Renata Camargo
O Senado se prepara para votar esta semana a medida provisória que simplifica o processo de regularização fundiária na Amazônia Legal. Alguns senadores, no entanto, alegam que não houve debate suficiente dentro da Casa para apreciar a matéria enviada pelo Executivo e submetida a algumas modificações na Câmara.
A proposta está sob a relatoria da senadora Kátia Abreu (DEM-TO), presidente da Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e integrante da bancada ruralista no Congresso. Até agora, a relatora não se pronunciou sobre a MP nem conversou abertamente com os líderes.
Kátia Abreu marcou para esta manhã a primeira reunião para apresentar seu relatório com sugestões de alterações na MP. Em entrevista coletiva, às 11h30, a senadora irá mostrar a linha de trabalho que adotará em seu relatório.
Para não perder a validade, a MP da Amazônia precisa ser aprovada pelas duas Casas até a quarta-feira da próxima semana (10 de junho). Se sofrer modificações no Senado, a medida terá que retornar para a Câmara para ser apreciada novamente pelos deputados.
“Desde quando foi definida a relatoria, nós não tivemos nenhuma interlocução com a relatora. Para quem está relatando uma matéria tão relevante, a senadora Kátia Abreu está muito reservada, muito encolhida”, criticou o senador amazonense João Pedro (PT). “Nós não precisamos ter o mesmo pensamento, mas nós poderíamos ser ouvidos. Se não tiver um amplo debate, nós cometeremos um erro”, alertou.
A MP 458, convertida no PLV 9/09, autoriza a União a transferir, sem licitação, terras de um a 15 módulos, com até 1,5 mil hectares, ocupadas antes de 1º de dezembro de 2004. Na Amazônia, um módulo corresponde, em média, a 76 hectares. São consideradas pequenas propriedades terras com até quatro módulos e média propriedade de quatro a 15 módulos.
Polêmica
A proposta tem sido fortemente criticada por ambientalistas, que afirmam que a medida sofreu alterações na Câmara que favorecem a grilagem e acentuam a concentração de terras na região. No Senado, as mais duras críticas vêm da ex-ministra do Meio Ambiente, senadora Marina Silva (PT-AC), que afirma que “a medida não tem as salva-guardas necessárias para evitar que terras griladas sejam regularizadas”.
Marina argumenta que as mini e pequenas propriedades rurais na Amazônia Legal representam 80% do total, mas ocupam menos de 11,5% da área a ser regularizada. Já as médias e grandes são apenas 20% do total de propriedades e ocupam 88,5% da área. A ex-ministra defende que sejam regularizadas apenas propriedades de até 400 hectares. “É um momento de retrocesso, em que estão sendo desconstruídas as próprias conquistas [ambientais] do governo”, disse Marina à imprensa.
Para o senador Gilberto Goellner (DEM-MT), que integra a bancada ruralista, o texto vindo da Câmara teve “acréscimos substanciais” e está coerente para “criar condições de reduzir o desmatamento na Amazônia”. O parlamentar afirma que a titularidade das terras é o passo mais importante neste momento.
“Essa medida irá criar condições para reduzir o desmatamento na Amazônia, porque hoje, simplesmente, ninguém sabe de quem são aquelas terras. A titularidade, portanto, é o que importa agora”, avalia Goellner, que teme, no entanto, que o Executivo tenha dificuldades para efetuar esse processo de regularização.
Mudanças
Entre as mudanças feitas na Câmara, um das mais polêmicas é a permissão para que empresas brasileiras e proprietários de outros imóveis rurais participem desse processo de regularização através de licitação. O texto original da MP vetava essa participação.
Também foi alterado na Câmara o prazo para a venda da terra regularizada. Pelo texto original, o beneficiário não poderia transferir o título em um prazo de dez anos. No texto aprovado na Câmara, esse item foi excluído, passando a ser autorizada a transferência de títulos para propriedades superiores a quatro módulos fiscais em um prazo de três anos. Para áreas inferiores a quatro módulos, o prazo de transferência permanece de 10 anos.
A Câmara alterou também o item que trata sobre a participação de servidores públicos nesse processo de regularização. No texto original, era proibida a participação de qualquer servidor público ou pessoa que exerça cargo público. De acordo com o novo texto, somente não podem participar servidores do Incra, do Ministério do Desenvolvimento Agrário, da Secretaria de Patrimônio da União do Ministério do Planejamento e de órgãos estaduais de terras.
Entre as críticas de ambientalistas, está o argumento de que o texto aprovado na Câmara flexibiliza diversas condicionantes ambientais para a concessão do título. Uma delas foi a retirada da obrigatoriedade de recuperação de áreas degradadas e a mudança de redação que restringiu o descumprimento à legislação ambiental, previsto no texto original, ao desmatamento em áreas de preservação ou de reserva legal, ou seja, desconsiderou, por exemplo, crimes contra a fauna.
Veja aqui o quadro comparativo com as mudanças da Câmara