Lígia Souto |
Não é de hoje que os erros de redação em algumas leis comprometem o entendimento de seu conteúdo. Em outros casos, o problema aparece já na justificativa da proposta. Veja alguns exemplos recentes e antigos: – A Lei 6.514, de 22/12/1977, que trata do adicional de periculosidade, diz que o empregado só terá direito ao adicional se seu contato com inflamáveis ou explosivos for permanente (contínuo).
Porém, a interpretação permite que o contato intermitente (não contínuo, que tem interrupções ou intervalos) também seja válido. Só não gera o direito ao adicional de periculosidade o ingresso ou permanência eventual (casual) em área de risco. Leia também – Um artigo do Código de Processo Civil foi modificado exatamente por conter uma palavra que poderia apresentar dúvidas. O texto estava assim redigido:
Para evitar interpretações subjetivas em torno do advérbio “razoavelmente”, o Congresso aprovou a Lei 6.771/80, que fez a seguinte alteração:
. Termos e expressões ambíguas também comprometem o entendimento da legislação. O artigo 419 (recentemente revogado) do antigo Código Civil causou controvérsias exatamente pelo emprego da conjunção “ou”, que, na língua portuguesa, tanto pode expressar alternância quanto adição.
Em tempo: no caso em questão, o termo “ou” foi usado para expressar adição. . Em algumas situações, o problema não está na interpretação conflituosa, mas na agressão à própria língua portuguesa. A Lei 12.722/98, do município de São Paulo, dispõe sobre a obrigatoriedade de afixação de placas informativas contendo normas de segurança em cada andar dos elevadores dos prédios comerciais e residenciais. A frase escolhida, porém, revela a pouca intimidade do legislador com a gramática:
A anáfora (referência a algo que já foi mencionado anteriormente; no caso, o elevador), deveria ser feita por um pronome pessoal (ele). Além disso, o segundo “se” deveria, por atração, aparecer antes do verbo “encontra”. . Há situações em que o problema de redação aparece em textos elaborados exatamente para sanar imprecisões da legislação em vigor. É o caso de proposta de emenda constitucional (PEC) apresentada no final de 2004 por um senador para, supostamente, eliminar a subjetividade dos requisitos constitucionais de “relevância” e “urgência” que hoje permitem ao Executivo baixar medidas provisórias (MPs). Nesse sentido, a PEC estabelece:
O autor peca, em primeiro lugar, por usar indevidamente a expressão “onde” (o certo seria “em que”). Mais que isso, fracassa no seu objetivo primordial – tornar objetivos os critérios para edição de MPs, impedindo sua utilização abusiva – por produzir um texto extremamente subjetivo. Quais seriam os tais “casos extraordinários” que exigiriam “providência imediata”? Quando “a necessidade e a urgência” justificariam a edição de MPs? Sua proposta não esclarece. |
Deixe um comentário