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Na gravação, feita em março, Sarney vislumbra o futuro e manifesta preocupação com uma eventual delação premiada de Machado, o que acabou por se confirmar. “Nós temos é que fazer o nosso negócio e ver como é que está o teu advogado, até onde eles estão falando com ele em delação premiada”, diz o peemedebista. Na sequência, Machado diz que estavam em curso à época rumores de que sairia colaboração judicial, possibilidade suscitada na Procuradoria-Geral da República.
“Mas nós temos é que conseguir isso [o pedido de Machado sobre o local do inquérito], sem meter advogado no meio”, emendou Sarney, repetindo essa última sentença por três vezes. Machado assentiu e disse que “advogado não pode participar disso”, também repetindo expressões como “advogado é perigoso” e de “jeito nenhum”.
Embora fique claro de que a conversa é sobre a Lava Jato, informa a Folha, não fica claro, no conjunto de áudios em poder do jornal, qual seria a estratégia de Sarney para ajudar o interlocutor. No entanto, o modus operandi inclui conversas como Renan Calheiros e Romero Jucá. Segundo os diálogos, a saída para a complicada situação dos investigados teria de ser não apenas jurídica, mas também política. Nesse sentido, Machado pede a Sarney uma reunião deles com o presidente do Senado.
“E o Romero também está aguardando, se o senhor achar conveniente”, sugeriu Machado, ouvindo de Sarney que o encontro não era conveniente. “Não? O senhor dá o tom”, resignou-se o ex-presidente da Transpetro.
Sarney deixa claro, no entanto, a disposição em não deixar o inquérito de Sérgio Machado seguir para os cuidados de Moro. “O tempo é a seu favor. Aquele negócio que você disse ontem é muito procedente. Não deixar você voltar pra lá [primeira instância da Justiça, em Curitiba]”, acrescentou o político veterano.
Amizade
Em nota encaminhada à Folha (leia íntegra abaixo), Sarney disse que não teve acesso ao teor das conversas, não teria como responder às perguntas feitas pelo jornal. O ex-presidente também disse que conhece Machado há muitos anos e que a amizade extrapolou os limites da atividade eletiva. “Fomos colegas no Senado Federal e tivemos uma relação de amizade, que continuou depois que deixei o Parlamento”, disse Sarney.
“As conversas que tive com ele nos últimos tempos foram sempre marcadas, de minha parte, pelo sentimento de solidariedade, característica de minha personalidade. Nesse sentido, expressei sempre minha solidariedade da esperança de superar as acusações que enfrentava puta lamento que conversas privadas torna esse públicas, pois podem ferir outras pessoas que nunca desejaríamos alcançar”, completa Sarney na nota.
Novo delator
O conteúdo do áudio é veiculado um dia depois da homologação, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), da delação premiada em que Machado pretende colaborar com as investigações da Lava Jato. Desde segunda-feira (23), o jornal Folha de S.Paulo, que teve acesso ao material com exclusividade, vem publicando a transcrição dos diálogos comprometedores – foram flagrados o agora ex-ministro do Planejamento Romero Jucá, senador pelo PMDB de Roraima, e o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Todos eles são alvos das investigações da operação.
Jucá teve de deixar o Ministério do Planejamento após a repercussão de suas declarações. Entre elas, a de que era preciso trocar o governo e fazer um acordo para “estancar a sangria” da Lava Jato. Em um dos áudios com a fala de Renan, o senador menciona o “medo” que o senador Aécio Neves (PSDB-MG) manifesta em relação à colaboração premiada do senador cassado Delcídio do Amaral, também investigado pela Lava Jato.
Nos bastidores do poder, em Brasília, os áudios são vistos como uma ameaça de proporções desconhecidas ao governo interino de Michel Temer, repleto de alvos na operação, entre eles os ministros Henrique Eduardo Alves (Turismo) e Geddel Vieira Lima (Secretaria de Governo). Depois do golpe sofrido com a saída de Jucá da equipe econômica, um dos principais articuladores da gestão Temer, o temor dos governistas é em relação aos próximos desdobramentos da investigação.
Leia a íntegra da nota divulgada pelo ex-presidente:
“Conheço o Senador Sérgio Machado há muitos anos. Fomos colegas no Senado Federal e sempre tivemos uma relação de amizade que continuou depois que deixei o Parlamento.
As conversas que tive com ele nos últimos tempos foram sempre marcadas, de minha parte, pelo sentimento de solidariedade, característica de minha personalidade. Nesse sentido, muitas vezes, procurei dizer palavras que, em seu momento de aflição e nervosismo, levantassem sua confiança e a esperança de superar as acusações que enfrentava.
Lamento que conversas privadas tornem-se públicas, pois podem ferir outras pessoas que nunca desejaríamos alcançar.
José Sarney”