Reginaldo Minaré
Relatório elaborado pela Comissão Européia, em 2004, e disponível em sua página na rede mundial de computadores, afirma que a indústria biotecnológica tem continuado a se desenvolver no mundo e que, após leve queda na confiança dos investidores a partir de 2000, iniciou-se, em 2003, uma recuperação nos Estados Unidos da América e na União Européia (UE).
Enquanto a UE identifica um aquecimento dos investimentos em biotecnologia a partir de 2003, no Brasil a situação é radicalmente contrária e os números disponíveis na página da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) não deixam dúvidas.
Para ilustrar a situação, basta fazer uso do índice referente à pesquisa de campo com organismos geneticamente modificados (OGMs), que é uma etapa de fundamental relevância para o desenvolvimento tecnológico na agricultura, setor que é responsável por significativa parcela do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro.
De 1997 a 2002, a CTNBio emitiu pareceres favoráveis à realização de 621 experimentos de campo com OGMs, ou seja, uma média anual de 103,5 experimentos. De 2003 a 2005, a CTNBio emitiu 40 pareceres em pedidos de experimentos de campo com OGMs, ou seja, uma média anual de 13,3 experimentos. Verifica-se, portanto, que a soma dos três últimos anos é menor que a média anual dos seis anos anteriores a 2003.
Para complicar ainda mais a situação da biotecnologia no Brasil, desde 24 de março de 2005, por falta de regulamentação da Lei 11.105/05 (lei que disciplina as atividades no âmbito da engenharia genética), a CTNBio não está funcionando e nenhum projeto está sendo avaliado. Todos os pleitos envolvendo engenharia genética, inclusive projetos de pesquisas, não caminharam nem um passo desde março de 2005. Estamos, portanto, seguindo para o oitavo mês de total paralisação do setor.
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O artigo 84 da Constituição Federal, que dispõe sobre a competência privativa do presidente da República, estabelece em seu inciso IV que compete ao Chefe do Poder Executivo expedir decretos e regulamentos para fiel execução das leis. Já o inciso I do parágrafo único do artigo 87 da Constituição dispõe que compete ao ministro de Estado referendar os atos e decretos assinados pelo presidente da República.
Com relação à obrigatoriedade ou não do referendo ministerial em decreto assinado pelo presidente da República, as opiniões doutrinárias são divergentes. Alguns entendem que um decreto assinado pelo Chefe do Poder Executivo e não referendado pelo ministro da área relacionada deve ser considerado um ato nulo. Outros entendem que o fato do decreto não ser referendado por ministro não interfere na sua validade e que não será por isso que o ato deixará de valer e ter eficácia.
Essa divergência quanto à função da referenda ministerial já chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF), e o ministro Celso de Mello, em decisão proferida no Mandado de Segurança 22706-1, reconheceu que ela não se qualifica como requisito indispensável de validade dos decretos presidenciais.
Sem dúvida a decisão do ministro Celso de Mello e a posição dos doutrinadores que defendem entendimento semelhante apresentam maior razoabilidade com o trato da matéria. Pois, em nosso sistema presidencialista, os ministros são meros auxiliares do presidente e são nomeados ou demitidos a critério do próprio presidente. Assim, o ministro que não concordar com o pensamento de seu Chefe, negando-se a referendá-lo e não o convencer com sua argumentação, caso não peça para deixar o cargo. poderá ser demitido. A questão, portanto, é tema de relacionamento do ministro com o presidente da República.
Outra hipótese que reforça a razoabilidade desse entendimento é o fato de que vários decretos são interministeriais, e vários são os ministros que os referendam após a assinatura do presidente da República. Não é razoável que um decreto não possa ser publicado se um ministro resolver não referendá-lo, pois se chegaria ao absurdo do país ficar esperando que o presidente da República convencesse o subordinado teimoso ou o demitisse, nomeando outro com disposição para fazê-lo.
Diante, portanto, do comando contido no texto constitucional, do entendimento da maioria dos doutrinadores e da decisão do STF, resta cristalino que a pessoa competente para expedir decreto necessário à fiel execução de uma lei não é outra senão o presidente da República.
Concluindo, é de se imputar ao Chefe do Poder Executivo quaisquer conseqüências oriundas do retardo no processo de regulamentação da Lei de Biossegurança.
*Reginaldo Minaré é advogado e diretor-jurídico da Associação Nacional de Biossegurança (ANBio)