Mário Coelho
O julgamento do recurso apresentado pelo ex-governador do Distrito Federal Joaquim Roriz (PSC) foi interrompido por um pedido de vista no Supremo Tribunal Federal (STF). O ministro José Dias Toffoli decidiu pedir mais tempo para analisar o caso após intenso debate na corte sobre uma emenda aprovada no Senado que alterou o tempo verbal de algumas partes da Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135/10). A discussão foi iniciada pelo presidente do STF, Cezar Peluso, que considerou o texto inconstitucional por vício de formalidade. Até então, somente o relator do caso, Carlos Ayres Britto, havia se manifestado. Ele derrubou as teses da defesa e negou o recurso a Roriz.
Após o encerramento do voto de Ayres Britto, o presidente do STF apontou um tema que não estava no recurso de Roriz: a emenda elaborada pelo senador Francisco Dornelles (PP-RJ), que mudou o tempo verbal de algumas partes da ficha limpa. Ele entendeu que as modificações não eram apenas para alterar algum vício de liguagem. “Temos no caso uma hipótese exemplar de emenda que alterou o conteúdo semântico do texto”, afirmou. Na visão de Peluso, o projeto deveria ter voltado à Câmara para análise da mudança, e não ido à sanção presidencial. “O Senado violou o devido processo constitucional legislativo”, atacou.
A emenda substituiu a expressão “tenham sido [condenados]” por “que forem condenados”. Ao levantar essa questão, Peluso criou um intenso debate no plenário do Supremo. O ministro Ricardo Lewandowski repetiu o voto que fez no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) durante análise de uma consulta sobre a lei. Ele consultou especialistas em linguística que garantiram que a expressão não muda o teor da lei. Com base no estudo feito pelos estudiosos, Lewandowski defendeu que a emenda não foi modificativa, sendo apenas de redação. Por conta disso, na época, o TSE entendeu que a lei valia para este ano.
Porém, um problema após a argumentação de Peluso foi levantado. O ministro Celso de Mello lembrou que o caso sendo julgado era um recurso extraordinário. Por conta disso, não poderia ser levantada e julgada uma matéria que não consta na ação. Os advogados de Roriz não usaram a polêmica da emenda como parte da defesa. “Estamos complicando o julgamento”, disse o ministro Marco Aurélio Mello. Já Joaquim Barbosa lembrou que existem precedentes no STF de somente analisar novas questões em ações de inconstitucionalidade. Gilmar Mendes, no entanto, disse que a jurisprudência do Supremo permite, sim, novas análises em recursos extraordinários, por exemplo.
Projeto nulo
A posição de Peluso aponta para a inconstitucionalidade da lei. Se a corte seguir a posição dele, o projeto de iniciativa popular que virou lei não terá mais validade. Desta maneira, candidatos com problemas na Justiça, com condenações por órgãos colegiados, que renunciaram a mandatos por quebra de decoro parlamentar, que tiveram contas rejeitadas ou que foram demitidos do serviço público estariam livres para concorrer. Por conta de toda a discussão gerada pela posição do presidente do Supremo, Toffoli decidiu pedir vista. Ele prometeu levar o voto na sessão de amanhã (23) da corte suprema.
Indeferido
Após a participação dos advogados e do procurador-geral da República, a sessão foi interrompida por aproximadamente 20 minutos. Ao retornar, Ayres Britto começou a ler seu voto. No início, levantou uma questão de ordem: se o recurso seria considerado de repercussão geral. Por unanimidade, a corte decidiu que sim. Na prática, a decisão reconhece que a ação pode ser recebida pelo Supremo e sua decisão extendida para casos análogos. Depois disso, o relator entrou no mérito do recurso de Roriz.
Para o ministro, a lei veio para dar moralidade ao exercício do mandato. Na visão dele, a ficha limpa não pode ser enquadrada no artigo 16 da Constituição Federal, que prevê o princípio da Constitucionalidade. Ele entende que ela se aplica no parágrafo nono do artigo 14. A Carta Magna estabelece que uma lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação. “A lei é recrutada pela Constituição para ampliar as inelegebilidades. O que devemos fazer?”, questionou Ayres Britto.
Ele ressaltou que a renúncia de Roriz foi para fugir do processo por quebra de decoro parlamentar, um “típico ato de confissão”. No voto, ele lembrou trechos da Operação Aquarela e da gravação de diálogos entre Roriz e o ex-presidente do Banco de Brasília (BRB) tratando da partilha de um cheque de R$ 2 milhões. “Foi a Constituição que determinou que fosse considerada a vida pregressa do candidato. É ética. Candidato vem de cândido, puro, limpo. Candidatura vem de candura, pureza, limpeza”, disse o ministro, referindo-se ao caso que levou ao ex-governador renunciar ao mandato de senador. “A probidade não pode esperar”, disparou.
O relator ressaltou que o artigo 16 da Constituição foi elaborado para evitar casuísmos em leis eleitorais. No entanto, ele entende que a lei não introduziu um efeito surpresa. Tanto que comparou a ficha limpa com um concurso público, onde a vida pregressa do candidato é analisada no momento em que sua inscrição é analisada. “A violação inexistiu ao artigo 16. O processo eleitoral se inicia na convenção com a escolha dos candidatos”, comentou.
Ele rebateu os outros argumentos da defesa. Sobre o ato jurídico perfeito, disse que a saída do cargo impede apenas o prosseguimento do processo por quebra de decoro parlamentar, não concede imunidade futura. Também colocou que a defesa de Roriz misturou “coisas heterogêneas” ao argumentar sobre o desrespeito aos direitos individuais do ex-governador. “Ao direito não basta levantar cerca em torno das ovelhas, É preciso cercar a toca em volta dos lobos”, afirmou.
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