Único parlamentar declaradamente homossexual do Congresso, o deputado Jean Wyllys (Psol-RJ) criticou o antropólogo Roberto DaMatta e o cartunista e escritor Ziraldo pelas posições que assumiram em relação aos homossexuais nos últimos dias. Para Jean, os dois se apresentam como intelectuais que pregam a “tolerância”, mas, na prática, são “intolerantes em relação à saída da homossexualidade da privacidade e do silêncio onde eles imaginavam que esta deve estar confinada”.
Em texto publicado no Facebook, Jean disse ter ficado decepcionado e chocado com DaMatta, que não desmentiu o ator Paulo Betti, que o acusou de tê-lo agredido verbalmente no último fim de semana por ter interpretado o jornalista gay Téo Pereira na novela Império, da TV Globo. O deputado afirmou, porém, não ter se surpreendido com as críticas feitas por Ziraldo à presença de personagens em telenovelas.
“No caso do Ziraldo, confesso que não me surpreendeu. Dez anos atrás, quando eu ainda não era deputado, ele se recusou a compor uma mesa comigo na Feira do Livro de Porto Alegre e os organizadores me contaram que era por causa da minha sexualidade”, escreveu.
No último fim de semana, ao participar de um evento literário em Poço de Caldas (MG), Ziraldo disse que a homossexualidade está “hiperdimensionada” na TV. “A Fernanda Montenegro não tem direito de fazer apologia do afeto homossexual. Grandes fãs dela estão estarrecidos com isso. E mesmo que ela estivesse pensando em ajudar as mães dos homossexuais… Mas qual é a porcentagem de mães de homossexuais?”
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Desde o episódio de dez anos atrás, Jean Wyllys diz não ter mais admiração por Ziraldo. “Qualquer talento e contribuição para a cultura que ele tenha dado perdeu o brilho para mim, porque por trás dela havia uma pessoa doente de ódio, que não conseguia dividir uma simples conversa com outra pessoa por conta de sua sexualidade”, criticou Jean.
O deputado lembrou que, por ironia do destino, Ziraldo é autor da logo do Psol, o seu partido. “O sol dele, talvez contra a sua própria vontade (já que a criação sempre diz mais do que o criador queria dizer), ilumina um partido que tem o único parlamentar homossexual assumido do Brasil”, ressaltou.
No caso de DaMatta, Jean contou que sempre teve relação de respeito com o antropólogo e que não imaginava que ele fosse capaz de mostrar o que chamou de “preconceito homofóbico tão desumano”. “Parece que ele não leu sua própria obra. Conheço o Roberto; ele sempre me tratou muito bem e nunca me pareceu que a minha orientação sexual fosse um problema para ele, mas a gente nunca conhece inteiramente as pessoas e nunca sabe quando seus preconceitos inconfessáveis podem aflorar. O relato de Paulo Betti, que não foi desmentido por DaMatta, é realmente chocante! É uma ofensa gratuita a todos nós!”
Ao final do texto, Jean Wyllys manda um recado ao cartunista e ao antropólogo: “Desculpem-me, Ziraldo e DaMatta, para o armário eu não volto, tampouco para o silêncio! Vocês terão de conviver com pessoas como eu, agora capazes de desmascarar seus discursos nos espaços que vocês imaginavam que eram exclusividade de pessoas como vocês!”.
O Congresso em Foco não conseguiu localizar Ziraldo nem Roberto DaMatta para se pronunciarem sobre o assunto.
Leia a íntegra do texto do deputado:
“Fiquei muito triste pelas atitudes homofóbicas do antropólogo Roberto DaMatta e o cartunista Ziraldo, duas pessoas cuja obra (acadêmica, no primeiro caso, e artística, no segundo) tem sido importante para compreender e representar o Brasil. Para quem não tiver lido as notícias sobre eles, seguem os links:
http://odia.ig.com.br/…/paulo-betti-diz-que-roberto-da-matt…
http://diariogaucho.clicrbs.com.br/…/ziraldo-solta-o-verbo-…
Sempre admirei muito o trabalho do Roberto DaMatta e, por isso, escrevo essas linhas com tristeza. Sou contra os “linchamentos virtuais”, mesmo quando eles começam (na opinião de quem os inicia) por uma “boa causa”, e por isso não quero que minhas palavras deem espaço a isso (por isso, também, comentários ofensivos no post ou insultos a qualquer um deles serão deletados), mas não posso deixar de dizer o quanto lamento que um intelectual que sempre respeitei — e cujas etnografias têm sido tão importantes para interpretar o Brasil e sua cultura popular, assim como sua leitura de Tocqueville é importante para compreender e debater a democracia — seja capaz de mostrar um preconceito homofóbico tão desumano. Parece que ele não leu sua própria obra. Conheço o Roberto; ele sempre me tratou muito bem e nunca me pareceu que a minha orientação sexual fosse um problema para ele, mas a gente nunca conhece inteiramente as pessoas e nunca sabe quando seus preconceitos inconfessáveis podem aflorar. O relato de Paulo Betti, que não foi desmentido por DaMatta, é realmente chocante! É uma ofensa gratuita a todos nós!
No caso do Ziraldo, confesso que não me surpreendeu. Dez anos atrás, quando eu ainda não era deputado, ele se recusou a compor uma mesa comigo na Feira do Livro de Porto Alegre e os organizadores me contaram que era por causa da minha sexualidade. Na época, preferi não fazer público o acontecido, porque avaliei que acabaria dando lugar a mais um escândalo midiático sem qualquer resultado positivo, mas a partir daquele momento ele se apequenou para mim. Qualquer talento e contribuição para a cultura que ele tenha dado perdeu o brilho para mim, porque por trás dela havia uma pessoa doente de ódio, que não conseguia dividir uma simples conversa com outra pessoa por conta de sua sexualidade. Mas o tempo passou e olhem que ironia: Ziraldo é o autor da logo do PSOL, partido pelo qual esse cara com quem ele não quis sentar na mesma mesa se elegeu e reelegeu deputado. O sol dele, talvez contra a sua própria vontade (já que a criação sempre diz mais do que o criador queria dizer), ilumina um partido que tem o único parlamentar homossexual assumido do Brasil..
Pois é, o criador tem muito o que aprender com sua criatura (como ilustra a imagem deste post, retirada de uma cartilha publicada em 2010 pelo MEC e pela Secretaria de Direitos Humano, ilustrada por Ziraldo: http://bit.ly/1QgHTPs ).
Não conheço os termos usados por DaMatta para se referir à representação de homossexualidade feita por Paulo Betti — o ator não divulgou o conteúdo exato da fala, mas se referiu às expressões do antropólogo como “muito violentas”. Mas não é mera coincidência que DaMatta e Ziraldo se refiram à visibilidade de gays e lésbicas em telenovelas, o principal produto cultural consumido pelos brasileiros. Em ambas as falas, nota-se a expressão daquela homofobia que, por um lado, prescreve a “tolerância” em relação em relação aos homossexuais, mas, por outro, considera que a heterossexualidade é a única a merecer o reconhecimento da sociedade por meio da livre e onipresente representação nas telenovelas e, por conseguinte, a única prática sexual e afetiva a ser institucionalizada. DaMatta e Ziraldo são daqueles intelectuais que falam em “tolerância”, mas que se mostram intolerantes em relação à saída da homossexualidade da privacidade e do silêncio onde eles imaginam que esta deve estar confinada. Para ambos, a única sexualidade que pode vir a público — seja na troca de afetos em bares, restaurantes e casas de shows, seja por meio da representação audiovisual — é a heterossexualidade. Daí o fato de Ziraldo e DaMatta desrespeitarem não apenas dois artistas importantes, mas também os gays e lésbicas que certamente mantêm algum tipo de relação com ambos (além do desrespeito a toda comunidade LGBT). Essa forma de homofobia se revela particularmente nefasta porque deseja retroceder em relação às conquistas democráticas e nos empurrar para o armário.
Desculpem-me, Ziraldo e DaMatta, para o armário eu não volto, tampouco para o silêncio! Vocês terão de conviver com pessoas como eu, agora capazes de desmascarar seus discursos nos espaços que vocês imaginavam que eram exclusividade de pessoas como vocês!”
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