Entidades de juristas da área trabalhista divulgaram notas de repúdio (veja as íntegras abaixo) às declarações do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), a respeito da Justiça do Trabalho. Em comum entre as reações de advogados, procuradores e magistrados, a cobrança de “compostura”, isenção e imparcialidade do ministro, que também preside o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Em palestra para líderes empresariais no interior de São Paulo, Gilmar chamou o Tribunal Superior do Trabalho (TST) de “laboratório do PT”. “O TST foi o laboratório do PT, foi onde deu certo. E o aparelhamento foi exitoso exatamente no âmbito do TST. Hoje, o tribunal é composto por muitos simpatizantes que foram indicados pela CUT. E nós temos um direito do trabalho engessado. O país tem 13 milhões de desempregados e com um sistema inflexível”, discursou na última segunda-feira (3).
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A reação mais dura foi da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), que, em nota, questionou a isenção de Gilmar para julgar ações e comandar o TSE por conta de sua “atividade político-partidária” em favor de “determinados atores”. O TSE julga, entre outras coisas, o processo que pede a cassação da chapa formada por Dilma e Michel Temer.
Sem pudor
“Referida conduta demonstra claramente a falta de compostura, de isenção e de imparcialidade de Sua Excelência, não apenas para julgar causas afetas à Justiça do Trabalho, pois ataca cotidianamente a legislação e os tribunais trabalhistas, mas também aquelas em trâmite no Tribunal Superior Eleitoral, do qual é Presidente, vez que, em suas falas, tem sido constante o exercício de atividade político-partidária em favor de determinados atores do cenário político.
O texto, assinado pelo presidente da ANPT, Ângelo Fabiano Farias da Costa, e por sua vice, Ana Cláudia Rodrigues Bandeira Monteiro, diz que Gilmar não tem “pudor” em esconder suas convicções políticas.
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“Do mesmo modo que o Poder Judiciário não pode ser laboratório de qualquer partido político, seja de que corrente for, um membro do STF deve, ainda mais, manter sua isenção político-partidária, o que não acontece com Sua Excelência que não possui qualquer pudor em esconder suas convicções políticas.”
Agressões
Amigo pessoal de Gilmar, o presidente do TST, Ives Gandra Filho, disse que o ministro agrediu a instituição. “Em que pese a admiração e o apreço que tenho a Sua Excelência, não se pode admitir agressões dessa espécie, que extrapolam a salutar divergência de ideias, para atingir injusta e generalizadamente a honorabilidade das pessoas”, rebateu.
A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho questionou a isenção de Gilmar para julgar qualquer ação trabalhista. “As reincidentes agressões pessoais a quase todos integrantes do TST, por parte do ministro Gilmar Mendes, nos leva a indagar se Sua Excelência ainda tem imparcialidade para julgar matérias oriundas da Corte trabalhista”, respondeu o presidente da entidade, Germano Siqueira.
Segundo Germano, as nomeações do Tribunal Superior do Trabalho são “absolutamente legítimas e sem qualquer vinculação política. “Resultado de listas formadas por juízes de carreira ou originárias do quinto constitucional, magistrados com histórico funcional e acadêmico irretocáveis, sem nenhum envolvimento nem compromisso com posições políticas, o que parece não ser certo dizer em relação ao seu crítico constante”, contra-atacou.
Para a Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas (Abrat), “o Brasil teve o desprazer de ler e ouvir” um ministro do Supremo criticar o TST. “Além da ilegalidade – porque agiu contra os comandos postos na Loman (Lei Orgânica da Magistratura) – Gilmar Mendes fez mais uma exibição de grosseria e, dessa vez de forma mais explícita, adotou ativismo de pleno exercício de atividade político-partidária.”
Leia a íntegra das notas das entidades:
ANPT
“A Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), entidade de classe que congrega os Membros do Ministério Público do Trabalho (MPT) de todo o país, vem a público manifestar sua solidariedade aos Ministros do Tribunal Superior do Trabalho que, na data de ontem, dia 03 de abril de 2017, foram alvo de ofensas verbais praticadas pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal e Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Gilmar Mendes, em palestra conferida a empresários e políticos da Região do Vale do Paraíba.
Ao se referir ao Tribunal Superior do Trabalho como “laboratório do PT” e ao afirmar que referido “tribunal é composto por muitos simpatizantes indicados pela CUT”, o Ministro Gilmar Mendes, de modo completamente inadequado para um magistrado, sobretudo da Corte Suprema do nosso país, atribui à Corte Superior da Justiça do Trabalho a pecha da parcialidade e da falta de isenção, como se os Ministros tivessem sido indicados por posições político-partidárias ou exercessem essas convicções no cotidiano de suas funções.
Referida conduta demonstra claramente a falta de compostura, de isenção e de imparcialidade de Sua Excelência, não apenas para julgar causas afetas à Justiça do Trabalho, pois ataca cotidianamente a legislação e os tribunais trabalhistas, mas também aquelas em trâmite no Tribunal Superior Eleitoral, do qual é Presidente, vez que, em suas falas, tem sido constante o exercício de atividade político-partidária em favor de determinados atores do cenário político.
Do mesmo modo que o Poder Judiciário não pode ser laboratório de qualquer partido político, seja de que corrente for, um membro do STF deve, ainda mais, manter sua isenção político-partidária, o que não acontece com Sua Excelência que não possui qualquer pudor em esconder suas convicções políticas.
Não é a primeira vez que o Ministro Gilmar Mendes ataca o Tribunal Superior do Trabalho e a Justiça do Trabalho, ofendendo também a legislação trabalhista, o que demonstra se tratar de uma conduta reiterada de Sua Excelência de ataques ao sistema jurídico de proteção trabalhista.
Mesmo na condição de Ministro do STF, encontra-se o ofensor sujeito ao regime jurídico da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN), estando impedido de manifestar juízo depreciativo sobre despacho, votos ou sentenças de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício do magistério (art. 36), o que não se amolda à situação concreta. Pode inclusive ser punido por impropriedade ou excesso de linguagem (art. 41).
A sociedade brasileira espera dos Ministros da mais alta corte da Justiça Brasileira urbanidade, civilidade e, acima de tudo, imparcialidade, qualidades que têm faltado, há tempos, ao Ministro Gilmar Mendes.
Assim, a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho – ANPT manifesta irrestrita solidariedade aos Ministros do Tribunal Superior do Trabalho, cujas dignidade e honra restaram vilipendiadas diretamente por afirmações despropositadas e irresponsáveis que não condizem com a postura que se espera de um Ministro da Suprema Corte.
Ângelo Fabiano Farias da Costa
Presidente
Ana Cláudia Rodrigues Bandeira Monteiro
Vice-Presidente”
Anamatra
A ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS MAGISTRADOS DA JUSTIÇA DO TRABALHO (ANAMATRA), entidade que congrega mais de 4.000 juízes do Trabalho em todo o território nacional, tendo em vista renovadas agressões proferidas pelo Excelentíssimo Senhor Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes contra integrantes do Tribunal Superior do Trabalho (TST), vem a público assinalar:
1 – O ministro Gilmar Mendes, mais uma vez palestrando para lideranças empresariais, desrespeita o Tribunal Superior do Trabalho (TST) e seus integrantes. De forma totalmente inadequada, afirma que o TST é laboratório do Partido dos Trabalhadores (PT) e que seus ministros foram indicados pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), também lançando dúvidas sobre a honorabilidade de cada um deles ao questionar a suposta fragilidade do modelo de apuração de requisitos para o exercício dos cargos naquela Corte e falta de escrutínio da vida de seus ministros, o que é completamente inaceitável.
2 – Tal como manifestado em ocasião anterior, quando Sua Excelência agrediu a instituição Justiça do Trabalho e o Tribunal Superior do Trabalho, a Anamatra novamente repudia o discurso de ódio, não só contra os ministros do TST, mas contra a instituição como um todo, além de lamentar o profundo desconhecimento do ministro acerca da realidade do Judiciário trabalhista no Brasil, o que se revela por manifestações irresponsáveis como as que tem proferido, que estimulam episódios de acirramento de ânimos em vários pontos do país.
3 – As nomeações dos ministros do TST ocorreram na forma prevista na Constituição Federal e, nesse contexto, são absolutamente legítimas, resultado de listas formadas por juízes de carreira ou originárias do quinto constitucional, magistrados com histórico funcional e acadêmico irretocáveis, sem nenhum envolvimento nem compromisso com posições políticas, o que parece não ser certo dizer em relação ao seu crítico constante.”
Brasília, 03 de abril de 2017
Germano Silveira de Siqueira
Presidente da Anamatra”
Abrat
“É expressamente proibido a qualquer membro da magistratura manifestar “juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais” (art. 36, da LOMAN – Lei Orgânica da Magistratura Nacional), cujo diploma legal impõe aos magistrados, como dever, a todos tratar com urbanidade (art. 35).
E “urbanidade” é civilidade, cortesia, polidez, sociabilidade, que é o mínimo que se pode esperar de um magistrado. O oposto é agir com chavasquice, estupidez, indecorosidade, brutalidade, desconsideração, barbaria ou selvajaria.
O Brasil teve o desprazer de ler e ouvir um membro do Supremo Tribunal Federal, de público, em evento igualmente público, disparar mais uma das suas agressões e afirmar que o Tribunal Superior do Trabalho (TST) é um “laboratório do PT”. Além da ilegalidade – porque agiu contra os comandos postos na Loman – Gilmar Mendes fez mais uma exibição de grosseria e, dessa vez de forma mais explícita, adotou ativismo de pleno exercício de atividade político-partidária. E chega a usar de idênticas expressões utilizadas, corriqueiramente, por políticos e por partidos em relação aos quais sempre se mostrou alinhado.
Michel Foucault (“A Ordem do Discurso”, Ed. Loyola, 2002, pág. 11) ensina que “era através de suas palavras que se reconhecia a loucura do louco”. No caso, palavras líquidas, que transbordam o comportamento educado e respeitoso para, numa enxurrada advinda de intoxicações éticas, agredir com violência desmedida a magistrados que honram o direito e dignificam a Justiça.
Já seria condenável que aquele cidadão, em razão do cargo que ocupa, aliás, decorrente de evidente “aparelhamento” (que agora estranhamente diz condenar), manifestasse, tão repetidamente, suas preferências políticas.
Porém, em decorrência de tais opções político-partidiárias, não tem o direito de agredir, com brutalidade e violência, a outros magistrados, os quais, estes, sim, os do TST, dignificam a toga, honram o Judiciário, com enorme volume de trabalho, notável competência, que julgam com ponderação, com moderação, conscientes de que estão lidando com o mais importante segmento do direito, porque toca na vida e na sobrevivência de todos os brasileiros.
Os Ministros do TST buscam, diariamente, o equilíbrio que mantenha o Direito do Trabalho dentro do esquadro do projeto posto na Constituição Brasileira, na qual não consta apenas o prestigiamento à chamada “livre iniciativa”, mas, sobretudo, aos “valores sociais do trabalho”, conscientes de que a ordem econômica está fundada nessa “valorização do trabalho humano” na busca de uma “justiça social”, justiça essa certamente do total desconhecimento daquele cidadão.
Da mesma forma que o Judiciário não é e nem pode ser um “laboratório” de Partido político que defende trabalhadores, qualquer que seja ele, por certo, também não será e nem deverá ser convertido em departamento de entidades patronais, que só ativam atitudes predatórias ao trabalho humano, como uma das formas de manter sob seu rígido controle os passos da democracia. E nem será um organismo de troca de subalternidades com o Executivo.
A ciência jurídica e a imparcialidade devem estar no comando.
O direito não se faz com subserviência aos poderosos, os quais já ditam e editam as normas.
O direito se faz para atingimento do bem-estar, da solidariedade, da fraternidade. Ou seja, no dizer preciso de Boaventura de Sousa Santos (“Para uma Revolução Democrática da Justiça”, Ed. Cortez, 3ª edição, 2011, pág.15) é necessário que “se amplie a compreensão do direito como princípio e instrumento universal da transformação social”, em especial no Brasil, onde se alargam a opressão, a exclusão e a discriminação, fontes permanentes de milhões de desemprego e de desempregados, o que aumenta as lutas jurídicas e, no dizer de Boaventura, devolve “ao direito o seu caráter insurgente e emancipatório”.
A negativa desse fenômeno, que está à vista de todos, é que se mostra, sim, uma autêntica atitude “laboratorial” de determinados Partidos políticos e de alguns raros setores do País, que insistem no retrocesso, que apostam na violência, que se alimentam de repetidos golpes na democracia.
O País precisa mesmo “aparelhar” o Judiciário, Ministro Gilmar Mendes. Necessita um aparelhamento com seres humanos dignos, que tenham postura, conduta, comportamento; que saibam respeitar; que sejam hospedeiros das reivindicações civilizatórias; que não tratem os demais com brutalidade, falta de educação e sem urbanidade.
A ABRAT repudia as deselegantes e lamentáveis declarações do Ministro Gilmar Mendes. Repudia sua violência e sua agressão.
Ao contrário, a ABRAT manifesta solidariedade a todos os Ministros que compõem o Tribunal Superior do Trabalho – TST, os quais tiveram suas honras agredidas, suas imparcialidades atacadas. O TST pode ser um “laboratório”. Mas um laboratório estritamente jurídico, composto por pessoas dignas e honradas, que escolheram aplicar o direito sem obediência cega aos poderosos, que optaram em julgar com liberdade.
Respeito, dignidade e liberdade parece não serem atributos fáceis e corriqueiros na atualidade. Mas com certeza integram os currículos de todos os Ministros que compõem o TST e que honram e dignificam o Poder Judiciário no Brasil. E não serão palavras embrutecidas pelo ódio e pelo desequilíbrio que irão privar juízes de decidirem com liberdade.”
Roberto Parahyba de Arruda Pinto
Presidente”
Em discurso, Janot responde a Gilmar Mendes: “Decrepitude moral” e “ambição sem freios”