A três dias de deixar o comando da Procuradoria-Geral da República (PGR), Rodrigo Janot apresentou, nesta quinta-feira (14), a segunda denúncia contra o presidente Michel Temer (PMDB) – a primeira, em 26 de junho, acusou Temer por corrupção passiva, mas a Câmara barrou a consecução do processo. Primeiro presidente brasileiro a ser denunciado por crime comum no exercício do mandato e enfrentando sua segunda acusação em pouco mais de dois meses, agora Temer é visto como membro de organização criminosa e de alguém que atuou com outros suspeitos com o objetivo de obstruir a Justiça.
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Nessa nova denúncia, Janot inclui Temer entre os membros do chamado “PMDB da Câmara”, enquadrando-os por organização criminosa. São acusados, além do presidente da República, os ex-presidentes da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), ambos presos por imposição da Operação Lava Jato; o ex-ministro Geddel Vieira Lima, amigo e aliado de Temer também preso; o deputado suplente Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR), auxiliar próximo do presidente e conhecido como o “deputado da mala” de propina; e os ministros Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Secretaria de Governo). Segundo a denúncia, eles praticaram ações ilícitas em troca de propina por meio da utilização de diversos órgãos públicos e estatais, como Petrobras, Furnas, Caixa Econômica, Ministério da Integração Nacional e Câmara dos Deputados. Michel Temer é acusado de ter atuado como líder da organização criminosa desde maio de 2016, quando assumiu interinamente a Presidência da República.
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Segundo Janot, o esquema batizado “quadrilhão do PMDB” permitiu que os denunciados recebessem ao menos R$ 587 milhões em propina. O núcleo político da organização criminosa, descreve a denúncia, era composto também por integrantes de PP e PT, dispostos em subnúcleos específicos, além de outros parlamentares do chamado “PMDB do Senado”. Em maio de 2016, sustenta Janot, época do pós-impeachment de Dilma Rousseff, reformulou-se o núcleo político da organização criminosa, de maneira que os integrantes do “PMDB da Câmara”, particularmente Temer, passaram a desempenhar “papel de destaque” antes conferido ao PT na gestão Dilma, “em razão da concentração de poderes na Presidência da República”.
A denúncia é embasada em delações de executivos do Grupo JBS e também do doleiro Lúcio Bolonha Funaro, considerado operador do PMDB em esquemas de corrupção. Em documento de 245 páginas, Janot argumenta que, ao avalizar a compra de silêncio de Funaro e também do ex-deputado cassado Eduardo Cunha, em conversa gravada pelo empresário Joesley Batista, um dos donos da JBS, Temer cometeu o crime de obstrução de Justiça. No trecho referente a Cunha, aliás, Janot faz menção à rápida ascensão do cacique peemedebista entre os pares da Câmara, com o apoio do chamado “Centrão” – grupo suprapartidário formado por legendas de segundo escalão como PTB, PR, PP e Solidariedade.
“No início de 2015, Eduardo Cunha decidiu não observar o acordo de alternância entre PT e PMDB e lançou-se candidato à Presidência da Câmara dos Deputados numa disputa com o candidato do PT Arlindo Chinaglia. Esse episódio marcou uma virada importante no relacionamento entre os integrantes do núcleo político da organização criminosa do ‘PMDB da Câmara’ e do PT. Os caciques do PMDB achavam que o governo não estava agindo para barrar a Lava Jato em relação aos ‘aliados’ por que queriam que as investigações prejudicassem os peemedebistas; já os integrantes do PT da organização criminosa desconfiavam que aqueles queriam fazer uma manobra política para afastar a então presidente Dilma do poder e assumir o seu lugar”, registra material veiculado na página do Ministério Público Federal.
Furacão JBS
A mais grave crise do governo Temer teve início com a revelação, pelo site do jornal O Globo, de que o presidente recebeu clandestinamente, em 7 de março, o empresário Joesley Batista, um dos donos da J&F, nos subterrâneos do Palácio do Jaburu, residência oficial da Vice-Presidência da República até hoje ocupada pelo peemedebista. Na ocasião, Joesley gravou a longa conversa com o presidente sem ele saber. Segundo perícia finalizada em 23 de julho pela Polícia Federal, Temer avaliza a compra do silêncio de Cunha, condenado a 15 anos e quatro meses de prisão pelo juiz Sérgio Moro, na primeira das ações penais a que responde na primeira instância.
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Além disso, na gravação, o presidente ouve Joesley dizer que recebia, regularmente, informações privilegiadas de um procurador da Lava Jato, já preso, e de outros dois juízes com acesso às investigações. A reação do presidente diante da confissão é de naturalidade, quando a lei determina que não se omita diante da prática confessa de crimes – situação agravada pelo fato de se tratar de um presidente da República em encontro secreto sem qualquer relação com o exercício do mandato presidencial, em um palácio do governo. Em outra passagem, Temer e Loures tratam de maneiras de beneficiamento da J&F junto ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e até ao Ministério da Fazenda.
O conjunto de revelações resultou na primeira denúncia contra Temer, apresentada no dia 26 de junho. Em pouco mais de um mês, Temer se articulou e conseguiu escapar de se tornar o primeiro réu no Planalto pelo crime de corrupção passiva, o que o obrigaria a se afastar da Presidência até a conclusão do julgamento. Para barrar a denúncia, no entanto, o presidente distribuiu R$ 15 bilhões em programas e emendas, ofereceu cargos em troca de apoio, trocou mais de 20 deputados na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara na votação do parecer do relator no colegiado e exonerou ministros para reassumir o mandato parlamentar na Casa e somar votos favoráveis à rejeição do pedido da PGR. Agora, apesar de uma primeira vitória na Casa, as articulações não prometem ser das mais fáceis. Com promessas não cumpridas, Temer terá um árduo caminho pela frente.
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Na denúncia apresentada em junho, a PGR acusa o presidente de ser o destinatário dos R$ 500 mil entregues pelo lobista Ricardo Saud, da JBS, ao então suplente de deputado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR), então assessor do presidente, flagrado em vídeo recebendo e transportando a mala de dinheiro em abril deste ano. Apesar de todos os indícios e das provas coletadas, a primeira denúncia foi rejeitada pelo plenário da Câmara no dia 2 de agosto. No placar, 263 votos contra a denúncia, 227 a favor, 19 ausências e duas abstenções. O resultado interrompeu o prosseguimento da investigação até que o presidente deixe o cargo, a partir de 1º janeiro de 2019. A denúncia também envolvia o ex-parlamentar Rodrigo Rocha Loures, que chegou a ser preso e hoje está em prisão domiciliar.
Rito
Assim como ocorreu com o trâmite da primeira denúncia, o ministro Edson Fachin, relator do caso JBS no Supremo, deve enviar a denúncia diretamente à Câmara, onde a investigação precisa ter continuidade autorizada por dois terços dos deputados (342 dos 513 votos possíveis).
Para viabilizar as reformas governistas, o Palácio do Planalto quer rapidez na apreciação da denúncia. No entanto, na Casa, ainda haverá a discussão da matéria na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e, mesmo que a denúncia seja rejeitada no colegiado, o processado segue para votação em plenário, onde cada deputado presente tem de declarar como vota ao microfone, com transmissão ao vivo e nome registrado nos canais oficiais da Casa. Caso a Câmara aceite a denúncia e o STF repita tal entendimento, Temer se transforma em réu e é afastado por 180 dias até a conclusão do julgamento.
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