Ricardo Ramos |
Levado à linha de frente da crise política por denúncias de recebimento de propina, o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), nem de longe cumpriu uma de suas principais bandeiras de campanha: garantir a independência do Legislativo no momento de decidir a pauta de votações. Pelo contrário. Em meio a uma turbulência ou outra, Severino construiu uma relação de proximidade com o governo Luiz Inácio Lula da Silva nesses sete meses e se curvou aos interesses do Palácio do Planalto. Em contrapartida, garantiu ao seu partido, na última reforma ministerial, em julho, o recheado Ministério das Cidades – antes, o PP já vinha ocupando importantes cargos no segundo escalão, como diretorias em Furnas, na Anvisa, no IRB,entre outros órgãos. A estratégia de Severino em dar apoio político ao governo em troca de cargos, contudo, foi colocada à prova com a acusação de que ele teria recebido propina pra liberar a concessão de um restaurante. Pelo visto, o apoio do governo blindou-o: ao ímpeto do bloco de oposição PSDB e PFL e de partidos independentes, como o PDT, o PPS e o PV, o presidente da Câmara ganhou ainda o apoio dos líderes petistas do Campo Majoritário, corrente da atual cúpula do partido. Leia também Nesse grupo que pode alcançar 50 parlamentares, um dos que tem feito a defesa mais contundente de Severino é o deputado Arlindo Chinaglia (SP), líder do PT na Câmara, que tem conversado bastante com ele. O coro em defesa de um eventual afastamento de Severino, que negou ontem as denúncias veiculadas pela imprensa, é engrossado pela bancada do PP, de 55 deputados, e por outros 100 parlamentares que compõem o baixo clero da Câmara. Subserviência ainda reina Levantamento feito pelo Congresso em Foco sobre os projetos convertidos em normas jurídicas desde a posse de Severino, no dia 15 de fevereiro, revela que, contrariando seu discurso de candidato, o presidente da Câmara não mudou a posição de subserviência da Casa ao Executivo. De lá pra cá o presidente Lula sancionou 69 leis e o Congresso promulgou três propostas de emenda à Constituição (PECs). Nenhuma das proposições apresentadas pelos parlamentares este ano, porém, foi transformada em lei. Entre as 69 leis ordinárias sancionadas pelo presidente, 43 nasceram de medidas provisórias ou de projetos de lei encaminhados pelo Executivo. Ou seja, 62,31% das propostas convertidas em lei surgiram no governo federal. Durante esse período, os deputados aprovaram 16 projetos de lei – ou 23,18% do total. O restante das normas foi gerado a partir de iniciativa popular, do Ministério Público e do Judiciário. A marca da dupla Severino Cavalcanti e Renan Calheiros (PMDB-AL), o presidente do Senado, está prestes a superar as 17 leis sancionadas em todo o ano de 2004 por Lula, quando presidiam o Senado e a Câmara, respectivamente, José Sarney (PMDB-AP) e João Paulo Cunha (PT-SP). No ano passado, o legislativo propôs apenas 6,7% das leis que entraram em vigor ( leia mais ). Mais uma vez, o aumento quantitativo das propostas aprovadas pelos legisladores não se refletiu em qualidade. Muitas delas dizem respeito à criação de datas comemorativas e homenagens de personalidades brasileiras. Nenhuma delas, contudo, começou a tramitar no Congresso Nacional este ano. Ainda foram aprovadas três PECs, todas de deputados. Nesse período, nenhum projeto de lei complementar virou norma jurídica ( veja quadro ). Para depois Eleito sob o discurso da independência e para atender as demandas dos próprios deputados, Severino Cavalcanti disse que iria encontrar uma forma para contemplar os projetos dos parlamentares. Declarou apoio aos trabalhos da comissão mista que analisa mudanças no rito das medidas provisórias, que tinha sido criada em novembro do ano passado, para acabar com a “exagerada”, segundo ele, quantidade de MPs. Com a eclosão da crise, o projeto teve sua discussão suspensa em maio – e, desde então, jamais ocorreu uma reunião do colegiado. No mesmo mês, Severino avisou aos prefeitos que iria pôr em votação a segunda etapa da reforma tributária, que trata da unificação das alíquotas do Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Peitaria até mesmo o governo, com quem havia discutido a proposta. Não peitou. Diante da resistência do Planalto, do PSDB e do PMDB, o presidente da Câmara foi forçado a anunciar que a proposta só seria analisada no segundo semestre. Agora, sem clima político, dificilmente será votada este ano. Em outras duas ocasiões, o presidente da Câmara foi dissimulado: recebeu adversários, disse que iria pôr em pauta mesmo os projetos com os quais não concordava, mas nada fez para apressá-los. Um deles é a proposta que acaba com a contratação de parentes no serviço público. Severino, que tem familiares empregados na Câmara e no governo federal,é contrário ao fim da prática, embora tenha dito que o colocaria o assunto em votação. Pelo visto, ele não se esforçou para que a proposta avançasse este ano. Na semana passada, a comissão especial que analisa a PEC do Nepotismo (334/96) teve seu prazo prorrogado por 20 sessões – o que deve jogar eventuais resultados para, no mínimo, o mês de novembro. Já a PEC do Trabalho Escravo (431/01) está parada em plenário desde o dia 22 de fevereiro, uma semana após a eleição de Severino. O presidente da Câmara chegou a receber o líder do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), João Pedro Stédile, e disse que iria priorizar a votação do texto. Por pressão dos ruralistas – que votaram maciçamente em Severino –, o governo resolveu priorizar o Projeto de Lei 5061/05, de autoria do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), que torna mais clara a definição do que é trabalho escravo e dos crimes para quem a pratica. Desde o fim de maio, o relator do PL 5061/05, deputado Vicentinho (PT-SP), diz estar com o relatório pronto. Mas vai ainda debatê-lo com entidades do setor ( veja mais ). |