Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, o procurador da República Ângelo Goulart Villela afirma que o agora ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot apressou o fechamento do acordo de delação premiada com o Grupo JBS com o objetivo de derrubar o presidente Michel Temer e impedir que Raquel Dodge, que tomou posse hoje (segunda, 18) no comando do Ministério Público Federal (MPF), fosse indicada para substituí-lo. Antes de deixar o posto máximo da Procuradoria-Geral da República, Janot denunciou Temer por corrupção passiva, organização criminosa e obstrução de Justiça, mas a primeira acusação foi barrada pela Câmara em 2 de agosto. Assim, o peemedebista só poderá ser investigado pelo primeiro crime quando deixar a Presidência. Os dois outros, reunidos na mesma denúncia, ainda serão analisados pelos deputados.
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O procurador Ângelo diz ter presenciado conversa em que Janot disse: “A minha caneta pode não fazer meu sucessor, mas ainda tem tinta suficiente para que eu consiga vetar um nome”. “Ele tinha pressa e precisava derrubar o presidente. […] O Rodrigo tinha certeza que derrubaria”, diz trecho da entrevista (leia trechos abaixo).
O procurador concedeu a entrevista à Folha de S.Paulo no último sábado (16). Foi a primeira vez que ele falou à imprensa depois de deixar a prisão, em 1º de agosto. Acusado de vazar informações do Ministério Público à JBS, Ângelo ficou preso por 76 dias – na ocasião, Janot lamentou ter que “cortar na carne” ao denunciá-lo. O procurador foi alvo da Operação Patmos, deflagrada em 18 de maio, e denunciado por corrupção passiva, violação de sigilo funcional e obstrução de Justiça.
Em delação premiada, Joesley Batista, dono da JBS e pivô da mais grave crise política do governo Temer, declarou que Ângelo recebeu “ajuda de custo” mensal de R$ 50 mil para vazar informações. Em seguida, disse não saber se o dinheiro era de fato entregue ao procurador, que nega ter recebido propina e disse que se aproximou da JBS para negociar delação. “A desonra dói muito mais que o cárcere”, resignou-se, o procurador, dizendo ainda que Janot se referia a Raquel Dodge como “bruxa” reservadamente.
Leia a íntegra da entrevista e, abaixo, alguns trechos dela:
Folha – Por que o sr. ficou esse tempo todo em silêncio?
Ângelo Goulart Villela – A prudência, diante de tudo que estava acontecendo comigo, o procedimento heterodoxo de apuração que eu estava sendo submetido pelo meu acusador, recomendava que ficasse quieto até que acabassem as flechas ou os bambus.
O sr. recebeu propina da JBS?
Jamais. Nunca estive com Joesley, com Wesley, nem por telefone. Com Francisco Assis e Silva [diretor jurídico do grupo] tive dois contatos. Nunca recebi valor nem promessa de vantagem. O meu interesse era de liderar um acordo da maior empresa que a gente estava investigando. Os dividendos que receberia seriam profissionais, de reconhecimento.
Qual a relação que o sr. tinha com o Janot?
De amizade íntima durante um tempo, frequentava a casa dele, tinha como grande amigo. Mas foi se enfraquecendo com o passar do tempo. A partir do rompimento dele com Eugênio Aragão [ex-procurador e ex-ministro da Justiça], fiquei distante porque nutro amizade e carinho enorme por ele [Aragão]. Eu nutria também pelo Rodrigo, mas me mantive distante. E aí eu vi que o Rodrigo mudou o tratamento comigo e com a minha família.
Qual foi a última vez que esteve na casa de Janot?
No final do ano passado. Era uma segunda-feira, o achei muito cansado, perguntei se estava bem de saúde, e ele disse que sim, mas que estava ansioso para terminar o mandato.
Janot declarou que vomitou quatro vezes ao saber de sua prisão.
Acho que é “media training” [treinamento para lidar com a imprensa], não só essa frase mas outras de efeito que ele anda falando. Não pretendo desqualificar o meu acusador, mas essa frase infeliz demonstra que ele quis mostrar um lado humano que no meu caso ele não teve.
No dia em que pede a minha prisão, ele me pediu um favor no TSE, numa questão de multas, algo que não tinha nada a ver com minhas atribuições. Na verdade, eu já estava grampeado, ele pede para uma pessoa me ligar em nome dele para agradecer “a força”. Então, não acredito que vomitou quatro vezes.
Na sua opinião, o que motivou o Janot na Operação Patmos?
Isso tem uma motivação bem clara. Janot interpretou que eu havia mudado de lado também para apoiar a Raquel Dodge, a principal e mais importante adversária política dele.
No Encontro Nacional de Procuradores da República, em outubro do ano passado, início de novembro, o Janot soltou uma frase que me chamou a atenção. Estavam eu e mais alguns colegas, poucos, e ele falou: “A minha caneta pode não fazer meu sucessor, mas ainda tem tinta suficiente para que eu consiga vetar um nome”. E ele falava de Raquel, todo mundo sabia.
E qual a relação disso com a JBS?
A JBS abriu duas frentes de colaboração, uma mais tímida, comigo e Willer. Depois, eles batem na porta do Anselmo Lopes [procurador que atua na Greenfield] para uma reunião com a PGR e conseguem. Isso tudo em fevereiro. O áudio da gravação do Temer foi em 7 de março e do Aécio Neves, no fim do mês.
O que me chamou a atenção são os personagens ocultos dessa história, o que vem sendo revelado agora. Uma advogada [Fernanda Tórtima], um ex-colega [Marcelo Miller] e um modus operandi idêntico ao de outras delações. Cito os casos de Nestor Cerveró, Sérgio Machado e Delcídio do Amaral. Todos eles com vazamentos antes das homologações.
O Rodrigo quis usar uma flecha para obter duas vitórias. A gente sabia que Raquel seria a pessoa indicada. Eu fui tachado por Rodrigo como se tivesse me bandeado para o lado dela. Esse era um alvo da flecha. O outro era que, derrubando o presidente, e até o nome da operação era nesse sentido –Patmos, prenúncio do apocalipse–, ele impediria que Temer indicasse Raquel. Não tenho dúvida alguma que houve motivação para me atingir porque, assim, ele [Janot] lança uma cortina de fumaça, para mascarar essa celeridade de como foi conduzida, celebrada e homologada uma delação tão complexa, em tempo recorde.
Ele tinha pressa e precisava derrubar o presidente. Ele tinha mais cinco meses de mandato, e faz, então, um acordo extremamente vantajoso ao Joesley, de imunidade, diante de um material que levaria à queda do presidente. Essa pressa, para ficar mascarada, vem com um discurso de que a atuação imparcial de que estava cortando da própria carne. Ele me coloca ali como bode expiatório e me rifa. Nem quis me ouvir. Fui preso com base em declarações contraditórias de dois delatores, em uma pseudoação controlada.
Na sua opinião, foi uma questão política, então?
Considero que Rodrigo, valendo-se da informação que estava no Congresso no sentido de que a indicação de Raquel era dada como certa, viu na JBS a oportunidade de ouro para, em curto espaço de tempo, derrubar o presidente da República e assim evitar que sua principal desafeta política viesse a ocupar a sua cadeira.
Não quero aqui entrar no mérito das acusações, mas apenas destacar que a motivação de Rodrigo, neste caso, conforme cada vez mais vem sendo relevado, foi eminentemente política. O Rodrigo tinha certeza que derrubaria o presidente.
Qual outro elemento o sr. tem para sustentar a sua versão?
A divergência política entre o grupo do Rodrigo e o da Raquel é fato público e notório. Não é apenas uma opinião.
Isso se demonstrava como no dia a dia?
Nós tínhamos um grupo de Telegram que se chamava “Gabinete PGR”, com poucas pessoas, alguns assessores. Rodrigo falava pouco. E vez ou outra alguém tecia comentário sobre a Raquel. Tudo no campo político. Mas o Rodrigo se referia à Raquel com uma alcunha depreciativa para demonstrar que estavam em lados totalmente opostos na política interna.
Que alcunha?
Bruxa. Está no meu celular, que foi apreendido.
É possível esperar que Raquel Dodge diminua o ritmo da Lava Jato?
Não. Qualquer um que entrasse não teria como mudar a Lava Jato. O que se espera é que continue apurando, mas com responsabilidade e profissionalismo, evitando vazamento seletivos, evitando assassinato de reputações. Hoje, prende-se para investigar. O ônus da prova é do investigado, eu que tenho que demonstrar que sou inocente.
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