CONGRESSO EM FOCO – Por que o senhor decidiu não se candidatar?
JOSÉ EDUARDO CARDOZO – É uma questão estritamente pessoal. Eu gosto do Parlamento. Acho que o Legislativo tem um papel fundamental na sociedade brasileira e sempre me orgulhei de ser parlamentar. Portanto, minha decisão não passa por nenhum tipo de descaso. Eu louvo demais aqueles colegas que, mesmo passando por situações que nós vivenciamos, permanecem disputando eleições. E eu vou apoiar alguns. Deixo a Câmara, mas não deixo a política. Mas, sinceramente, a minha vontade, o fator pessoal, pesa e é o que eu considero relevante para me tirar do processo. Quando você não sente vontade de participar de uma boa luta, não entre e deixe alguém que tem essa vontade lutar pela boa causa.
Mas quais são essas questões pessoais?
Nas eleições passadas, já tive um desestímulo profundo de participar das eleições, mas me convenci da possibilidade de haver a reforma política nesta legislatura. Esse cenário que vemos hoje é muito perverso. Às vezes, você pode ter uma postura essencialmente ética, cuidadosa, republicana e ser penalizado, inclusive com a perda do seu mandato, com o descumprimento de situações que se colocam e escapam ao seu controle. Escapam porque é impossível controlar toda uma campanha eleitoral. Isso tudo te leva a um profundo desagrado. Pelo senso comum, todo político é bandido até que prove ao contrário. Então basta que você levante alguma suspeita, para que as pessoas que te cercam e a sua família sejam submetidas a vexames. Há uma generalização perversa em relação especialmente aos parlamentares. Esse tipo de situação vai abatendo e tirando o ânimo. Quando você pensa que terá que enfrentar uma campanha caríssima, em que as relações entre o doador e quem receber a doação são sempre complicadas, onde o que importa, muitas vezes, é o peso da máquina eleitoral e não da sua ideia e de seu programa, você se sente muito desestimulado. A gente acaba sendo muito violentado no cotidiano e tem hora que isso abate o ânimo. Nós chegamos num ponto em que, ou nós fazemos uma reforma política mudando esse sistema, ou vamos ter um fenômeno, que eu acho perigoso, desse vírus que me atinge agora, atingir outros combatentes que vão disputar as eleições.
Como foi a reação do partido diante de sua saída?
A minha postura tem um Q de egoísta também. Tem um grupo político que falou: ‘Batalhamos o tempo inteiro para a sua candidatura e agora você deixa a gente na mão?’. Eu não tive reações assim tão fortes do meu grupo político, porque eu já dizia que talvez não disputasse as próximas eleições. Às vezes, na vida política você não tem mais direito de ir e vir, porque você é depositório de expectativas das pessoas. Então quando você abdica dessa posição, é como se você estivesse traindo. Eu não peguei internamente ninguém do meu grupo de surpresa. No partido, muita gente veio me cobrar e muita gente não entendeu. Teve gente que falou: ‘Então, quer dizer que você está deixando de ser candidato? Que situação ridícula! E nós que ficamos? Somos bandidos?’ Eu disse: ‘Não, o contrário. Eu estou dizendo que quem fica é corajoso, desde que pense como eu. Não estou dizendo que quem fica é bandido. Estou dizendo que quem tem a postura que eu tenho e fica, eu aplaudo, porque não foi contaminado ainda, mas pode ser contaminado se o sistema não mudar’. Eu acho que se esse tipo de postura servir para reflexão será bem-vindo.
Algum fato específico o motivou a não disputar as eleições?
Não é um fato. Eu nunca tive uma acusação frontal contra mim por improbidade. Como todo parlamentar, eu tive insinuações, situações que considero absurdas, mas nunca tive acusações do tipo ‘você roubou’. Mas são vários fatos que vão sendo construídos no cotidiano. Eu, por exemplo, sempre fiz minhas campanhas eleitorais com muito cuidado. No entanto, eu poderia me ver na situação em que hoje está o prefeito (Gilberto) Kassab (de São Paulo, do DEM) e outros vereadores de São Paulo, porque a mesma entidade que doou para eles doou para mim. A ilegalidade, no caso, estava no fato de a entidade, pelo que me consta, não ter arrecadação suficiente para poder doar. E eu não pedi o balanço da entidade para verificar se podia doar ou não. Aliás, eu não me imagino perguntando: Oi, você quer me doar? Posso ver o balanço da sua empresa?’ Isso, no mínimo, seria falta de educação. E, nesse caso, eu poderia ter sido acusado de doação ilegal. Escapei desse tipo de situação por acaso. Mas, mesmo tendo um cuidado muito grande com a ética da política, eu poderia ter sido execrado também por situações que outros fizeram e que as regras do jogo, que são tão perversas, acabam provocando.
Que “regras do jogo tão perversas” são essas?
Nosso sistema político gera uma relação estrutural promíscua entre o doador e aquele que recebe, e é a porta de entrada da corrupção. Não tenho dúvida de que nosso sistema eleitoral, especialmente o financiamento de campanha da forma que está colocado, é a porta de entrada da corrupção estrutural no país. Na minha percepção, o melhor caminho é a reforma política. Por isso defendo, com muito vigor, o financiamento público de campanha e um sistema político que elimine no voto proporcional esse individualismo. Não tem sentido a pessoa votar no Zé Eduardo, no Chico, no Bento. Eu tenho que ter uma proposta política que possa ser discutida com a sociedade. Eu não tenho que disputar eleição brigando por vagas com aqueles que pensam como eu. Porque hoje é assim, se eu vou fazer uma campanha eleitoral, onde vou pegar meus votos? Naqueles que são simpáticos as minhas ideias. Logo, eu vou disputar mais com o meu colega de partido do que com meu adversário. Isso desagrega partidos e gera individualismo. É impossível você fazer uma campanha eleitoral com debates políticos com uma quantidade imensa de candidatos proporcionais que se tem. Isso gera a relação clientelista e todo um conjunto de situações absolutamente indesejável na política. Se nós não rompermos com isso, por meio de uma reforma política, o ciclo vicioso não se rompe. Ou seja, sempre teremos escândalos, os escândalos podem ser justificados ou não justificados, mas serão todos tidos como escândalos, e as pessoas sempre terão realimentada a visão de que todo político é ladrão, mesmo os que não praticaram atos indevidos.
Havia uma grande expectativa de que seria possível neste governo realizar a reforma política. Por que o Congresso não consegue fazer essa reforma?
Porque dificilmente – vamos ser claros – as instituições se autorreformam. Aqueles que são beneficiados no sistema de poder dificilmente têm a grandeza para poder mudá-lo, podendo se prejudicar pessoalmente em relação a isso. Então muitos são contra o financiamento público de campanha por convicção. Mas muitos são contra porque se beneficiam disso, porque sabem que não seriam eleitos dentro de regras mais isonômicas. Então você acaba tendo um processo em que quem tem o poder de fazer a reforma política não faz.
Como fazer a reforma política já que não há vontade para isso dentro do Congresso?
A única forma é a sociedade pressionar e agir. Não vejo outra forma. Ou nós mostramos à sociedade brasileira que esse sistema político é horrível e gera situações absolutamente indesejáveis, ou vamos sofrer muito no futuro. Todo mundo acha que é inadmissível um candidato como o Enéas (Carneiro, já falecido), que foi eleito com 1,5 milhão de votos, eleger com ele toda uma bancada, que depois sai do partido. Gente que de outra forma nunca seria eleita. Mas não conseguimos energia social suficiente para ter pressão por essa reforma. A reforma tributária, por exemplo, jamais sairá se não houver uma reforma política.
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