Eduardo Militão
Pouca gente sabe. Mas a legislação eleitoral dá uma colher de chá para os 36 mil servidores públicos que disputam uma vaga nas eleições municipais deste ano. Segundo a Lei Complementar 64/90 e a Lei 8.112/90, eles têm direito a três meses de licença remunerada para concorrerem. Quem não se afasta do cargo fica inelegível. Caso os servidores sejam eleitos vereadores, o artigo 38 da Constituição ainda lhes garante acumular o salário recebido na repartição e no Legislativo.
Na opinião da doutora
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Um projeto de lei de iniciativa popular que tramita desde 2005 na Câmara quer acabar com o pagamento de salários dos funcionários que resolverem sair candidatos. O PL 5850, da Associação Comunitária de Chonin de Cima, de Governador Valadares (MG), diz que será cassada a candidatura de quem receber remuneração durante a licença para a disputa eleitoral.
A proposta está nas gavetas do Congresso. Desde 15 de outubro do ano passado, ela aguarda ser designado um relator na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara.
Mesmo com as facilidades legais, a campanha deste ano só empolgou 0,5% dos servidores efetivos do Congresso Nacional (leia mais). O entusiasmo é maior nas outras esferas do funcionalismo. Afinal, 9,5% dos concorrentes no Brasil inteiro são funcionários públicos.
Sem desequilíbrio
A professora Mônica Caggiano não acredita que as facilidades para os servidores públicos desequilibrem a concorrência com os candidatos vindos da iniciativa privada. Para ela, a legislação incentiva a participação no processo cívico, o que é positivo.
O problema, argumenta, é a deformação generalizada do sistema. Mônica afirma ser necessário fazer um levantamento, mas, nos anos em que observou e estudou a dinâmica eleitoral, só um em cada 100 servidores candidatos acabou se elegendo. Motivo? Grande parte aproveita as benesses da legislação para angariar votos para campanhas alheias.
Isso porque a lei proíbe que eles façam isso. Como “jeitinho”, eles se candidatam a uma vaga e tornam-se cabos eleitorais pagos pelo contribuinte. “Estão fazendo campanha de outros, do prefeito que concorre à reeleição, do deputado… Estão usando a máquina pública com o respaldo da lei”, avalia Mônica.
Uso do cargo
Para o advogado especialista em direito eleitoral Igor Tamasauskas, a atual legislação é boa e não traz deformidade nenhuma. Ele entende que o servidor precisa se licenciar do cargo até para não usá-lo em seu favor na campanha. Para isso, é importante que o funcionário público seja remunerado.
“A licença pode ser imaginada como benefício ao servidor? Pode, mas garante que ele não vai usar o cargo em seu benefício da campanha”, analisa Tamasaukas. Ele cita o exemplo de um advogado da União que pode dar um parecer contra os interesses do Estado, mas que beneficie seus potenciais eleitores.
Essa não é a opinião do procurador regional eleitoral do Distrito Federal, Osnir Belice. Ele lembra que alguns funcionários públicos simulam campanhas só para “passear” ou, pior, trabalhar em outros empregos. Em 1998, ele conseguiu comprovar que um servidor do Ministério da Educação se candidatou às eleições, mas foi trabalhar numa faculdade. O funcionário teve que devolver os salários.
Para Belice, não é coerente obrigar os funcionários de baixo escalão a se licenciarem e permitir que os prefeitos que concorrem à reeleição continuem no comando da máquina. “Não vejo necessidade de se afastar do cargo. O faxineiro tem que se afastar e o prefeito não? A influência do Barnabé é muito pouca para fazer uso do cargo”, compara o procurador.
Vereador voluntário
Com as benesses da legislação atual, um agente da Polícia Federal de Caruaru (PE) resolveu radicalizar e, de quebra, conquistar a simpatia dos eleitores. O candidato a vereador Severino Ramos Melo (PPS) registrou em cartório o compromisso de devolver os R$ 5 mil de salário que receberá caso seja eleito.
Ele afirma que pode viver apenas com a remuneração de policial. O restante Severino promete doar a entidades filantrópicas, numa sessão mensal da Câmara Municipal, com a entrega de um cheque e da prestação de contas.
“Eu já tenho meu salário e pago minhas contas com ele. Entendo que a vereança é para servir e não quero usar a remuneração para fazer clientelismo”, diz ele, que tenta se eleger desde 1996. Há oito anos, ele firma o compromisso em cartório.
Severino também é contra a licença remunerada que é obrigado a cumprir para se candidatar. “Eu deveria dar expediente e fazer campanha à noite, como todo mundo”, prega. “Acho que deveríamos concorrer em pé de igualdade.”
A reportagem não conseguiu localizar a Associação Comunitária de Chonin de Cima nem a deputada Fátima Bezerra (PT-RN), presidente da Comissão de Legislação Participativa à época da criação da proposta de acabar com a licença remunerada dos servidores candidatos.
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