos e de utilizar “fones nos ouvidos conectados a aparelhagem sonora ou de telefone celular”, ganhou espaço a interpretação de que o uso do viva-voz e do auricular monofone é permitido. Leia também Essa, talvez, não tenha sido a intenção de quem elaborou a lei, mas, por não conter a clareza e a objetividade necessárias, o texto permite que ela seja interpretada dessa maneira. “É claro que as leis estão sujeitas a diferentes interpretações, porque a sociedade muda e a interpretação se adapta a ela, mas existem falhas de redação que causam dúvidas no seu entendimento”, explica Dad Squarisi, responsável pela coluna Dicas de Português do jornal Correio Braziliense e ex-consultora legislativa do Senado. A falta de intimidade do legislador brasileiro com a língua portuguesa não é a única responsável pela profusão de leis confusas, avalia o ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Ives Gandra Filho. O problema decorre também do conflito de interesses deflagrado ao longo do processo legislativo. “Muitas vezes, as leis não saem tão bem redigidas justamente porque vários grupos trabalham no Congresso Nacional para que o seu interesse prevaleça. Se não existir uma maioria clara de um determinado grupo para uma determinada matéria, a redação final não será adequada, pois terá que atender ao grupo A e, ao mesmo tempo, não ser rejeitada pelo grupo B”, observa Gandra Filho. Para evitar o abuso de expressões ambíguas que comprometam o entendimento da legislação, o Congresso chegou a aprovar, em 1998, uma lei complementar com regras e parâmetros para tornar a redação legislativa mais clara. O efeito, até agora, é limitado, avalia o professor de Língua Portuguesa Marcelo Paiva. “A lei deveria ser elaborada seguindo determinadas normas. Deveria procurar a palavra mais simples, o período mais curto e o parágrafo com poucos períodos. Deveria apresentar a idéia e os argumentos. Se existisse essa preocupação, já facilitaria muito. Mas não há uma boa divisão das idéias”, explica Paiva. Além da ambigüidade e da falta de objetividade, outro traço comum a leis mal redigidas apontado pelo professor é produto do gosto do legislador brasileiro por textos rebuscados. “A pessoa escreve ou fala difícil para parecer inteligente, intelectual e acaba complicando”, observa. |
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