O deputado Jean Wyllys (Psol-RJ) diz que dorme apenas três horas por dia para conseguir cumprir todos seus compromissos. Está na coordenação de quatro frentes parlamentares, compõe nove comissões permanentes e atua em CPIs. E ainda enfrenta batalhas no Congresso em defesa de temas polêmicos como a descriminalização do aborto, da prostituição e das drogas.
Primeiro parlamentar assumidamente gay a defender a causa LGBT, Jean diz que é preciso renovar o Legislativo, mas combatendo o discurso antipolítico que ajudou a eleger, na opinião dele, o Congresso mais conservador das últimas décadas. “Estamos vendo o império da estupidez e vivenciando uma espécie de epidemia de burrice”, diz o deputado em entrevista à nova edição da Revista Congresso em Foco. “A saída é apostar em novos rostos, novas vozes, na juventude, sobretudo negra, pobre, das periferias que não têm muita voz, e ampliar a bancada feminina”, defende.
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Em seu segundo mandato, o jornalista baiano de 41 anos foi escolhido pela terceira vez o melhor deputado pelos internautas no Prêmio Congresso em Foco 2015.
Veja trechos em vídeo e, logo abaixo, a entrevista de Jean Wyllys:
Revista Congresso em Foco – O que levou os internautas a elegerem o senhor como o melhor deputado de 2015?
Jean Wyllys – Um conjunto de fatores. O primeiro é que sou um deputado que trabalha e as pessoas percebem. Também tenho uma excelente comunicação nas redes sociais e faço questão da transparência no mandato. Sou um deputado nacional, que toma partido, e também tenho um trabalho como jornalista e professor. As pessoas podem até não concordar com a minha agenda, mas percebem minha atuação. E, por fim, sou um deputado honesto e assíduo. Fiquei feliz em ser escolhido porque o resultado foi espontâneo, as pessoas votaram no Prêmio Congresso em Foco sem que eu precisasse provocá-las.
Em novembro o senhor protagonizou um embate com o deputado João Rodrigues (PSD-SC) sobre temas de comportamento. Por que chegamos a este tipo de polêmica?
Estamos vendo o império da estupidez e vivenciando uma espécie de epidemia de burrice. É inadmissível que um deputado repita calúnias e mentiras que circulam a meu respeito na internet. E mais: me chamar de escória da política pelo fato de eu ser homossexual e defender essa agenda. Há quatro anos isso talvez fosse impensável. Mas, diante da escuridão que se instalou recentemente no Congresso e até de certo fascismo, os ratos se sentem à vontade para passear. O atual modelo de financiamento sempre engendrou um Congresso mais defensor dos interesses das corporações empresariais que os da sociedade. O atual Legislativo está mais conservador porque alguns grupos se organizaram para tentar impor a pauta retrógrada. O melhor exemplo é o das igrejas evangélicas neopentecostais, que elegeram uma bancada grande. O mesmo aconteceu com o setor das forças de segurança, que financiou as campanhas de delegados e de “coronéis”. Também tem os apresentadores de programas sensacionalistas que exploram a criminalidade entre os pobres. Mas o fenômeno é mais do que conservadorismo. Como é que um deputado condenado por ter desviado dinheiro da merenda escolar se elege? É o caso desse parlamentar, que costuma assistir a filme pornô durante as sessões plenárias. A população não aguenta mais esse tipo de político.
Em todas as pesquisas o Legislativo é rejeitado. Por que isso acontece?
Isso se refletiu na pesquisa do DataFolha. A rejeição do (ex-presidente) Lula é de 55%. Mas a do (senador José) Serra, a do (senador) Aécio (Neves), da (ex-senadora) Marina (Silva) e até a do (ex-deputado) Ciro Gomes são elevadas. As principais figuras deste país estão sendo rejeitadas. Está na hora de botarmos na cabeça de uma vez por todas: as pessoas desaprovam o Congresso e cansaram do modelo político. Os deputados ressaltam a baixa popularidade da (presidente) Dilma, que está em torno de 9%, mas a do Legislativo patina em torno disso. As pessoas acham que todos os congressistas são ladrões ou envolvidos em falcatruas. E acham isso porque a maioria, ou parte expressiva, talvez esteja. Na verdade, estão comprometidas com interesses empresariais que financiaram suas campanhas. Isso é plutocracia. E a plutocracia é contra a democracia. Plutocratas e cleptocratas se apropriam do sistema político para usufruto pessoal. Talvez seja esse o motivo da identificação das pessoas comigo. Eu não tenho rabo preso com ninguém. Eu tenho causas. Ninguém financiou minha campanha além da população brasileira, que doou recursos. Só recebi dinheiro de pessoa física. Por isso, sou absolutamente livre para tocar a agenda de direitos humanos. Acho que alguma coisa vai se transformar, e é inevitável.
Mas como mobilizar pessoas para pautas de interesse do país e não os interesses corporativos?
Vamos ter de arregaçar as mangas e entrar na luta. Não basta dar o voto. Tem de convencer um vizinho e o colega para as teses mais progressistas, procurar saber quem são os melhores candidatos a prefeito e vereador.
Mas como mudar?
Precisamos renovar, mas sem o discurso antipolítico. A saída é apostar em novos rostos, novas vozes, na juventude, sobretudo negra, pobre, das periferias que não têm muita voz, e ampliar a bancada feminina. Defendo que metade das cadeiras de deputados seja destinada para as mulheres e metade para os homens. Já seria um bom começo para sairmos dessa armadilha e termos um Congresso melhor.
Qual o principal problema do país?
A desigualdade social. E a corrupção amplia essa desigualdade. Não adianta termos, por exemplo, um sujeito radicalmente honesto, mas contrário aos direitos de minorias, a favor da pena de morte e ao mesmo tempo de mais prisão para pobres, contra as cotas raciais, o casamento civil igualitário e os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. O bom político não é aquele que não rouba, só. Não roubar não é mérito, ser honesto é obrigação. É pouco apresentar como única agenda política o combate à corrupção. Ninguém se choca mais com crianças bebendo água podre? Ou a falta de equipamentos de cultura de escolas nas periferias? A corrupção tem de ser combatida sim. Mas, junto com ela, a desigualdade social.
Qual a pauta do Congresso que mais o preocupa?
A redução da maioridade penal. É uma solução enganosa. A revogação do Estatuto do Desarmamento e a liberação do porte de arma são uma ameaça, isso vai ampliar o número de suicídios e homicídios. Os conflitos serão mediados na base da violência. Também me preocupa o Estatuto da Família. Se aprovado como está agora, jogará em insegurança jurídica vários arranjos familiares adotados no país. Por fim, os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. Negar à mulher o direito de interromper uma gravidez que surgiu de uma violência é um retrocesso sem precedentes. Precisamos botar um freio nos apetites masculinos, que se acham donos do capital, das mulheres e das crianças, e se acham no direito de violar os homossexuais. Precisamos botar freio nessa gente. É o máximo que vamos conseguir nesta legislatura.
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