As críticas feitas contra os deputados de oposição que contrariaram seus partidos para votar a favor da reforma da Previdência não assustaram Kátia Abreu (PDT-TO). A senadora, que foi candidata a vice-presidente na chapa de Ciro Gomes no ano passado, foi a única parlamentar do PDT a rejeitar a orientação da bancada para votar “sim” ao texto-base da reforma previdenciária no Senado. A decisão foi questionada por eleitores da sigla, mas não deve receber a mesma reação dedicada a deputados como Tabata Amaral (SP), abrindo mais um capítulo polêmico na vida política de Kátia Abreu.
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A senadora foi expulsa do MDB há apenas dois anos, depois de criticar o então presidente Michel Temer e contrariar a orientação do partido em votações como a reforma trabalhista e o impeachment da ex-presidente Dilma. Ela foi acusada de ter violado o Código de Ética do MDB, partido que até hoje não expulsou nenhum de seus políticos condenados na Operação Lava Jato. Mesmo com a ameaça de lideranças pedetistas em relação aos deputados, ela não se rendeu à orientação do PDT na reforma da Previdência.
Além de fechar contra a reforma do governo Bolsonaro, o PDT processou e suspendeu os deputados que votaram a favor da matéria na Câmara. No Senado, a orientação pelo voto contrário se manteve, com o líder Weverton Rocha (MA), dizendo que a reforma é uma “maldade com a população brasileira”. Mas as críticas que têm sido dirigidas a deputados como Tabata ainda não chegaram a Kátia Abreu.
Filho contraria mãe
Desde que o PDT decidiu processar esses deputados, a senadora vem sinalizando proximidade com a linha de pensamento dos “dissidentes” da Câmara. Ela chegou a dizer que, na Previdência, votaria de acordo com a sua consciência. E, nessa quarta-feira (2), mostrou-se favorável ao texto-base da reforma. O voto contrariou a orientação da bancada e também a posição do seu filho, o senador Irajá (PSD-TO), que votou contra a proposta. É a primeira vez na história do Senado que mãe e filho dividem o plenário.
PublicidadeApesar de ter se esquivado dos jornalistas depois da votação em primeiro turno, Kátia Abreu se mostrou tranquila em relação a essa decisão. O líder do PDT no Senado também não demonstrou incômodo em relação ao voto da colega. Ele até cumprimentou e conversou amigavelmente com Kátia no plenário do Senado depois da aprovação do texto-base da reforma. Weverton explicou que ainda não se reuniu com o partido após a votação, mas já havia sido alertado, pela própria Kátia, de que ela poderia assumir uma posição independente nesse assunto.
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Incentivo de Tabata
Ele ainda disse que, apesar de ter votado a favor do texto-base, Kátia não “traiu” o partido na votação dos destaques. Ao contrário, a senadora apoiou as sugestões da oposição, inclusive o do abono salarial, que reduziu em R$ 76,4 bilhões o impacto fiscal da reforma. Tido como uma derrota do governo, o destaque foi defendido por Kátia Abreu até em suas redes sociais:
Governo sofre derrota e Senado rejeita regras mais duras para abono salarial – 02/10/2019 – Mercado – Folha. DECISÃO ACERTADA .Justiça aos que ganham até 2 SM. Não se faz economia com o direito dos mais pobres. O abono volta pra economia na forma de gastos https://t.co/OoJumMI7cG
— Kátia Abreu (@KatiaAbreu) October 2, 2019
Os votos de Kátia Abreu no primeiro turno revelam, portanto, uma parlamentar de opinião própria, que não se curva à orientação partidária, venha ela do MDB ou do PDT. Porém, repercutiram nas redes sociais, embora com bem menos críticas que as vistas na época da votação na Câmara. Muita gente aproveitou a ocasião, na verdade, para cobrar uma posição do PDT. Confira um desses questionamentos:
A senadora @KatiaAbreu, do PDT, repetindo, do PDT, votou a favor da Reforma da Previdência. Está de parabéns! É a posição de quem pensa no futuro do Brasil. @cirogomes, aguardo os seus comentários. Ela foi sua candidata a vice. Terá o mesmo tratamento de @tabataamaralsp?
— Gabriel Azevedo (@gabrielazevedo) October 2, 2019
Principal alvo das críticas na Câmara, a deputada Tabata Amaral, por sinal, elogiou a decisão de Kátia nas redes sociais:
Parabéns @KatiaAbreu pela coragem de votar a favor de uma reforma difícil, mas urgente e necessária. Não é óbvio, nem popular, contribuir de forma construtiva e tomar decisões baseadas em evidências, sem se deixar levar pela lógica eleitoreira e pela polarização cega.
— Tabata Amaral (@tabataamaralsp) October 2, 2019
Os principais caciques do PDT, por sua vez, evitaram falar sobre o assunto. Ciro Gomes (CE) não se manifestou publicamente e não atendeu a reportagem. Já Cid Gomes (CE), colega de bancada de Kátia no Senado, disse que, como não era líder nem presidente do PDT, não tinha autoridade para falar do assunto. Presidente do partido, Carlos Lupi respondeu apenas que vai aguardar a conclusão da reforma da Previdência, que ainda será votada em segundo turno no Senado, para se posicionar sobre a posição da senadora.
Fora da frigideira
Weverton, por sua vez, adianta que Kátia não vai sofrer a mesma pressão imposta a deputados como Tabata Amaral. “Ela não vai ser colocada na frigideira e não vai ser chamada a atenção como aconteceu na Câmara”, garantiu o líder do PDT no Senado. Ele admitiu que a orientação da bancada era votar contra a reforma, mas argumentou que o Senado é diferente da Câmara, já que os senadores são os “donos” de seus mandatos e podem continuar na Casa mesmo se mudarem de partido. “E Kátia é um dos nossos grandes quadros”, pontuou Weverton, dizendo que não vai julgá-la.
“Quem julga político é o povo”, concluiu o líder do PDT. “Cada um tem suas convicções e seus princípios”, reforçou o senador, que também votou diferente da mãe em votações como a da reforma trabalhista e da eleição da Mesa do Senado, quando Kátia foi contra a reforma e apoiou Renan Calheiros (MDB-AL), respectivamente.
Questionada sobre o assunto, Kátia Abreu repetiu que votou de acordo com suas convicções. Ela ainda disse que, por isso, está decidida a manter o voto favorável à reforma no segundo turno, mesmo que isso gere atritos no PDT. Perguntada se esperava tratamento diferente da sigla em relação aos pedetistas da Câmara, Kátia disse que não. “Decisão de partido é de partido”, afirmou.
Depois da tragédia, a política
Senadora reeleita pelo Tocantins, Kátia Abreu entrou na política oito anos após a morte de seu marido, o fazendeiro Irajá Silvestre, em um acidente aéreo. Grávida, aos 25 anos, ela assumiu a responsabilidade de gerenciar a propriedade rural da família, além de cuidar dos dois filhos pequenos. Naquele momento estudava psicologia e dava aulas. Logo, porém, descobriu a vocação para o agronegócio, tornando-se, além de proprietária rural, presidente de um sindicato rural e militante política.
Kátia Abreu se filiou ao PP em 1995, mesmo ano em que assumiu a presidência da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado do Tocantins. Três anos depois, concorreu pela primeira vez a um mandato eletivo e ficou como suplente na Câmara dos Deputados. Na eleição seguinte, já foi eleita como a deputada federal mais votada do Tocantins pelo antigo PFL, que deu origem ao DEM.
Com mais de 76 mil votos, Kátia assumiu a bancada ruralista e tornou-se uma das principais vozes do agronegócio brasileiro no Congresso. E, dessa forma, pavimentou o caminho para a eleição ao Senado em 2006 e para a eleição à presidência da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) em 2008.
Com Dilma, contra Temer
A atuação em favor do agronegócio também fez Kátia Abreu receber o troféu Motosserra de Ouro, concedido pelo Greenpeace a personalidades que, na visão da ONG, contribuem para o aumento do desmatamento no Brasil. Por outro lado, permitiu que Kátia se tornasse a primeira mulher a ser ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento do Brasil.
Ela assumiu a pasta no governo Dilma, depois de fazer acenos tanto para a direita quanto para a esquerda. A senadora Kátia inicialmente era crítica ao governo Lula, tanto que foi cogitada a vice de José Serra (PSDB) em 2010. Depois disso, contudo, trocou o DEM pelo PSD. Logo migrou para o MDB e começou a se aproximar de Dilma. Foi aliada da petista no Senado até o derradeiro momento, votando contra o impeachment da petista. Mais que auxiliar, virou uma das conselheiras mais próximas da então presidente. Com o distanciamento do MDB de Dilma, em um movimento que levaria Michel Temer ao Palácio do Planalto, ela enfrentou uma série de atritos com o partido.
No governo Temer, atuou mais como oposição do que como aliada do colega emedebista. Votou contra a orientação governista em propostas como a PEC do Teto dos Gastos e a reforma trabalhista. Por isso, acabou sendo processada e posteriormente expulsa do MDB. Depois disso, acabou se filiando ao PDT e se aproximando de Ciro Gomes.
Colaborou Lauriberto Pompeu
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