Camilla Shinoda e Edson Sardinha
Um mês depois de o Supremo Tribunal Federal (STF) ter estabelecido que o mandato de deputados e vereadores pertence ao partido, e não ao candidato eleito, apenas cinco das nove legendas que teriam direito a reivindicar as vagas na Câmara pretendem recorrer à Justiça para reaver as cadeiras perdidas com o troca-troca partidário.
Com isso, dos 18 deputados federais que estão ameaçados de perder o mandato por terem trocado de sigla após 27 de março, dez devem receber o perdão dos partidos pelos quais se elegeram. No caso, PTB, PR, PMDB e PSC.
As quatro agremiações devem poupar os mandatos dos seguintes parlamentares na Câmara: Silas Câmara (PSC-AM), Jurandy Loureiro (PSC-ES), Cleber Verde (PRB-MA), Damião Feliciano (PDT-PB), Takayama (PRB-PR), Carlos Eduardo Cadoca (PSC-PE), Marcos Antônio (PRB-PE), Dr. Paulo César (PR-RJ), Lindomar Garçon (PV-RO) e Jackson Barreto (PMDB-SE).
Por outro lado, oito deputados devem ser levados à Justiça eleitoral por seus ex-correligionários. São eles: Walter Brito Neto (PRB-PB), Jusmari Oliveira (PR-BA), Gervásio Silva (PSDB-SC), que deixaram o DEM; Paulo Rubem Santiago (PDT-PE), ex-PT; Geraldo Resende (PMDB-MS), ex-PPS; Clodovil Hernandez (PR-SP), ex-PTC, e os ex-pedetistas Davi Alves Jr (PSC-MA) e Sérgio Brito (PMDB-BA).
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Na mira do DEM
Walter, que assumiu o mandato na semana passada após a renúncia de Ronaldo Cunha Lima (PSDB-PB), terá seu nome incluído na relação que o DEM encaminhará hoje (6) ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), juntamente com os de Gervásio e Jusmari, que deixaram o partido depois da data estabelecida como marco da fidelidade partidária pela Justiça eleitoral.
Embora tenham abandonado a legenda antes de 16 de outubro, definida pelo próprio TSE como data-limite para o troca-troca no caso dos cargos majoritários, os senadores Edison Lobão (PMDB-MA), César Borges (PR-BA) e Romeu Tuma (PTB-SP) também estão na mira do DEM (leia mais).
Para reaver os mandatos dos senadores, os advogados do partido irão se basear no artigo 98 do estatuto da legenda, que diz: “O filiado que, eleito pela legenda, venha a se desligar do partido no curso do mandato ou punido com cancelamento de filiação partidária, perderá automaticamente o mandato para o qual foi eleito”.
O estatuto, no entanto, foi aprovado quando da criação do DEM, em 28 de março deste ano. Nas eleições passadas, o partido ainda era denominado PFL. “Não fui eleito pelo Democratas, fui eleito pelo PFL”, justifica-se César Borges.
Salvando a pele
O número de deputados ameaçados de perder o mandato poderia ser ainda maior. Eleito pelo PP, Carlos Souza (AM) não pensou duas vezes após o STF anunciar a decisão, em 4 de outubro. Para não perder a cadeira, ele voltou no dia seguinte para o PP, depois de ficar menos de um mês no PRB. “Eu voltei para o PP para não perder o mandato. Entrei com o pedido logo depois da decisão do STF”, confirmou ao Congresso em Foco.
Procurados pela reportagem, os partidos que não pretendem reaver o mandato dos deputados infiéis alegaram discordar da decisão do Supremo. “Quem saiu que vá com Deus”, disse o deputado Sérgio Moraes (RS), um dos vice-líderes do PTB na Câmara. O partido perdeu cinco deputados desde 27 de março.
“Espero que os outros partidos façam o mesmo. Não é justo o PTB não tentar reaver os mandatos, e os outros partidos tentarem tomar a vaga daqueles que vieram para o nosso lado”, afirmou o petebista.
Para o PMDB, por exemplo, o marco legal do troca-troca deveria ser depois do julgamento do STF, ou seja, a partir de 5 de outubro. “A tentativa de reaver os mandatos poderia causar embaraço porque as decisões tomadas com o voto dos deputados que vierem a perder o mandato poderiam vir a ser questionadas judicialmente”, explicou a assessoria de imprensa do partido.
Perde e ganha
Mas, na prática, a contabilidade é outra. Apenas sete dos 18 deputados que trocaram de legenda após 27 de março serão substituídos por parlamentares dos partidos pelos quais se elegeram caso o pedido dos ex-aliados sejam acolhidos pela Justiça. Por causa das coligações, na maioria das vezes, os suplentes a serem chamados pertencem a outro partido (veja quem pode sair e quem pode entrar).
Por conta das alianças regionais, o jogo de perde e ganha é, no mínimo, inusitado. Caso o PPS tenha êxito no pedido de devolução do mandato de Geraldo Resende, por exemplo, a vaga dele não voltará diretamente para a sigla. Mas para o PMDB. Curiosamente, a legenda para a qual Resende migrou há poucos meses.
O mesmo ocorrerá se o PTB decidir cobrar a vaga de Silas Câmara (AM). Mais uma vez, o PMDB seria o grande beneficiado. E não a sigla de origem do deputado. Os peemedebistas só experimentarão o outro lado caso decidam reivindicar o mandato de Carlos Eduardo Cadoca. A vaga cairia no colo de Roberto de Oliveira Liberato (DEM-PE).
“Essa decisão é a maior incoerência. Ele diz que o mandato é do partido, mas quem vai assumir, muitas vezes, não é deputado do próprio partido. Na prática, esse tipo de decisão não será implementada”, criticou o deputado Tadeu Filippelli (DF), vice-líder do PMDB. Segundo ele, o partido não irá à Justiça atrás do mandato dos infiéis porque o número de adesões foi maior que o de perdas.
Outros interessados
Apesar de apenas cinco partidos terem sinalizado que irão tentar reaver o mandato, os deputados infiéis não estão totalmente livres da ameaça de perder a vaga. Conforme resolução do TSE, além da antiga legenda, qualquer pessoa que tenha “interesse jurídico” ou o Ministério Público poderá reivindicar a devolução da vaga.
Para isso, no entanto, algumas regras precisam ser observadas. Segundo a Resolução 22.610, publicada no Diário da Justiça na terça-feira passada (30), o partido pelo qual o infiel se elegeu terá 30 dias a partir da troca para pedir a cadeira de volta. Para os casos anteriores à publicação da norma, o prazo começou a contar mesmo no último dia 30.
Só após essa data, o MP e os demais interessados poderão entrar com ação na Justiça eleitoral. Para os cargos federais, a instância a ser procurada é o TSE. Nos demais casos, são os Tribunais Regionais Eleitorais (TREs).
Severino ansioso
A abertura deixada pela resolução já mexe com o ex-presidente da Câmara Severino Cavalcanti (PP-PE). Severino, que renunciou ao mandato em 2005 após ser acusado de ter recebido propina para renovar a concessão de um restaurante na Casa, é o primeiro suplente do deputado Marco Antônio (PRB-PE), eleito pelo PSC.
Como o PSC anunciou que não vai acionar Marcos Antônio na Justiça – mas apenas os futuros infiéis –, o ex-deputado pernambucano já prepara o pedido na Justiça para retornar à Câmara. “Vou tentar reaver o mandato, sim. Não vou abrir mão do que for meu”, disse ao Congresso em Foco. “É um direito meu, que está assegurado pela lei”, emendou.
Mudança justificada
Segundo o TSE, apenas quatro causas justificam a troca de legenda: incorporação ou fusão de partido, criação de um novo partido, perseguição política e mudança substancial do programa partidário.
É com base no argumento de que quem mudou foi o partido, e não ele, o deputado Paulo Rubem Santiago diz não temer a ameaça do PT de recorrer à Justiça para lhe tomar o mandato. “Tenho absoluta convicção de que minha situação é única. E é muito diferente do caso desses deputados que trocam de partido quando estão no avião vindo para a posse”, disse o novo pedetista.
Paulo Rubem alega que deixou o PT, após 26 anos de militância partidária, por causa do acúmulo de divergências com o partido desde a legislatura passada. O ex-petista lembra que chegou a ser suspenso da bancada por ter votado contra a reforma da Previdência em 2003.
O deputado ressalta que tem uma série de documentos protocolados no Palácio do Planalto questionando a mudança de postura do governo Lula e do partido. “Eu continuo na base aliada, defendendo as mesmas idéias. Não fui eu quem mudou. Quem mudou substancialmente foram as atitudes do PT”, defende-se.
O pedetista afirma que ainda mantém um bom relacionamento com os deputados petistas e que conta com a solidariedade da boa parte da bancada de seu ex-partido. “Muitos integrantes da bancada petista são contra a perda do meu mandato. Eles entendem as minhas divergências e respeitam minha história partidária”, conta.
Ele também questiona a legitimidade da decisão do STF e do TSE sobre a fidelidade partidária. “As decisões dos tribunais superiores são abstratas. Desconhecem as reais razões da troca de partido”, comenta. Para o pernambucano, o marco que rege a idéia de infidelidade partidária não deve ser uma data (dia 27 de março), mas sim os motivos pelo que ocasionaram a mudança.
Decisão sob crítica
O advogado especializado em direito eleitoral Alberto Rollo concorda com Paulo Rubem. Na avaliação dele, é compreensível a reticência dos partidos políticos com a decisão do Supremo.
”Isso é uma avaliação política. Os partidos também foram agentes de mudança de legenda, ganharam e perderam parlamentares”, justifica o advogado. Esse é o caso, principalmente, do PR. Apesar de também ter perdido deputados, o PR foi o partido que mais se beneficiou das trocas na Câmara. Muitos desses parlamentares, no entanto, ficaram de fora da restrição imposta pelo TSE por terem migrado para a legenda antes de 27 de março.
“Muitos partidos podem não concordar filosoficamente com essa fidelidade imposta por dois tribunais superiores, que estão legislando onde não devem”, explica.
Segundo o advogado, é necessário que haja alguma ferramenta para controlar a troca injustificada de partido por conta dos parlamentares. “Os tribunais estão invadindo uma competência que não é deles. A fidelidade partidária deve ser feita mediante processo legislativo”, defende. “É certo que essa ação do Judiciário se deu devido à inércia do Legislativo. Mas, mesmo assim, o Judiciário não deve exercer o papel de outro poder”, completa Rollo.
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