Com um discurso contrário a de seus colegas, o deputado Chico Alencar (Psol-RJ) defendeu uma mundança “hegemônica” do poder na Câmara dos Deputados. O parlamentar questionou as propostas corporativistas dos colegas e afirmou que eles deixaram de mencionar questões importantes para a Casa, – como o fim do 14º e 15º salários e a reforma política – porque “perderiam muitos votos”. O candidato também chamou atenção para as denúncias recentes contra Henrique Alves (PMDB-RN), acusado de enriquecimento ilícito em ação de improbidade administrativa.
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Editorial: a rendição do Congresso ao chiqueiro da política
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Leia abaixo a íntegra do discurso:
“Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, cidadania que pode estar acompanhando esta sessão pública, servidores da Casa, sem os quais não funcionamos. O otimista é um bobo. O otimista é um tolo. O pessimista, um chato. Bom mesmo é ser um realista esperançoso.
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Eu me lembrei dessa assertiva, do sempre genial Ariano Suassuna, quando estava vindo aqui para esta tribuna, porque as pessoas, em geral, trabalham muito com quantitativo. Quantos votos você acha que vai ter? Mas você tem chances?E eu digo com toda a minha convicção aqui, isso é o que menos importa, a contabilidade de cada voto. O que mais importa nessa votação para a Mesa Diretora como um todo e para a Presidência do Poder Legislativo é o que queremos do Parlamento.
E o Parlamento no Brasil está mal. O Parlamento, e não só ele, mas os partidos políticos. Vi o nobre DeputadoHenrique elencar aqui 13 e mais um décimo quarto de coligação, que perfazem talvez 18 ou 19 legendas a apoiá-lo. Estão, e estamos nós, como partidários, mal. E o pior de tudo: isso leva ao desalento e ao desencanto com a atividade política, que não se dá só no Parlamento.
Por isso, esta eleição tem que discutir alguns elementos centrais e fundamentais que interessem à sociedade. Isso é fundamental. Que Câmara dos Deputados queremos? Parece óbvio, mas o óbvio muitas vezes é esquecido nesta Casa. Por exemplo, queremos uma Câmara dos Deputados que cumpra a sua função de representar a população, e representar a população não é substituí-la. É reconhecer seu dinamismo, suas organizações e suas expressões, não apenas através da delegação que recebemos com o voto.
Por isso, a nossa função não é só pensar em reproduzir os próprios mandatos. Por isso, Deputado Henrique, a questão das emendas individuais. Elas são criticadas por nós não nesse sentido altaneiro de representar a demanda concreta e real de um munícipe, de um conjunto de cidadãos, mas elas são usadas para o clientelismo, para o fisiologismo, e muitas vezes na mera perspectiva do mandato futuro.
Por isso nós temos, e aí é função do Parlamento, que enfrentar essa questão e votar, por exemplo, o projeto do Deputado Paulo Rubem Santiago que veda expressamente o pagamento de emenda parlamentar individual a assessor, parente, qualquer pessoa que tenha vínculo com o proponente. É o óbvio, mas o óbvio nem sempre acontece.
A Deputada Erika Kokay também tem uma proposta, já em tramitação na Casa, que disciplina o uso dessas emendas, dando-lhes racionalidade no escopo das grandes políticas públicas. Senão nós, Parlamentares, ficaremosa mendigar o pagamento de emenda, às vezes até fazendo greve, quando elas não acontecem, com o discurso enganoso de que o Orçamento tem, sim, que ser impositivo e realista.
A função de representar a população é a de legislar, sim, e há mais de 300 mil leis federais, mas é também de zelar pelo cumprimento das leis. Isso significa se indispor, muitas vezes, com a autoridade local, estadual e federal, que não faz cumprir a lei.
Há 2 anos, lembro-me bem, chorávamos — o Deputado Glauber Braga e os Parlamentares do Rio de Janeiro lembram —, à época, 860 mortes e mais 500 desaparecidos na tragédia das chuvas da região serrana. Por quê? Porque a lei não é cumprida, cumprir a lei no Brasil é revolucionário. De lá para cá o que houve? Desmando, corrupção, morte sobre morte.
Agora, estamos aqui chorando a dor igualmente trágica da perda das vidas jovens, em Santa Maria. Por quê? Porque as leis que fazemos, inclusive, no âmbito municipal e estadual, não são cumpridas.
Além de representar a sociedade e fazer leis, é papel do Parlamento, irrenunciável, fiscalizar o Executivo. Sinceramente, colegas, inclusive dos partidos de Oposição, avalizar o predomínio do PMDB, esse partido de moral homogênea, como dizia o Deputado Márcio Moreira Alves, no Senado e na Câmara, é um perigo para a democracia brasileira, porque você acaba fazendo com que o oficialismo predomine, e esse poder irrenunciável de fiscalização do Executivo que temos fica apequenado. Haja vista, nesse condomínio de acertos, que está aparecendo aqui também, o que aconteceu com a CPI Cachoeira/Delta, a despeito da dedicação e do trabalho intenso de alguns Parlamentares, inclusive, do Relator Odair Cunha. Foi um acordo: protege os meus, que eu não toco nos seus. E a Delta, que é uma cachoeira de corrupções, mas é uma empreiteira que financia campanhas, ficou protegidíssima.
Então, o poder de fiscalizar é irrenunciável e não fiscalizamos bem.
E, por fim, o Parlamento tem que ser uma usina de debates de ideias para a sociedade, Deputado Marco Maia, que tantas vezes, corretamente, abriu este plenário para comissões gerais e audiências públicas para debater tudo, absolutamente tudo.
O direito das minorias, a livre expressão humana, o monopólio dos meios de comunicação de massa, a necessidade da sua democratização, o marco regulatório da Internet, Deputado Molon, tudo tem que ser debatido. A crise ambiental! A crise ambiental num planeta que vai esgotando os seus recursos naturais e pode viver uma situação terrível e profunda de insolvência.
Hoje, dia 4 de fevereiro, a humanidade vai produzir mais alimentos do que ela necessita para se alimentar, e um terço disso vai ser jogado no li-xo, e um quarto dessa humanidade vai dormir com fome! Será que isso não é questão que diz respeito ao Brasil e ao Parlamento do Brasil? Então, é preciso pensar grande. É preciso fazer a grande política.
Vou também aqui trazer uma questão que não foi abordada, e é gravíssima.
O Presidente do Congresso Nacional recém-eleito — e eu gostaria que os 56 Senadores que votaram em Renan dissessem o seu nome, mostrassem a sua convicção — afirmou que a ética não é um fim, é um meio. Divirjo frontalmente, como muitos aqui.
Agostinho Neto, Deputada Janete — as Janetes, tão ligadas a essa liderança africana — dizia que não basta que sejamos bons e justos, Deputado Domingos, é preciso que a nossa causa seja justa e boa. Por isso, a ética não é meio nem fim, ela é princípio elementar, com o da legalidade, o da impessoalidade, o da publicidade, o da moralidade e o da eficiência. Princípios que, aliás, costumeiramente, desrespeitamos aqui na Casa.
A ética é um elemento que está vinculado à moralidade pública do bem comum, do interesse público e não do interesse menor e privado. Por isso, a nossa candidatura é para tocar as consciências, numa eleição em dois turnos, que estão incomodadas com o fato de termos um Parlamento que em boa e má parte do seu tempo só cuida do miúdo, do pequeno e do interesse particularista e daquilo que não é relevante para a sociedade. Resultado: o abismo entre a população e nós, sua representação, só tem feito se aprofundar.
Por fim, Sr. Presidente — tenho certeza que a isonomia de tempo, inclusive com aqueles minutinhos a mais, me será garantida —, quero dizer que nós queremos um Parlamento protagonista.
E me espantou, nem meu querido Júlio, a Rose, nem o candidato oficial, Henrique Eduardo Alves, com apoio formal, suponho, do PSDB e de partidos de Oposição, ninguém aqui mencionou a reforma política, deputado Henrique Fontana. Éimpressionante. Aliás, ninguém falou também, Deputado Ferro, sobre a democratização dos meios de comunicação.
Quando se fala da TV Câmara, por exemplo, é cobrir mais os Deputados? Não, é garantir que ela cubra mais a vida e a população que nós representamos, que, inclusive, tem mais audiência, sendo, e é um mistério profundo, uma tevê aberta. Só isso já nos credenciaria, nos nossos bons trabalhos, muito mais junto àpopulação.
Mas a reforma política, com financiamento exclusivamente público de campanha, o debate urgente, com a proposta que o Relator Henrique Fontana elaborou, muito boa, merece ser enfrentada em plenário.
Deputado Reguffe, nós queremos um Parlamento que debata, que discuta e que se exponha como V.Exa. corajosamente, pela sua trajetória pública digna e elevada, sempre se expõe. E debater a reforma política é fazer isso, senão estaremos condenados sempre a sucessivos mensalões do DEM, do PSDB, do PT, de quem mais seja, porque a porta de entrada da corrupção política no Brasil é o financiamento de campanha, e depois as trocas de favores, e depois as encomendas governamentais para garantir poder e mandato. Vamos enfrentar isso! Vamos tocar o dedo na ferida! Vamos rediscutir aqui essa concepção do Código Florestal à luz também da urgente e hoje quase paralisada democratização da terra no Brasil, que continua igualmente concentrada!
Eu queria, portanto, Sr. Presidente, concluir dizendo que nós defendemos protagonismo, austeridade, inclusive com a votação do relatório do Deputado Afonso Florence sobre o fim dos 14º e 15º salários — também ninguém falou nisso porque perde voto — e que o Senado já aprovou. Falta a Câmara. Vamos fazer isso na institucionalidade. Vamos trabalhar, além da austeridade, pela transparência absoluta de cada centavo que esta Casa gasta. Isso é fácil, isso está na nossa mão e isso nos credencia.
Eu me recordo que, há 2 anos, eu falei do Fernando Pessoa, para ser grande, ser inteiro.
E quem aqui me inspirou foi a Deputada Manuela, que por coincidência twitttou ontem, ao que eu estava resgatando Fernando Pessoa. Esse poeta português, insuspeito de ser simpático a qualquer das candidaturas aqui colocadas, diz o seguinte:
Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas
Que já têm a forma do nosso corpo
E esquecer os velhos caminhos já trilhados e que nos levam sempre aos mesmos lugares
É o tempo da travessia
E se não ousarmos fazê-la
Deputado Romário, que sempre foi ousado nas suas atividades e na sua concepção de vida.
Teremos ficado para sempre
À margem de nós mesmos
Vamos fazer com que a Câmara não fique à margem dela própria, da sociedade e da população, que ela tem que representar bem, com intensidade, com força.
Eu acredito na consciência digna, na história de vida de cada um que está aqui para praticar, naquelas urnas secretas, que queremos sempre abertas, em todas as situações, o voto mais consciente e melhor para esta Casa, para que não sejamos acusados de eleger a improbidade, o peculato, as malfeitorias, num estouro da boiada, da naturalização do que é errado. Isso pode dar bode!
Muito obrigado”.