Soraia Costa
Publicada em 7 de agosto de 2006, a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), que prevê punições mais rígidas para agressores de mulheres e muda o trâmite das denúncias de violência doméstica, já deveria estar totalmente implantada, pois não depende de regulamentação.
Na prática, no entanto, essa efetivação tem sido feita de maneira lenta e desigual no país. Enquanto há estados que contam com casas-abrigo, centros de orientação e atendimento às vítimas, e centros de recuperação dos agressores, há outros em que as mulheres agredidas são orientadas, dentro da própria delegacia, a não prestarem queixa.
As divergências na aplicação da lei levam em conta uma série de aspectos, que vão desde o freqüente contingenciamento dos recursos para a implantação e divulgação das políticas de combate à violência contra a mulher, até o medo da dissolução das famílias, principalmente por parte das vítimas de agressão.
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“Temos uma avaliação positiva e consideramos que essa lei foi uma vitória de mais de 20 anos. Mas a efetivação da lei é outro desafio”, destaca a advogada Myllena Calasans de Matos, do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFemea). Ela foi uma das participantes do grupo de entidades não-governamentais que ajudou a elaborar o projeto de lei que deu origem à norma. O nome popularizado da lei é uma homenagem à biofarmacêutica Maria da Penha Maia (leia mais).
Segundo Myllena, ainda não é possível analisar com precisão as conseqüências das novas regras, mas já é possível dizer que, mesmo sem sua efetiva implantação, houve avanços. “Politicamente, essa questão da violência doméstica está sendo bem discutida. O tema ganhou visibilidade porque essa é uma lei que mexe com determinadas estruturas e, portanto, requer uma nova visão sobre a questão da mulher”, destaca.
Novas regras
Entre outras coisas, a Lei Maria da Penha obriga as autoridades policiais que receberam a queixa a encaminharem, no prazo de 48 horas, pedido aos juizes para que sejam tomadas medidas que garantam a proteção da vítima.
Dependendo do caso, a mulher agredida também poderá ser levada para uma casa-abrigo ou requerer que seu agressor seja impedido de se aproximar dela ou dos filhos.
A nova lei alterou a forma de punição dos agressores. As penas previstas variam hoje de três meses a três anos de prisão em regime fechado. Antes, eram de seis meses a um ano. Também passaram a ser consideradas formas de violência doméstica as agressões psicológicas, moral e patrimonial, além da sexual e da física. Além disso, foi eliminada a possibilidade de pagamento de cestas básicas ou doações como forma de punição.
“O pensamento de que essas formas de violência são besteiras ainda existe. Então a lei tenta mudar esse pensamento. Porque muitas vezes a violência começa em pequenos atos. E, com certeza, para se chegar à violência física, antes se passou pela violência moral e psicológica”, argumenta a promotora de Justiça Laís Cerqueira Silva, que coordena o núcleo de Gênero Pró-Mulher do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT).
Laís destaca, ainda, que a lei passou a permitir a prisão em flagrante dos agressores. “Isso dificultava até o trabalho das autoridades policiais. Já ouvi casos em que os policiais detinham o homem correndo com um facão na mão atrás de sua mulher. O casal era ouvido, ele assinava um termo dizendo que não faria mais aquilo e os dois iam juntos para a parada de ônibus”, conta.
Juizados especiais
A Lei Maria da Penha retirou dos juizados especiais o poder de julgar crimes de violência doméstica, como vinha sendo feito desde 1995. Com isso, toda denúncia de agressão contra mulheres passou a gerar um inquérito policial.
Além disso, em casos de agressões físicas, a mulher já não pode mais retirar a queixa, pois a denúncia será apresentada pelo Ministério Público.
“Até 1995 a Justiça criminal funcionava de maneira igual para todos os tipos de crimes. Tudo era tratado da mesma forma: as delegacias recebiam a queixa, abriam um inquérito policial, ouviam testemunhas, produziam provas e faziam laudos”, explica Laís Cerqueira.
Mas como dessa maneira os julgamentos demoravam muito e as delegacias ficavam sobrecarregadas, naquele ano foram criados os juizados especiais, que passaram a ser responsáveis pelas sentenças relativas a crimes de menor potencial ofensivo (cuja pena prevista fosse de até dois anos).
“A vantagem dos juizados especiais era a celeridade. Tentava-se um acordo entre as partes, mas, nesses casos, as tentativas de composição entre as partes não davam efeito”, ressalta a promotora.
“Então os casos de violência doméstica – lesões corporais, ameaças, injúrias e vias de fato (agressões que não deixam marcas, como empurrões e puxões de cabelo) – eram considerados de menor potencial ofensivo. E isso ia de encontro ao que vinha se discutindo no âmbito internacional”, complementa ela.
Impunidade
Como o objetivo dos julgamentos nos juizados especiais era de buscar a conciliação, raramente as denúncias de agressão doméstica resultavam em punição para os agressores.
“Os juizados especiais não atendiam à demanda das mulheres. Muitas vezes os casos eram arquivados ou as penas eram convertidas em cestas básicas”, conta a advogada Myllena Matos, do CFemea.
Ela relata que, antes da publicação da Lei Maria da Penha, foram feitas pesquisas mostrando que as mulheres já não queriam denunciar por achar que o processo não daria resultados.
“Os casos de violência contra a mulher correspondiam a quase 70% da demanda dos juizados especiais. Queríamos uma equipe própria para tratar desses casos”, explica.
Apesar disso, a própria lei faculta à União, aos estados e ao Distrito Federal a criação